Enquanto isso, no Afeganistão, uma mulher ignora as ameaças do Talibã. Aos 36, é vice-líder do parlamento e quer ser a 1º presidente do país
Fawzia Koofi perdeu a conta de quantas vezes driblou a morte. A primeira foi nas primeiras horas de vida, quando sua mãe a abandonou sob o sol incandescente das montanhas de Badskhshan, no nordeste do Afeganistão. Por ser mulher, não teria valor na sociedade afegã. “As cicatrizes das queimaduras no meu rosto só desapareceram na minha adolescência”, explica a ativista, em entrevista à Tpm. Ela é a primeira mulher vice-presidente do parlamento do Afeganistão, país islâmico ultraconservador, e primeira a se candidatar às eleições presidenciais, que acontecem em 2014.
Da outra vez que viu a morte de perto, não escapou ilesa. Quando tinha apenas 3 anos, seu pai, Abdul Rahman, foi convocado pelo então presidente Hafizullah Amin (tido como um dos mais cruéis da história) a iniciar um diálogo com os rebeldes mujahidden, que se refugiavam nas montanhas próximas à casa da família. Logo na primeira aproximação, foi executado com um tiro na cabeça, e os rebeldes desceram a montanha para matar seus descendentes. Fawzia e sua família tiveram que se esconder no meio de um monte de esterco. “Ainda lembro do gosto amargo na boca”, diz, explicando que a família foi obrigada a se mudar para Faizabad, capital da província. Lá, Fawzia se tornou a primeira mulher da família a estudar. “No princípio, meus irmãos homens se opuseram”, lembra.
Já adolescente, uma promoção de seu irmão a um alto cargo na polícia fez a família se mudar para Cabul (ele seria assassinado dois anos depois). Na capital, em um ambiente mais livre, ela passou a usar maquiagem, andar sozinha nas ruas e entrou em primeiro lugar na faculdade de medicina. Mas, em 1996, o Talibã passou a controlar a cidade e as mulheres foram proibidas de estudar e até de ter acesso a serviços médicos. Fawzia foi obrigada a abandonar o curso. “Mais uma vez os acontecimentos no meu país me privaram dos meus sonhos. Sem opção, me casei.”
Guerreira
Uma semana depois do casamento, o marido da jovem parlamentar passou seis meses preso por uma antiga dívida de um de seus irmãos. Nesse período, Fawzia percorreu Cabul sozinha, correndo risco de ser presa pela polícia moral, tentando encontrar ajuda para livrar o marido: “Passei todo tipo de humilhação. Quando estava grávida de sete meses, o guarda da prisão começou a me apedrejar porque eu havia passado esmalte nas unhas”. Quando o marido foi posto em liberdade, o casal voltou a Faizabad e Fawzia começou a trabalhar para as Nações Unidas. O marido, debilitado pelas torturas que sofreu, acabou morrendo de tuberculose poucos anos depois.
Fawzia continuou trabalhando para a organização mundial até que, em 2005, foi anunciada a primeira eleição, em 30 anos, para o parlamento afegão. A ativista decidiu se candidatar. “O meu trabalho para as Nações Unidas me fez ver que a política estava no meu DNA. Mas, primeiro, tive de ganhar o apoio da família, porque outro irmão também queria se candidatar. Ganhei as prévias familiares e a minha cadeira no parlamento com 8 mil votos.” Atualmente, está em seu segundo mandato (ela foi a segunda mais votada de sua província), é vice-presidente do parlamento e já se lançou candidata à presidência.“Se os Estados Unidos elegeram um negro, por que o Afeganistão não pode eleger uma mulher?”, questiona.
Mesmo com o número cada vez maior de mulheres na política e em cargos importantes da sociedade, o maior foco da campanha de Fawzia continua sendo a discriminação de gênero. Por causa da cultura local, muitas jovens ainda são privadas de seus direitos. “Em alguns lugares, homens atiram ácido no rosto das meninas que vão estudar”, denuncia. “Muitos pais não mandam as garotas para a escola para protegê-las. Outros ainda acham que mulheres não precisam receber educação. Mas a sociedade afegã está mudando.”
Fawzia acompanha a mudança com apreensão. Em fevereiro deste ano, ela publicou Favored daughter, uma compilação das cartas que escreveu para as filhas, hoje as adolescentes Shuhra e Shaharzad, caso ela morresse em um atentado – em 2010, o carro de Fawzia sofreu um ataque do Talibã, matando seu motorista e um de seus guarda-costas. “Não posso ficar aterrorizada com as ameaças. Quero um mundo melhor para as minhas filhas e para o Afeganistão.”
Vai lá: www.fawziakoofi.org