por Lia Hama
Tpm #156

Aos 22 anos, Luisa Arraes faz Laís, par de Chay Suede na novela das 9. Filha de Guel Arraes e Virginia Cavendish, ela fala das raízes nordestinas, da fama e da vida adulta

Em O auto da compadecida (1999), filme de Guel Arraes baseado na obra de Ariano Suassuna, há uma cena em que o personagem Chicó (Selton Mello) se encontra com Rosinha (Virginia Cavendish) num parque de diversões. O moço pobre e desajeitado oferece um doce à filha do coronel, que acabara de chegar a Taperoá, no sertão nordestino. Ao fundo, crianças brincam perto da roda-gigante. Entre elas, uma garota de 5 anos, que fazia sua primeira figuração.

Dezessete anos se passaram e, aos 22 recém-completados, Luisa Arraes faz sucesso hoje na novela das 9 como a mocinha Laís, par romântico de Rafael, interpretado por Chay Suede. Numa versão contemporânea de Romeu e Julieta, sua personagem em Babilônia pertence a uma família evangélica da Baixada Fluminense, enquanto o namorado é filho de um casal de lésbicas da zona sul carioca. Num folhetim que sofre com baixa audiência, o jovem casal se destaca e ganha elogios, inclusive de veteranos da TV Globo.

“Fico muito tocada quando vejo um casal de atores como a Luisa e o Chay, com uma disciplina nata, uma adesão fervorosa ao que estão fazendo. Nunca a gente vê nos olhos deles desistência, cansaço ou vontade de que aquilo termine. Cada cena tem frescor e entrosamento. Essa dupla é um grande respiro de amor e integração”, afirmou Fernanda Montenegro no programa Encontro com Fátima Bernardes. E acrescentou: “Um beijo, Luisa. Você é danadinha!”. “Não sabia que a Fátima estava planejando um infarto numa atriz tão jovem”, reagiu Luisa ao ouvir, incrédula e ao vivo, a veterana de 85 anos. Chay também rasga elogios à companheira de trabalho. “A gente se deu bem de cara. Fomos nos encontrando como dupla e essa parceria fez com que os personagens ganhassem força. Mas o bacana foi descobrir essa atriz generosa, estudiosa e gente boa, uma garota de ouro”, afirmou o ator à Tpm.

Assim como sua personagem, Luisa exala frescor e jovialidade. Tem fala rápida, sorriso fácil e jeito descontraído de garota da zona sul carioca. A Tpm encontrou a atriz num café no Jardim Botânico e, na manhã seguinte, numa sessão de fotos na Lagoa. “Olha a mocinha da novela, a filha do prefeito!”, comentava quem passava pelo local. É o primeiro papel de destaque na TV, mas o ambiente artístico lhe é totalmente familiar.

Férias em Recife

“Cresci nas coxias de teatro e nos sets de filmagem”, diz Luisa, filha do diretor Guel Arraes e da atriz Virginia Cavendish. “A Lulu sempre viajou com a gente pra todo canto. Lembro de uma vez que a van se perdeu numa busca de locação para O auto da compadecida. Foi uma viagem longa, do Crato até Recife (PE). E ela nunca reclamava”, conta a mãe. Em Caramuru – A invenção do Brasil (2001), Luisa aparece numa cena de montanha-russa e, em Lisbela e o prisioneiro (2003), faz uma dama de honra. “Eu me autointitulava ‘figurante de expressão’”, recorda, rindo.

Luisa passou a infância no bairro do Jardim Botânico. Aos 9 anos, seus pais se separaram. “Achei normal, muitos amigos tinham os pais separados.” Na adolescência, estudou num colégio da elite descolada carioca, a Escola Parque, na Gávea. Passou por várias fases: “De grunge, surfista a patricinha”. Nas férias, ia para Recife e para o
interior do Ceará, terra natal do avô paterno, Miguel Arraes (1916-2005), três vezes governador de Pernambuco. “Fui filha única por muito tempo então adorava encontrar os meus primos de Recife. Somos 28 no total. É uma família bem pernambucana: tias que falam muito, tios que bebem assim que acordam.”

''Quando soube que faria uma cena com o Wagner, fiquei louca! No fim, agradeci ele com um selinho. Falei pras minhas amigas: ‘Gente, beijei a boca do Wagner Moura!''

O primo mais velho, Eduardo Campos, governador de Pernambuco por duas vezes, morreu em 2014, num acidente de avião quando disputava as eleições presidenciais. “Eu tinha mais relação com os filhos dele, por causa da idade. Mas as pessoas morriam de rir com o Dudu. Uma vez, nós, crianças, tocávamos o terror, subindo e descendo as escadas de um hotel. Ele ligou no celular e fingiu ser o gerente, dando bronca. Era muito engraçado.” Com o patriarca da família não teve muito contato: “Vovô era calado e eu não entendia muito o que ele falava, tinha problema de dicção. Ficava na varanda, fumando charuto. Era um homem mais da política. Quando morreu, eu tinha 12 anos”, conta. Ainda assim, sente a força do sobrenome Arraes. “Lembro que tinha fila para falar com o vovô. Ele trabalhou muito pelos pobres de Pernambuco, era tido como herói. Imagina, até o Fidel Castro mandou flores no velório dele!”

O discurso social vez ou outra aparece na conversa. Como quando conta que está prestes a sair da casa onde mora com o pai, a madrasta (a diretora Carolina Jabor), e os dois irmãos, João, 8 anos, e Alice, 2. Vai dividir um apartamento com uma amiga no Jardim Botânico. “Tá mais do que na hora de eu cuidar das minhas coisas. Quero ter faxineira no máximo uma vez por semana. Você leu o texto do Gregorio Duvivier, ‘A privada e a bicicleta’ (tinyurl.com/pkzz4tf)? Fala da desigualdade social no Brasil, que nos países em que você lava a própria privada, ninguém mata por uma bicicleta. Eu quero limpar a minha própria privada.”

Estreia na TV

A atriz fica incomodada com as críticas de que só está na novela por causa do pai, Guel Arraes, diretor de dramaturgia da TV Globo, com programas memoráveis no currículo, como TV Pirata, Armação ilimitada e A grande família. “Pô, sacanagem, sempre fiz teste para os meus papéis! O que posso fazer se eu sou filha dele?” Guel vê com naturalidade a associação da filha a seu nome. “No começo talvez chame mais a atenção, é mais fácil reconhecer alguém que é filho de fulano. Mas eu não tenho nada a ver com o núcleo de Babilônia. Prezo muito esse distanciamento, tem que ser uma conquista dela. E ela trilhou um caminho seguro até aqui”, afirmou o diretor.

A estreia de Luisa na maior emissora do país aconteceu três anos atrás, na série Louco por elas, em que fez o papel de Bárbara, filha de Giovana (Deborah Secco). Quem a convidou para o teste foi o autor e diretor pernambucano João Falcão, famoso por lançar novos talentos, como a trinca de baianos Wagner Moura, Lázaro Ramos e Vladimir Brichta. Luisa passou a infância na casa de João e da roteirista Adriana Falcão, com quem ele teve Clarice e Isabel. João conta que via a vocação em Luisa desde criança. “Adorava assistir às peças que ela representava em casa junto com minhas filhas. Sempre soube que ela seria atriz.”

Foi com Isabel Falcão e com Isabel Mello que Luisa adaptou e encenou sua primeira peça, Queda livre, aos 16 anos. “Sempre fui precoce. Quando estava no segundo colegial, prestei vestibular para cinema e passei”, diz. Após cursar um ano da faculdade, trancou. Mais tarde, transferiu-se para letras, na PUC, onde pretende se formar no ano que vem. “Já quis escrever e atuar. Mas não tenho mais vontade de ser escritora. Fui sugada pelo trabalho de atriz.”

Aos 17 anos, Luisa se matriculou na escola de teatro da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) e depois passou sete meses em São Paulo, frequentando um curso do ator Lee Taylor. No cinema, fez uma participação no filme A busca (2013), do diretor Luciano Moura, protagonizado por Wagner Moura. “Quando soube que faria uma cena com o Wagner, fiquei louca, pulei de alegria! No fim, agradeci ele com um selinho. Falei pras minhas amigas: ‘Gente, gente, beijei a boca do Wagner Moura!’”.

Mais recentemente, a atriz contracenou com Cauã Reymond e Sophie Charlotte no longa Língua seca, de Homero Olivetto, com estreia prevista para este ano. “É a história de um grupo de motoqueiros, meio cangaceiros modernos, que estão atrás de uma santa que faz chover no sertão nordestino. Faço uma turista sequestrada pelo bando, que vive um triângulo amoroso com o líder, interpretado pelo Cauã, e a personagem da Sophie Charlotte.” Em novembro, depois que a novela terminar, Luisa vai participar de uma nova montagem de Santa Joana dos matadouros, de Bertolt Brecht, dirigida por Marina Vianna.

Vou de ônibus

Luisa namora há um ano e meio o ator George Sauma, que conheceu fazendo a peça infantil Pedro Malazarte e a arara gigante. Se o namorado tem ciúmes do galã Chay Suede? “Nada, os dois se dão superbem! Tanto que o Chay vai tocar com a banda do George, Choque do Magriça, este mês”, garante. Planos de casar e ter filhos? “Simone de Beauvoir já desmistificou isso há muito tempo, mas no Brasil ainda existe essa obrigação de a mulher ter que construir uma família. Eu não sinto essa obrigação. Ter filhos dá muito trabalho. Não é uma coisa óbvia para mim.”

''No Brasil ainda existe essa obrigação de a mulher ter que construir uma família. Não sinto essa obrigação. Ter filhos dá muito trabalho. Não é uma coisa óbvia para mim'' 

O sucesso com a personagem Laís pode ser sentido pelos olhares que atrai. “Outro dia estava na frente de um colégio e vi umas 25 pessoas me olhando e perguntando: ‘Será que é ela?’. Pensei: ‘Caraca, o que eu faço?’. Mas minha carona chegou e fui embora.” Luisa não sabe dirigir e, antes da novela, se locomovia a pé, de bicicleta ou de ônibus. Hoje, por falta de tempo e talvez por causa do assédio dos fãs, prefere pegar um táxi. “Mas daqui a pouco a novela acaba, as pessoas vão me esquecer e vou poder andar de ônibus de novo”, diz ela. Será?

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