Ensaio sobre a cegueira

Confira alguns micos de Cannes

“Vocês devem ser famosos”, disse um passante ajoelhado numa das ruas de Cannes... Confira esse e outros micos do maior festival de cinema do mundo

Dez dias antes do início do Festival de Cannes, no mês de maio, soubemos que Ensaio sobre a Cegueira, dirigido pelo meu sócio Fernando Meirelles, abriria o evento e também entraria na competição. Depois de uma polêmica sobre o filme ser ou não adequado para a abertura – e de sermos convidados e quase desconvidados –, finalmente estávamos lá. Começava então a contagem regressiva, e uma das coisas que me atormentavam era o figurino. Então, como num conto de fadas, apareceu na minha vida a estilista Isabela Capeto. Tipo fada madrinha, com vestido para o baile e tudo mais. Ela foi sensacional, me vestiu não só para a grande noite do tapete vermelho, mas também para os eventos importantes. Sucesso total, roupas lindas, acessórios incríveis, tudo pronto.

E, de dentro do limusine...

O filme foi exibido dia 14, dois dias depois da minha chegada à cidade e de um vôo de quase 20 horas entre aviões e aeroportos. “Que maravilha, hotel, banho e cama”, era o que eu pensava. Mas não foi bem assim. Fui chamada para uma reunião emergencial no escritório da Pathe, que distribuirá o filme na França e que organizou sua exibição em Cannes. O problema: muitos convidados, poucos convites. Tivemos que cortar a lista sem ofender ninguém ou privilegiar nenhum distribuidor internacional – o que pode ser um problema para o resto da vida de um produtor. Se um deles tivesse convite para a fileira C do lado esquerdo, o outro deveria ter para a fileira C do lado direito. Incrível como um simples lugar num cinema pode gerar tanto conflito. Cinco horas depois, tudo resolvido – e a torcida para não termos comido nenhuma bola.

Chega o grande dia e tudo começa pela manhã, com a foto oficial. Todos os filmes em competição passam por esse ritual muito louco. Saímos, elenco e equipe, rumo ao Palácio do Festival nos limusines oficiais. Nas ruas, dezenas de curiosos tentam ver as celebridades pelo vidro escuro dos carros. Muitos tiram fotos de qualquer um que esteja dentro desses veículos, na esperança de que seja alguém famoso. Alice Braga, que tem um humor incrível, abaixou o vidro do carro para um fã ajoelhado que implorava por uma foto e perguntou: “Você sabe quem somos nós?”. “Não, mas quero uma foto!” De fato, estávamos em um circo.

Na foto oficial, centenas de fotógrafos fazem as imagens que vão se espalhar por jornais, revistas e sites do mundo inteiro. É infernal, todos gritam ao mesmo tempo tentando conseguir o melhor close da Julianne Moore, do Gael García, do Danny Glover. Os reles mortais, como eu, são ignorados e a melhor coisa a fazer é se manter longe do caminho dos famosos. Mas é divertido olhar tudo aquilo de camarote.


Preparar, apontar e clic! Centenas de fotógrafos insanos pelos closes que vão se espalhar pelo mundo

Quando o salto se faz sentir
Depois da foto, a primeira coletiva de imprensa. Perguntas razoáveis, nem parecia que tomaríamos o pau que tomamos da crítica. Na verdade não foi só pau, a crítica ficou dividida. Muitos veículos importantes, como o inglês The Guardian, adoraram. Porém, não deixa de ser doído ler as críticas.

Voltando ao grande dia, o próximo desafio seria colocar as 70 pessoas da nossa comitiva dentro dos carros oficiais. Quem vai com quem? Quem sai primeiro? Devíamos todos estar no tapete vermelho às 19h em ponto. Antes da função, ainda passei num cabeleireiro para uma escova básica. Voltei correndo para o hotel e, vestido a postos, saltão e maquiagem, segui e fiquei despachando o povo nos carros. O percurso do hotel ao Palácio do Festival é de 5 minutos. Mas, como a multidão toma conta das ruas, leva uns 20. Nessa hora o coração está na boca e o saltão se faz sentir.

No fim, uma enxurrada de palmas por oito minutos compensou a saudade das filhas, os contratos, as noites de insônia. Uma experiência bacana e engraçada ao mesmo tempo. Bacana ver o reconhecimento do trabalho e engraçado como as pessoas se transformam quando vêem uma celebridade. Ficam desarranjadas.

Agora era ir para a festa que os distribuidores organizaram e tomar um prosecco com os amigos na Côte d’Azur. E, como festa boa é festa boa em qualquer lugar, até mesmo na fina França toda a mulherada voltou andando sem sapatos para o hotel. Ninguém mais agüentava os saltões. Descalças mas felizes.

P.S. O grande José Saramago, que escreveu o livro em que o filme é baseado e verdadeiro responsável por toda essa loucura, não pôde ir a Cannes por problemas de saúde. Três dias depois, o Meirelles apresentou o filme a ele em Lisboa. Vale conferir o resultado no YouTube!

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