Blogueiras fitness e informação pouco malhada

por Mariana Perroni

Não somos máquinas e a Medicina não é uma ciência exata

Não somos máquinas e a Medicina não é uma ciência exata

 
Escrever textos para esse blog é uma das atitudes não-médicas (propriamente ditas) do meu cotidiano que mais me agradam. Entretanto, já faz algum tempo que tenho a impressão de que os assuntos sobre os quais escrevo estão ficando meio repetitivos. 
 
Ok, saúde é um assunto repetitivo? Talvez. As recomendações para o bem-estar não são física quântica e acabam se repetindo também (coma bem, durma bem, faça exercícios físicos... blablabla). Quando tudo dá certo, até o nosso coração coração bate, em média, 2,21 bilhões de vezes durante a vida. É um TUM-TÁ incontestavelmente repetitivo no nosso peito garantindo nossa existência.
 
Eu tiro minhas idéias para textos de conceitos absurdos que leitores e amigos me mostram sendo propagados aqui ou na mídia convencional, sem qualquer filtro. Quando penso nisso, percebo que talvez não seja a temática a coisa repetitiva aqui. Os erros das pessoas, quando o assunto é saúde, que se repetem na busca por um corpo aceitável para os padrões da sociedade ou bem-estar express. 
 
Na última semana, o que chegou a mim foi a polêmica das "blogueiras fitness" e suas dicas sobre "vida saudável" cheias de jabás e publiposts não identificados como tal, recomendando produtos e "fórmulas mágicas" para seus milhares de leitores.
 
Sinceramente, a menor das minhas preocupações é se a propaganda velada é algo contra a lei. Para mim, criminoso é recomendar qualquer coisa para um número incontável de pessoas quando isso tem o potencial de afetar diretamente a saúde delas. Especialmente quando não se tem formação alguma em saúde. Por alguns motivos:
 
1 - Não somos máquinas e a Medicina não é uma ciência exata. O que é bom para uma pessoa pode ser veneno para outras. Pense na insulina: fantástico pra um diabético... mortal para alguém com taxas de açúcar normais. 
 
2 - O que é "vida saudável"? Definitivamente não é medida por um corpo perfeito. Até ser saudável em excesso pode fazer mal, como um maluco constatou já, ao seguir todas as recomendações correntes.
 
Não sou nutróloga, nem endocrinologista. Muito menos professora de educação física. Mas sou intensivista. E é comigo, na UTI, que chega tudo o que dá de errado nessa história aí: as arritmias potencialmente fatais causadas por termogênicos, a necessidade de transplante de fígado por conta dos danos causados por um suplemento para substituir refeições, os abscessos causados por injeções suspeitas, dentre diversos outros exemplos.
 
Não quero promover caça às bruxas. Aliás, se isso ainda vigorasse hoje em dia, eu mesma provavelmente já teria sido queimada por não ser tão ortodoxa como o estereótipo da minha profissão prega. Inclusive, duvido que algum de vocês nunca tenha recorrido à auto-medicação ou indicado um "remedinho" ótimo para um amigo (ou ouvido a indicação de algum deles) sem saber se a saúde dele realmente permitia tomá-lo. Minha mãe mesma quase teve um treco depois que tomou um SANTO REMÉDIO, indicado por uma amiga, para a enxaqueca que a atormentava. Tão santo, que ela quase passou para o outro lado. 
 
Eu tinha um professor meio chucro (mas brilhante) que dizia que a internet é democrática que nem papel higiênico: aceita qualquer m*rda e, por isso, torna-se essencial ter fontes confiáveis onde buscar. Já que não dá para pedir que o governo inclua senso crítico e informação de qualidade em pílulas de algum medicamento do Farmácia Popular, vou me contentar em defender a necessidade de pesquisa em fontes adequadas de informação ou consultoria com especialistas antes de veicular informações com potencial de impactar diretamente na saúde de leitores mais influenciáveis.
 
Como já falei uma vez em outro texto e faço questão de repetir, enquanto as blogueiras não pararem de tratar temas de saúde com a mesma abordagem que usada para divulgar o lançamento da nova coleção do Jimmy Choo, não vão ser apenas as barrigas que se tornarão negativas: a repercussão e as consequências também.
 
* Mariana Perroni é médica clínica e intensivista. Atua em consultório e UTIs de São Paulo/SP

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