Face é ficção

por Fernando Luna
Tpm #127

Tudo pode melhorar com o filtro certo

 

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus amigos virtuais sempre têm sido campeões em tudo.

Pelo menos ali no Facebook e no Instagram.

La vie en rose é pouco. Tudo pode melhorar com o filtro certo. E tome X-Pro II, Amaro, Earlybird, Rise, Hudson, Sierra, Lo-Fi... Aí sim. O PF vira uma explosão de sabores, gato vira-lata ganha pedigree, um sorriso amarelo traz de volta a pessoa amada em três dias, a festinha dá uma animada, aquele moleque fica a cara do bebê Johnson’s e qualquer domingo no parque é promovido a uma Coney Island da mente.

E se alguém inventasse uma rede antissocial?

Isso, um cantinho da internet em que só valeria postar a vida como ela é. Nada a ver com reality show. Reality show não existe. Ou é realidade ou é show: em 99% do tempo, a gente faz tudo sempre igual. Difícil é curtir isso. Clica logo esse botão, sacode a poeira e dá a volta por cima. E as hashtags dessa distopia digital? Em vez de #fériasincríveis, um sincero #chuvanapraia. Sai #bomdia e entra #paraquem?, no lugar de #lookdodia aparece a #loucadodia.

O status traria a opção “Não tenho certeza”. Trabalho e educação? “Chato” e “ruim”. Residência? “Tô procurando, o aluguel da última ficou caro.” Idiomas? “Me viro no português e fiz quatro meses de Aliança em 1989.” E ninguém poderia escrever que seu livro de cabeceira é russo, seu filme favorito é tailandês ou que seu defeito é ser perfeccionista.

Sim, demoraria bastante para chegar a 1 bilhão de usuários.

Mas, tudo bem, ninguém precisa transformar sua timeline num mural das lamentações. Só não faria mal dar um check-in no mundo real de vez em quando. Nem que seja para lembrar que o Face é ficção, e que comparar seu dia com o post alheio é covardia. O inferno não são os outros. O inferno é acreditar que os outros estão se divertindo mais do que você.

Como lembra a reportagem “Vida perfeita só existe no Facebook”, citando o inesperado guru 2.0 e filósofo iluminista Montesquieu: “Se quiséssemos apenas ser felizes, seria fácil. Mas queremos ser mais felizes do que os outros. O que quase sempre é difícil, já que pensamos que eles são mais felizes do que realmente são”.

Aproveita as festas de final de ano para cantar com o Pulp: I eu want to quero live viver like como common people uma pessoa comum.

Fernando Luna, diretor editorial.

Última atualização Pela segunda vez, a Tpm ganha o Prêmio Esso de Jornalismo, o mais importante da mídia brasileira. Em 11 anos, foram sete indicações, um recorde entre as publicações femininas. Agora, a reportagem “Lebmra quem tmoou toads?!” levou o troféu na categoria Criação Gráfica em Revista – e é claro que a gente, orgulhosamente, vai postar isso na nossa fan page.

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