”A notícia do banheiro no Senado me fez lembrar da reforma que a própria Câmara dos Deputados sofreu antes de eu tomar posse”, escreve Mara Gabrilli
Foram mais de 55 anos para que o Senado finalmente pensasse no xixi das senadoras e construísse um banheiro para elas. Até a última reunião dos parlamentares no ano passado, as doze senadoras tinham de sair do plenário e usar o banheiro do restaurante ao lado porque a única opção era o banheiro masculino, construído em 1960.
As pessoas não imaginam, mas em muitas ocasiões, os parlamentares passam MUITO tempo em plenário. E não ter um banheiro por perto dificulta bastante a vida. A notícia do banheiro no Senado me fez lembrar da reforma que a própria Câmara dos Deputados sofreu antes de eu tomar posse. Além do plenário que não tinha acessibilidade, até um tempo atrás a Câmara não tinha banheiro feminino e tampouco adaptado para pessoas com deficiência.
Não por acaso, muita gente tem curiosidade sobre como faço xixi na correria do dia a dia, levando em consideração que os lugares quase nunca são acessíveis. A verdade é que depois de 21 anos de tetra, aprendi a encontrar novas maneiras de fazer tudo. E os meus xixis costumam ser momentos muito prazerosos do dia. É o meu momento de imersão no universo masculino.
Sou uma mulher que faz xixi em pé.
Pessoas que sofrem lesão medular como a minha optam por diferentes maneiras de fazer xixi. Eu escolhi ser sondada. E essa geralmente é a hora no dia em que alongo meu corpo, converso ao telefone, despacho alguma coisa com um assessor... Faço tudo isso enquanto minha assistente pessoal dá conta do trabalho lá embaixo. Mas isso nem sempre acontece em um banheiro bonitinho e adaptado. E como não posso esperar para que o Brasil fique todo acessível, qualquer lugar vira lugar.
Lembro-me de uma clínica de reabilitação que frequentava cujo banheiro era horroroso, mas o jardim tinha lá seu charme. Nos momentos de aperto eu sempre usava um arbusto de lá. Era uma delícia fazer xixi ali. Ao ar livre, com florzinhas de paisagem...
Quando viajei para Fortaleza e visitei o Beach Park, também precisei de um arbusto escondido de lá. Minha cadeira não passava de jeito nenhum na porta dos banheiros. Achei um local perfeito. Só quem poderia ver uma mulher em pé, amarrada a uma cadeira, com uma canga presa na cintura e outra pessoa enfiada lá embaixo, eram as pessoas que usavam um brinquedo de queda livre. E (ainda bem) não dava tempo para organizar essa imagem na cabeça delas.
Na praia sempre faço xixi deitada na areia com uma canga cobrindo minha cuidadora. Quem passa por ali deve pensar se tratar de alguém muito tarado para não conseguir chegar em casa.
Na época que fui secretária municipal, minha sala não tinha porta. Tinha só uma divisória para eu fazer meu xixi em pé. Tinha uma altura que todos podiam ver o meu rosto e falar comigo, mas sem ver as partes baixas. Se o prefeito entrasse na minha sala num momento assim, eu precisava dizer: fale comigo daí, só não vem tão perto porque estou fazendo xixi.
Como deputada, fiquei um pouco mais tímida. Agora só no avião, na ponte São Paulo/Brasília. Já fiz até amigos nessas situações, quando preciso pedir ajuda pro vizinho de voo para cobrir o entorno da cabine.
Falando assim pode parecer tudo muito engraçado, mas tem muita gente com deficiência que deixa de sair de casa e viver porque tem medo de precisar fazer xixi e não encontrar o lugar ideal. A realidade é que aprendi a viver bem e ser feliz “apesar de...”
Mas se pensarmos para além do meu xixi, dá para perceber o quão as diferenças ou minorias ainda são postas ao limbo no nosso país. Se até o ano passado, as senadoras precisavam se deslocar do plenário para usar um banheiro, o quanto as pessoas com deficiência ainda precisam lutar para ter liberdade plena de ir e vir?
Hoje, depois de muita briga, Câmara e Senado têm acessibilidade para pessoas com deficiência. Tem também banheiros femininos.
E uma deputada que “mija em pé”.
O que mais podemos exigir?
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