por Millos Kaiser
Trip #221

Claque: uma turma que é paga para dar risada – e para induzir você a fazer o mesmo

Trip passou um dia com uma turma que é paga para dar risada – e para induzir você a fazer o mesmo. Conheça os integrantes do auditório de A Praça é Nossa, uma das últimas claques de verdade da TV brasileira

“Bom dia, minhas pombas-rolas!”, era como Sineide Pereira saudava as senhoras que subiam – algumas com certa dificuldade – no ônibus que partiria da zona leste de São Paulo para o SBT. “Mas você tá a cara da riqueza, meu bem”, acrescentou a uma delas, para em seguida dar-lhe um tapinha no derrière. “Sua safada!”

Desde 1999, a pernambucana arretada, de 50 anos, é encarregada de selecionar e levar as pessoas que compõem o auditório de A praça é nossa. Ao lado do Zorra total, da Rede Globo, que não permitiu a entrada da Trip em seus estúdios, ele é o único programa da TV brasileira que ainda utiliza uma claque de verdade, isto é: as risadas e os aplausos que você escuta na transmissão foram gravadas ao vivo, não são uma trilha pré-gravada incluída na edição. “Nos outros programas você percebe na hora que as gargalhadas são sempre as mesmas, artificiais. Acho ridículo”, critica a expert.

São em média 40 pessoas (30 mulheres e 10 homens) em sua caravana. “O SBT não deixa eu levar menos de 37. Se alguém falta ou fica doente, dou um jeito de substituir na hora. Em 14 anos, nunca deixei de cumprir minha missão”, gaba-se. As mais desinibidas, de riso fácil, são convocadas toda semana. Com as “mais apagadinhas”, ela faz um rodízio. “Tenho mais de 500 pessoas cadastradas. Falo para todo mundo espalhar meu telefone. Sou garota de programa”, brinca. O difícil é agradar todo mundo. “Teve uma mulher que me esperou fora do ônibus com uma faca, porque eu disse que não ia poder levar ela. Desci e falei: ‘Vem cortar o meu bucho que eu quero ver!?’ Mas essas pessoas não me atingem, são apenas pedras que eu tiro do caminho.”

As idades flutuam entre 18 e 87 anos. Senhoras são maioria; senhores eram coisa rara, mas são cada vez mais frequentes. “Teve um que me deu um problemão: engasgou com a dentadura, acredita?!”. Teresinha Augusto, 74 anos, é a integrante mais animada da trupe, e também uma das mais antigas: segue Sineide neste e em outros programas desde que ela virou caravaneira. “Vim parar aqui porque minha risada é famosa. Meu pai até batia na minha boca de tanto que eu gostava de rir”, rememora, arrematando, claro, com uma gargalhada, aguda como a de uma criança. Quando vê o fotógrafo que acompanhou a reportagem, puxa palmas e entoa Michel Teló: “Delícia, delícia, assim você me mata”.

Sentada ao seu lado está Amely Costa, 78 anos, também proprietária de uma senhora risada. “Não deixam nem a gente sentar perto na gravação”, lamenta. Fã dos quadros de Paulinho Gogó e da Turma do Rapadura, ela conta que, se for preciso, desmarca até o médico para contribuir com a claque. “Rir, para mim, é o melhor remédio. Eu vivia depressiva em casa, sozinha. A Sineide mudou minha vida”, revela. “E ainda ganhamos um dinheirinho bom. Pago a conta de água e faço a feira com ele.”

Amely, Teresinha e demais membros da “família”, como Sineide gosta de chamar, recebem R$ 20 por dia da emissora, além de dois lanches (um na entrada, outro na saída) com refrigerante, sanduíche e bombom. “Parece pouco, mas tem muita gente aqui que passa a semana com esse dinheiro. Às vezes, trago três pessoas da mesma família para ajudar. Uns usam para carregar o bilhete único e ir atrás de emprego, outros vão direto para o supermercado”, diz. “Eu não como mais salsicha, né?! Mas eles vão lá e compram salsicha, arroz, feijão...”

Sineide era dona de salão de beleza até “ganhar” uma caravana de um cliente que trabalhava no ramo, quando ela disse que não tinha dinheiro para fazer os óculos de uma das três filhas. “Meu marido, que hoje graças a Deus é ex-marido, não queria nem saber.” Não é contratada do SBT, mas recebe R$ 250 por dia de trabalho. As gravações são semanais, geralmente às terças-feiras. Ela realiza ainda caravanas para outros programas, como Domingo maior, CQC e Pânico (“nesse só vai moleque, todos doidos para ver a bunda das panicats”), organiza excursões para cidades históricas e hotéis-fazenda e revende produtos de cama, mesa e banho. Por mês, estima, tira pelo menos R$ 3 mil. “Hoje tenho apartamento próprio, carro e casa de veraneio. E ainda paguei curso para todas as minhas filhas. Disse pra elas: ‘Eu dou um caminho. Você faz dele um infinito.’”

Jiló e quiabo

O ônibus, cedido pela emissora, sai do Itaim Paulista às 11h30. Depois faz mais duas paradas para buscar outros caravanistas e um pit-stop em um posto de gasolina, próximo ao estúdios do SBT, na Anhanguera. É quando todos sacam suas marmitas da bolsa e forram o estômago para aguentar as quase seis horas de gravação. Querida por todo mundo, Sineide nem precisa levar almoço: ganha de presente um Tupperware “com arroz, mistura, jiló e quiabo”.

Na TV, antes do luminoso “On Air” do estúdio 3 acender, Roque, o fiel escudeiro de Silvio Santos há 54 anos, faz as honras da casa.

Os donos das melhores risadas (leia-se: nem muito alta, nem muito baixa) são colocados nas filas da frente; os que riem de forma mais exaltada ficam no fundão

“Quem inventou esse negócio de claque”, jura, “fui eu”. “Nos tempos da rádio, quando vinha gente desconhecida para cantar, eu arranjava 20 fãs histéricas em um minuto. Ou quando era enterro de gente famosa e sem amigos eu descolava um monte de gente para chorar.” As risadas de hoje não são boas como as de outrora, na sua opinião. Ele tenta explicar: “Eu arranjei um cara que ria assim: ihhhhh hahaha! Parecia um avião decolando. Outro era assim: há! Só isso, bem grave. Hoje todo mundo ri igual. Aliás, vou falar sobre isso com o Carlos Alberto de Nóbrega [apresentador de A praça].”

Pouco antes das 15 horas, a caravana de Sineide faz fila indiana para entrar no estúdio. Os outros quarenta assentos serão ocupados por outra caravana, a de dona Isa, que não quis revelar o sobrenome nem posar para fotos. Os donos das melhores risadas (leia-se: nem muito alta, nem muito baixa) são colocados nas filas da frente; os que riem de forma mais exaltada ficam no fundão. Três microfones pendendo do teto registram tudo.

Quem faz a mágica acontecer é a assistente de palco Carla Liberal. Com o roteiro nas mãos, já com as piadas marcadas, e de olho no monitor, ela fica em frente à plateia pedindo risadas ou aplausos. É instantâneo: ela levanta um braço e as 80 pessoas (menos uma, que estava adormecida) explodem em gargalhadas; levanta o outro e parece que o volume dobra; abaixa os dois e não se ouve mais nem um pio. “Acho incrível a capacidade que essas velhinhas têm, pois eu mesma não consigo rir se me pedirem. Elas riem mesmo quando não entendem a piada”, diz Carla, que costuma ganhar presentes e doces caseiros das integrantes de sua “orquestra do riso”.

Nos intervalos, alguns caravanistas pedem para tirar fotos com os atores. Os poucos rapazes presentes preferem assediar a atriz Fabiana, mulher de Alexandre Frota, provavelmente atraídos pela comissão de frente – e de trás também – artificialmente avantajada da moça. Enquanto isso, Sineide fica na sua. “Quando comecei no ramo, gastava tudo que ganhava em filme de Polaroid. Tirei foto com todo mundo. Hoje em dia não. Sei que os famosos são pessoas normais, que nem eu”, diz. A caravaneira já desfrutou de seus 15 minutos de fama, fazendo pontas na Praça. “Já me chamaram para ser mãe de mafioso, sogra... Já fui sapatão também. Adorei! Fiquei idêntica.”

fechar