Imagina quem está acostumada com amigos que se jogam no chão em um país onde o normal é o aperto de mão?
Antes de tudo: gap cultural existe sim. Por mais que a gente se ache cidadão do mundo (e a gente até é) a gente é brasileiro e é latino. Eu, no caso, ainda sou carioca. Há quase um ano direto em Berlim eu ainda ando por aí cantando: "Não, não vou me adaptar" (o que não significa que eu não esteja bem e que eu quero voltar para o Brasil, veja lá).
Existe, nessa grande competição que é o Facebook, o grupo dos imigrantes (ou expat, para ser mais chique) que já são super adaptados. Esses, falam alemão fluentemente, não têm choques com a sociedade, têm vários amigos alemães, são praticamente amigos da família do Goethe (e leem no original). Não é o meu caso. Como PASSIONAL MC (saudades, Xico) estou acostumada com uma vida onde as pesoas, quando gostam de você, se jogam no chão e fazem declarações de amor aos berros.
Alemão não faz isso.
Outro dia fui a um bar onde até faziam. Era um bar meio de mendigos. Me apeguei para sempre. Inclusive porque um alemão me ofereceu pipoca. Muitos coraçõezinhos de amor. Um. Alemão. Que. Ofereceu. Pipoca.
Não estou falando que os alemães são ruins. Contrário. Meu namorado é alemão. Tenho enteados alemães, amigos alemães e todos são ótimos. Mas, no dia a dia, um alemão não vai te oferecer pipoca. Muito pelo contrário, talvez ele te taque pipoca. Sim, outro dia deixei um elástico de cabelo cair no chão, o cara pegou e eu sorri toda simpática em agradecimento, já querendo iniciar um papo do estilo. Pois é, sou desastrada mesmo, mas achei que ele responderia que meu irmão é igual a você (atenção, esse diálogo entre desconhecidos em Berlim falando sobre "vida pessoal" nunca acontecerá). Porém, o que o cara que pegou o elástico fez? Tacou na minha cara! Eu não chorei. Eu ri. E isso significa, acho, que estou aprendendo a lidar.
Eles não escrevem beijos nos e-mails!
Eu mando beijo até para a moça operadora de celular. A gente chama todo mundo de amor, flor, amado, querido. Seja a pessoa entrevistado, juíz, político. Aqui, minha gente, existe diferença entre o Sie e o Du. Como, como vamos nos adaptar? Sie é formal. Du é informal. No trabalho, você chama o seu chefe de Sie. Dependendo do ambiente de trabalho, todos se chamam de Sie! E eu venho de uma sociedade onde chamar de "você" é formal e flor ou meu querido e amado e coração é informal. Desculpem. Não é fácil.
Se existe solução para o gap cultural? Eu acho que não. Da minha parte, me sinto melhor sempre que penso: "vou continuar sendo eu, foda-se". Óbvio que continuar sendo eu significa ser respeitosa com os hábitos do alheio. Mas isso não quer dizer que eu consiga entender o conceito do ser "polite", "educado". Se eu sou legal com alguém é porque eu gosto da pessoa, né? Na sociedade européia, pelo o que ando descobrindo, alguém pode ser legal com você e te odiar. Ela foi legal porque é "polite". E alguém pode não ser legal e gostar porque, dizem, olhar nos olhos é coisa para íntimos para alguns.
Eles não entendem que para a gente, latino, quando eles são legais, a gente pensa: "me ama, quer ser meu amigo". E que quando não olha nos olhos significa: "nossa, que louco, me detesta."
Acho que eu nunca vou me adaptar a essas coisas. Meu sangue latino vai continuar sendo meio asustador para eles. A frieza vai continuar me deixando confusíssima. Clichês? Sim. Mas alguns são verdadeiros, acho.
A solução? Levar na boa, achar graça das diferenças e aceitar que algumas diferenças você não vai entender nunca. Algumas pessoas se adaptam suuuper, como se fossem austríacas de berço. Não sei o que se passa com elas, mas desconfio que às vezes elas se trancam no banheiro e choram (porque chorar em público não pode) ouvindo Maysa.
E ao contrário do pensamento hipster comum, acho, sim, que quem mora fora do Brasil deve ter amigo brasileiro. Recomendo fortemente. Que viralatice é essa que manda que não é legal ter amigo do seu próprio país? Claro que não vou ser amiga de alguém só porque a pessoa é brasileira. Mas também não vou ser só porque a pessoa é alemã.
Regra para quando o gap cultural incomodar muito. Xingue. Em português.