Sem consenso médico, cada mulher deve buscar informações muitas vezes negligenciadas para decidir de modo mais consciente a respeito da interrupção ou não da menstruação
O movimento feminista levanta um necessário debate sobre a naturalização da menstruação, bandeira que convida a mulher a se conciliar com seu ciclo e, assim, transformar em símbolo de poder o que até então era visto como sujo e desconfortável. "Vivenciar o ciclo menstrual trabalha e harmoniza a vitalidade, a vida emocional e a individualidade da mulher”, acredita a ginecologista antroposófica Cátia Chuba.
Porém, a realidade é que pensar em menstruação, para muitas mulheres, só traz imagens de dor e sofrimento. Seja por excesso de sangramento e cólicas avassaladoras seja por alterações sinistras de humor, muitas querem fazer exatamente o contrário e simplesmente romper de vez com o ciclo menstrual. Em um levantamento do Centro de Pesquisa em Saúde Reprodutiva de Campinas, 54% das mulheres disseram não gostar de menstruar por conta das cólicas e 66,1% usariam a pílula anticoncepcional para controlar o fluxo menstrual.
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Para essas, hoje nós temos a opção de suspender os sangramentos com tratamentos hormonais. Porém, não há consenso médico a respeito da necessidade ou não de menstruar. A resposta a essa importante questão pode ser sim ou não, de acordo com a linha de pensamento adotada pelo médico, uma vez que não há na literatura médica relatos de que seja necessário, tampouco o contrário. Tudo neste campo são teorias e hipóteses.
Sem acordo
Há quem acredite que não existe nenhuma necessidade de menstruar. "Só reflete um estado da mulher que não está grávida", acredita Rogério Bonassi, que preside a Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Tal perspectiva é similar a adotada pelo ginecologista e obstetra Rodrigo da Rosa, que defende: “Se você não está planejando engravidar, a menstruação é algo facilmente dispensável e não traz prejuízos”. Nesse sentido, a também ginecologista Flávia Souza vai além e alerta para algumas doenças que, segundo ela, “só surgem com a menstruação regular, como endometriose, anemia, e as cólicas”.
Para esses profissionais, interromper o sangramento pode ser encarado como um benefício, ainda que eventualmente adotem um discurso mais equilibrado. "Não há benefícios diretos da menstruação, mas também não há malefícios", acredita Bonassi.
Em outro extremo estão médicos que defendem a ideia de que o ciclo menstrual é fundamental e atua regulado por um mecanismo integrado de órgãos reprodutores, glândulas e sistema neurológico. Nesse campo, a importância de menstruar é tratada como algo que vai além do fator reprodutivo. Sangrar pode ser uma ótima notícia se você não quiser estar grávida. Mas não sangrar também pode sinalizar várias outras coisas além de gravidez.
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“Se você observar a cor, o fluxo e a duração do seu sangramento, pode ter mais informações sobre o que se passa com seu corpo”, explica Halana Faria, ginecologista do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, que, além de ressaltar o papel do ciclo como uma importante referência física, se preocupa com as consequências de uma interrupção via implante hormonal. "A pílula anticoncepcional, combinada continuamente com estrogênio e progesterona, aumenta o risco de desenvolver diabetes, adenoma hepático - um tumor benigno de fígado que pode crescer e romper -, maior risco de câncer de colo de útero, de depressão - principalmente entre mulheres adolescentes -, diminuição de libido...", completa. A lista é extensa. "Eu vejo na prática que existe um abalo na fertilidade. É recuperável com a suspensão dos hormônios e uma limpeza do corpo feita com tratamentos naturais, mas abala sim", conta Cátia.
E se eu quiser interromper?
O procedimento de interrupção da menstruação é bastante simples se a mulher estiver disposta. Porém, é bom ter em mente os principais riscos à saúde decorrentes principalmente do uso prolongado de hormônios, e não são poucas as vezes em que as mulheres que se definem por esse tipo de tratamento o fazem com pouco acesso a informações acerca de efeitos colaterais.
Para Cátia, essa é uma questão de grande importância: "Falta informação e muitos médicos trazem uma visão pronta de que menstruar é uma sangria inútil, sem benefícios". Sua preocupação para esse tipo de abordagem é o fato de ir muitas vezes ao encontro de uma vulnerabilidade da mulher que sofre com efeitos da menstruação. "Junte isso a uma mulher que se incomoda com a menstruação e, sem questionar, ela vai pela via da suspensão. Tem muitas pacientes que acabam se arrependendo e querendo mudar de tratamentos", explica Cátia.
Ana Julia, 23, toma pílula de maneira contínua e não sangra há quatro anos. Ela penava muito com cólicas, enxaquecas e o volume de sangue que perdia todo mês. Em uma consulta, o ginecologista da família indicou o tratamento hormonal. “Achei estranho que ele não falou dos efeitos colaterais, mas, como ia nele há muito tempo, confiei”, lembra.
Halana escuta com frequência suas pacientes dizerem que se sentem lesadas no direito à informação nos encontros com profissionais de saúde. “Muitas são dissuadidas de métodos não-hormonais na direção de métodos hormonais”, e ainda dá a deixa para outro ponto que está em jogo. “É comum encontrarmos folhetos nos consultórios médicos falando das maravilhas de não menstruar. São propagandas sem assinatura que promovem o discurso de que a mulher moderna não precisa menstruar, mas estão ali para vender um produto”, finaliza Halana.