Documentário ”Parece Comigo” fala de ausência de bonecas negras no mercado brasileiro
Em 2014, pouco antes de receber o Oscar de melhor atriz coadjuvante por sua atuação no filme 12 anos de escravidão, Lupita Nyong'o falou no evento Black Women in Hollywood sobre a importância da representatividade negra para a autoestima de mulheres como ela. “Lembro do tempo em que me achava feia. Eu ligava a TV e só via peles claras", declarou. O documentário Parece Comigo, de Kelly Cristina Spinelli, lançado no último dia 18, explora a mesma temática abordando a falta de bonecas negras no mercado brasileiro e o impacto disso na vida das crianças.
O primeiro curta da diretora, A Festa de Joana, já permeava o universo da indústria de brinquedos. Durante suas pesquisas, ela viu uma mulher vendendo bonecas negras na Avenida Paulista, em São Paulo. Era Ana Fulô. A conversa entre a cineasta e bonequeira expôs a necessidade de fazer algo pela autoestima das meninas negras. Kelly soube: era preciso dar voz àquela mulher que tentava mudar o cenário enfrentando a gigante indústria de brinquedos com seu artesanato consciente.
A pesquisa começou e o que inicialmente era para ser um curta sobre a vida de Ana Fulô foi se ampliando. Os estudos guiaram a equipe para outras personagens e histórias que compunham o universo de representatividade negra na infância. Uma bonequeira levava a outra e o processo foi uma imersão no feminismo negro. O projeto venceu o 10º Edital de Roteiros Rucker Vieira da Fundação Joaquim Nabuco e conseguiu dinheiro, ainda que apertado, para o financiamento. Já podia ser filmado.
Uma questão, porém, inquietou a cineasta desde os primeiros momentos. Como ela, mulher branca, falaria de uma questão tão delicada e importante para as negras? Assim, Kelly contou com a consultoria da filósofa e militante Djamila Ribeiro e com a assistência de direção de Eugênio Britto, também negro. "Quando estávamos editando surgiram questionamentos importantes sobre as mensagens das cenas gravadas e eles ajudaram bastante. Era muito bom tê-los, porque eu me preocupava com diversas questões, podia perguntar sobre a forma como estávamos contando a história e tomar certos cuidados", explica Kelly.
LEIA TAMBÉM: A história de Adélia Sampaio, a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil
“As bonequeiras estão trabalhando com consciência política. Não estão só vendendo artesanato para ganhar dinheiro, fazem isso com vontade de mudar uma realidade”, explica a diretora. Além delas, o filme traz personagens como a rapper Preta Rara e a jovem Carolina Monteiro, que explicam a importância de meninas negras terem bonecas que sirvam como referencial de beleza e nobreza, como forma de se verem representadas nos espaços.
"Eu tenho umas bonecas negras e finjo que elas são minhas irmãs. Se elas fossem brancas, eu não ia conseguir. As crianças se vêem nas bonecas", diz Mc Soffia. A pequena rapper participa do documentário com sua avó, a bonequeira Lucia Makena.
Soffia e Carolina relatam, no filme, casos de racismo que sofreram de amigos no colégio. Em suas falas percebemos como as bonecas pretas contribuíram para autoestima das meninas e foram importantes para que elas soubessem lidar nessas situações.
“Meninas negras não brincam com bonecas pretas”, diz Preta Rara em sua música Falsa Abolição. Para Kelly, essa questão deve ser debatida nas escolas, para que a diversidade seja compreendida e respeitada. Durante o período em que o filme circulou em festivais, foi exibido para educadores, em escolas e universidades. Agora, optaram por disponibilizá-lo gratuitamente no youtube. "Ele tem uma função educativa, queríamos que as pessoas tivessem acesso fácil pra usarem como quiserem. Sem acessos, o filme não serviria pra nada", explica Kelly.
ASSISTA AO DOCUMENTÁRIO: