Espelho, espelho meu

por Redação
Tpm #66

Sentimo-nos sempre como a Cinderela no meio do borralho, chorando por um banho de fada que nos faça a rainha da festa. Mas, se até ela teve que entregar o vestido à meia-noite, imagina nós

 
Quando criança adorava assistir à montagem daqueles cabelos improváveis da década de 60. Elas colocavam rolos e penetravam em secadores espaciais. Depois, a cabeleireira transformava tudo numa grande massa caótica, para só então modelar e recobrir a maçaroca com uma fina camada de laquê, formando um capacete mole. A hora do laquê era o máximo, a mulher segurava uma espécie de máscara sobre o rosto que a protegia daquele vapor petrificante. Enquanto isso, as manicures e suas cadeirinhas infantis rastejavam entre as mulheres, numa múltipla cerimônia de la­va-pés. O mais legal mesmo eram os esmaltes, ain­da me apaixono por todos aqueles vidrinhos. Mais tar­de assisti a rituais diferentes e igualmente com­ple­xos, como as escovas, onde toda aquela musculação fabrica um cabelo “natural”.

Não gosto que mexam no meu cabelo. Ele é rebelde, os outros só o pioram. A minha ca­be­lei­reira pode somente cortar. Como tenho cabelos bran­cos desde os 30, já passei muitos turnos da mi­nha vida dentro de institutos para pintá-los de to­das as cores imagináveis. A nesga maldita aparecia tão rapidamente que desisti! Assumi os grisa­lhos, mas graças a eles tenho horas de vôo suficientes para tirar brevê de freqüentadora de salão de beleza.

Vamos ao instituto para fazer os pés e as mãos, como se já não estivessem feitos, e, quando tristes, pedimos ao profissional que faça algo, pelamor­dedeus... Em estado bruto nos sentimos um horror, descuidadas, incompletas. Natural que haja um pronto-socorro de imagem a cada meia quadra, não importa o status do bairro.

Rainha da festa

Consultamos o espelho mais freqüentemente do que a bruxa da Branca de Neve e, como ela, fazemos dele um oráculo para tentar saber como somos vistas. A integridade física e a imagem corporal são aquisições frágeis. A pele informa ao cérebro se o corpo está protegido, se os estímulos que ele sofre são de prazer ou dor. Já a imagem tem seus sensores espalhados do lado de fora, instalados no olhar de todo aquele que interceptar nossa passagem pelo mundo. Continuamente estamos checando se, como e quanto impressionamos os semelhantes.

Somos uma obra imperfeita, deteriorada pelo uso, em permanente estado de manutenção e re­forma. Por isso são tão importantes os raros mo­mentos de glória em que todos os detalhes foram cuidados. Mesmo assim, inseguras, corremos para o banheiro retocar o irretocável. Sentimo-nos sempre como a Cinderela no meio do borralho, chorando por um banho de fada que nos faça a rainha da festa, o foco dos olhares. Mas, se até ela teve que entregar o vestido à meia-noite, imagina nós.

No instituto reencontramos os cuidados ma­ternos primários, alguém que nos deixa asseadas e arru­madas, mas não é só. Ali parecem estar os mes­tres do olhar, aqueles que saberiam como dei­xar nossa aparência desejável. Pena que o feitiço se­ja breve e as fadas tão caras.

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