Porcos transgênicos que não crescem

por Lygia da Veiga Pereira

Uma empresa criou porcos transgênicos que não crescem. Apesar de soar bizarro, isso não é muito diferente das várias raças de cachorros e gatos que vemos por aí

Eles são irresistíveis e despertam imediatamente nosso instinto materno. A cientista em mim precisa explicar que esse amor instantâneo por filhotes é uma característica genética selecionada ao longo dos milênios de evolução – aqueles indivíduos que tinham os genes certos para isso cuidavam melhor de suas crias, e assim essas vingavam e seguiam passando esses genes para frente. Já os filhos daqueles pais “desnaturados” acabavam morrendo antes de passar os genes “desnaturados” para frente, e aos poucos esses foram sumindo. E sobramos nós, que nos enternecemos até por um pitbull ou um porco na forma de filhote!

O problema é que crescem... Uma amiga querida caiu no conto da raça-de-porquinho-que-não-cresce e levou um fofíssimo para casa. Alguns meses depois, ele já estava maior do que seu cão labrador, havia perdido o carisma de filhote, e temo que um dia acabe contribuindo de corpo e alma para a feijoada de sábado.

Pois geneticistas chineses agora desenvolveram a “pílula do filhote eterno”! A empresa Beijing Genomic Institute criou porcos geneticamente modificados para não crescerem. Enquanto algumas raças de porcos chegam a pesar 100 quilos, essas belezinhas transgênicas param nos 15 quilinhos de fofura, e assim ficam para sempre.

Eles foram desenvolvidos para serem usados como modelos animais para pesquisas – a fisiologia e a genética (e às vezes o espírito...) dos porcos é muito mais similar a de seres humanos do que os tão utilizados camundongos, melhores amigos dos cientistas. Como fazer pesquisa em porcos é caríssimo, a empresa pretende usar mini-porquinhos e unir o melhor dos dois mundos: um modelo mais próximo ao ser humano, e com custo baixo de manutenção.

Porém, algum administrador não cientista da empresa teve a visão do potencial de renda dos tais porquinhos como animais de estimação. Assim, para fazer caixa, a BGI está comercializando seus porquinhos transgênicos, com a garantia de que não passarão daquele tamanho fofo!

Modificação genética nos animais por um motivo tão frívolo vale? Ora, vocês acham que as várias raças de cachorros e gatos existentes são muito diferentes? Foram todos resultados de intervenção humana, séculos ou décadas de seleção das características que nós humanos desejávamos, que acabaram fixadas nas diferentes raças puras: a fofura do York, a agressividade do pitbull, a inteligência caçadora do beagle, e por aí vai. Só que agora temos ferramentas mais sofisticadas para isso – a manipulação direta dos genes, e não precisamos de décadas de cruzamentos para selecionar a característica que nos interessa (contanto é claro que conheçamos os genes que a controla).

Enfim, apesar de bonitinhos, ter eternos-porquinhos-filhotes não me atrai. Por outro lado, cada vez que minha filha adolescente revira os olhos para mim, confesso que me pergunto sobre como a técnica se aplicaria a seres humanos... Afinal, tem filhote mais fofo do que um bebezinho? (pós-cólica e dormindo a noite toda!)

Lygia da Veiga Pereira trocou Ipanema pela Universidade de São Paulo. É professora Titular de Genética Humana, chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da USP e referência nacional em pesquisas com células tronco. Escreve às quintas na Tpm.

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