O estilista Isaac Silva, que tem Elza Soares e Djamila Ribeiro, entre suas clientes, cria coleção inspirada na primeira trans brasileira, que viveu no século 16
Quando lançou sua grife, em 2015, Isaac Silva tinha um objetivo claro em mente. "Na minha marca vou falar sobre a nossa diversidade. Há muitas negras no Brasil, e elas não se sentem representadas na moda. Quero ser o primeiro a vestir essas mulheres." Dito e feito. Prestes a completar 30 anos, o baiano tem entre suas clientes a cantora Elza Soares (sua fada-madrinha, e para quem cria e assina todos os figurinos de show), a filósofa Djamila Ribeiro, a escritora e arquiteta Stephanie Ribeiro, a maquiadora Daniele Da Mata, a rapper Preta Rara, a influenciadora e youtuber Magá Moura e as atrizes Taís Araújo e Camila Pitanga, mulheres negras e importantes formadoras de opinião em diversas áreas da sociedade — em outubro, ele abre sua primeira loja física, no bairro paulistano de Higienópolis.
No seu último desfile no evento de moda Casa de Criadores, em julho passado, deu mais um passo de inclusão ao homenagear outro segmento feminino excluído da moda: as mulheres trans.
Com registro datado de 1591, a história da primeira mulher trans do Brasil foi apresentada a Isaac por Neon Cunha, ativista negra e trans, que colabora com o estilista desde a coleção Dandaras do Brasil (verão 2017), uma homenagem a Dandara, mulher de Zumbi dos Palmares e guerreira negra do Brasil colonial. "Neon trouxe a pesquisa de Xica Manicongo, que viveu em Salvador e é considerada a primeira mulher trans do Brasil. Pensei: 'Nossa, isso é uma coleção!'"
No desfile, o casting foi composto por mulheres trans com diferentes biotipos e estilos, representando a diversidade também dentro dessa categoria de identidade de gênero. Celebrar o Brasil, o negro e a beleza de quem foi colocado à margem da sociedade é um exercício que Isaac Silva tenta praticar num âmbito 360 graus.
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Se a pergunta é sobre suas influências de moda, a resposta são os estilistas brasileiros Dener, Clodovil, Zuzu Angel e Guilherme Guimarães. As pesquisas de tendências, Isaac faz dentro do Brasil, desde os tempos em que trabalhava numa grande fábrica do Bom Retiro com o também estilista Weider Silvério, passando pela fase em que criou coleções para serem terceirizadas e compradas por grifes como Le Lis Blanc e Carina Duek, ou na época em que foi assistente de nomes como Gustavo Silvestre e André Lima. Hoje, embora não deixe de olhar o que é criado internacionalmente, continua a dar mais atenção ao que acontece, por exemplo, no street style do Rio de Janeiro e do Pará do que no de Nova York e Paris. A estratégia tem dado certo tanto para a sua própria marca como para as várias outras para as quais faz consultoria e produz peças, casos da Cotton Project e da Laboratório Fantasma, do rapper Emicida. "Quantos desfiles você já viu, no Brasil, inspirados em Maria Antonieta ou Joana D'Arc? A gente precisa exaltar as mulheres da cultura brasileira: Maria Quitéria, Chiquinha Gonzaga...", defende, referindo-se aos temas das coleções de moda no Brasil.
Nascido em Barreiras, cidade de cerca de 160 mil habitantes no interior da Bahia, apaixonado por moda desde adolescente, Isaac Silva parece exercer seu idealismo de maneira muito pragmática, talvez a chave para seu recente sucesso. Formado em moda numa faculdade de Salvador, tratou de aprimorar sua técnica e seus conhecimentos na área das mais diversas maneiras: de aulas de costura com mulheres testemunhas de Jeová a cursos, desde que chegou a São Paulo, há quase dez anos, com nomes como Gloria Coelho, Tufi Duek e a holandesa Li Edelkoort, dona de um dos escritórios de pesquisas de tendências mais respeitados do mundo.
Formou-se em Produção do Vestuário pelo Senai-SP para dominar a técnica por trás da criação das roupas, trabalhou como assistente de André Hidalgo na Casa de Criadores por seis anos antes de lançar sua marca própria.
Ideologicamente, é do time dos agregadores, dos que não veem qualquer problema numa mulher branca vestindo sua moda afro-brasileira, termo que acredita ser o mais adequado para definir seu estilo. Muito pelo contrário. "A negra não usa a moda feita para branca? Você também pode usar minha moda afro-brasileira, inspirada em mulheres trans. Isso não é apropriação cultural, isso é a exaltação de uma cultura." Os vestidos que foram batizados com o nome das modelos trans que os desfilaram são bem-vindos em qualquer guarda-roupa, independente de raça ou gênero.
Créditos
Imagem principal: João Bertholini /Isaac Silva Brand/Divulgação