As referências de Edi Rock
O MC do Racionais lança Origens, segundo álbum solo, em que revisa a própria história. O rapper conversou com exclusividade com a Trip
Em uma cena pouco usual, Edi Rock senta diante de um piano e arranha uma melodia alheio ao barulho que o cerca. Todo de preto, como faz questão de cantar em “Negro Drama”, o MC dos Racionais está com sua equipe organizando os preparativos para o lançamento de seu segundo disco solo, Origens, que traz, em 14 faixas, parcerias inusitadas e um rapper que aos 48 anos, 30 de carreira, ainda tem brilho nos olhos e a busca pelo novo.
O MC busca o encontro — em muitas vezes o choque — entre gerações e ritmos. O disco tem batidas de trap, rap romântico, referências de grunge, blues, reggae, ragga e até uma canção sertaneja bem pop, que poderia facilmente estar na programação de rádios mais comerciais do gênero.
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Depois do disco de estreia, Contra nós ninguém será, um álbum de 23 músicas lançado em 2013, Edi Rock foi mais conciso, mas não menos democrático. Origens tem participação de Xande de Pilares, Rael, Alexandre Carlo, Hodari, Pyroman, Lauana Prado, Bivolt, MC Pedrinho, Haikaiss, Jan, Simone Brown e Neew, Cocão, uma lista grande, vozes que ele traz para o trabalho por sentir que seu tom grave pode “enjoar”. “A minha voz o tempo todo me enjoa e essa outra voz dá um equilíbrio e as pessoas cantam, no mínimo, um refrão”, ele conta na entrevista exclusiva abaixo.
Trip. Como nasceu este álbum?
Edi Rock. Eu tinha o plano de fazer o segundo disco solo, mas ainda estava na gravadora anterior. Teve um trâmite de passar da outra gravadora para a Som Livre. Eu fiquei um ano resolvendo a transição e dei continuidade no trampo. E ele começou com a música “De onde eu venho”, que veio em primeira mão com o DJ Kalfani, filho do KL Jay. A base veio pronta, era dele e do MC Pedrinho, e já tava com o refrão.
“Sempre tenho essa ideia de lançar novos talentos ou misturar a velha escola com a nova para o passado continuar”
Edi Rock, rapper
E quando chegou esse som pra você? Faz uns dois anos e meio, eu tô chutando, mas é mais ou menos isso aí. Já tinha também esse autotune e já estava pronta. Eu guardei a ideia, o lance do trap, música nova, moleque novo. Na época, ele tinha uns 16 anos, ou 15. Eu sempre tenho essa ideia de lançar novos talentos ou misturar a velha escola com a nova para o passado continuar sempre no presente e juntar. O rap hoje faz de uma outra forma e eu gosto, eu sei fazer, então eu gosto de fazer essa mistura da mensagem com o entretenimento, com o atual. Eu envolvi ainda o DJ Cuca.
O DJ Cuca que fazia as montagens da Equipe Dinamite nos anos 1980? É, o DJ Cuca. Tem muita música minha com ele. Nesse som ele deu uma timbragem, engordou a música. A “That’s My Way” também é dele.
Esse disco tem muitas parcerias e vários ritmos. Isso é uma forma de dialogar com o título do álbum, Origens? São as minhas origens, as minhas influências e referências, tá tudo envolvido. Como eu era DJ e venho dessa linhagem de baile, então tenho isso no sangue, de fazer a pista dançar. E você não faz a pista dançar com uma coisa só igual é hoje, que você vai em baile de rap e só toca rap, você vai em baile de funk e só toca funk. No meu tempo tinha seleções. Eu não gosto de me limitar a uma vertente só, acho que dentro do mesmo gênero dá pra aproveitar as origens e colocar isso dentro do rap. Você pode fazer o que você quiser com o rap, a música eletrônica dá pra fazer o que quiser.
O disco anterior, Contra nós ninguém será, tinha 23 músicas. Como você chegou a essas 14 e qual foi a dificuldade de enxugar esse repertório? Tem várias músicas já prontas para o próximo disco. O que forçou, ou ajudou, foi o tempo que eu tinha pra colocar o disco na rua. Se deixar o artista ficar produzindo, ele vai ficar cinco anos fazendo um disco, igual o Racionais. O tempo que deixar fica. Aquele lá foi o primeiro trampo, tem várias ideias, vem música de tudo quanto é lado e a gente vai somando.
“Como eu era DJ e venho dessa linhagem de baile, tenho isso no sangue, de fazer a pista dançar”
Edi Rock, rapper
A impressão que eu tenho com aquele disco é que você queria mostrar muita coisa. Eu tive a oportunidade e foi rolando. Aí você deixa o rio seguir o rumo dele. Neste caso ficou música de fora e eu vou deixar para o próximo trampo. Já tem coisa pra vir por aí.
Das 14 faixas, tem 13 participações. Qual a importância de trazer essas pessoas? Tá tudo nesse contexto das origens, das raízes, das referências e influências. Por isso tem sertanejo, rock, reggae, ragga. São influências do que eu ouço no dia a dia.
O que você escuta no seu carro quando tá dirigindo? Tudo. Eu ouço rap, samba. Ouço a [Rádio] Transcontinental, 105 FM, aí toca uma música que eu não gosto e eu mudo pra Alpha FM, pulo pra Antena 1, aí vou pra Nova Brasil FM. Isso eu levo pra minha música, eu gosto de mixar.
Tem algumas parcerias que vão gerar buxixo, uma delas é o sertanejo “O que você vai fazer?” com a cantora Lauana
Prado. Qual a importância de você ter uma canção como essa no seu disco? Então, gosto de fazer o que não foi feito ainda. Eu vejo uma coisa que não foi feita e eu quero fazer, justamente com coisas que gosto. Ninguém imagina que eu ouço um Raça Negra, por exemplo. Ninguém imagina que eu ouço um forró, um brega. Isso tudo é herança de família. Os meus pais são nordestinos. Eu chamo a parceria pra minha música não ficar enjoativa. A minha voz o tempo todo me enjoa e essa outra voz dá um equilíbrio e as pessoas cantam, no mínimo, um refrão.
Tem música que você canta menos, inclusive, né? A minha música é muito pesada, muito grave. Eu acho legal quando tem esse lance da voz média e aguda no refrão ou nos versos de um participante. Aí quando entra a minha parte dá um peso maior. Misturando com o samba e com outros gêneros.
“Ninguém imagina que eu ouço um forró, um brega. Isso tudo é herança de família. Os meus pais são nordestinos”
Edi Rock, rapper
E por que gravar um sertanejo? É uma influência do meu pai. Eu lembro dele acordando pra trabalhar ouvindo o Zé Bettio, ele deixava o rádio ligado e só tocava brega, forró, música sertaneja. Isso 4h e pouco, 5h da manhã. Nessa época, a gente morava num cômodo e cozinha e eu dormia na sala, ele ligava o som pra não perder a hora de sair pro trabalho. E ele tem esse lado do campo, do interior. Ele é baiano, mas é do interior da Bahia. Não é da metrópole e ele curte muito essa sofrência.
De que cidade ele é? Barro Alto, fica a 400 quilômetros de Salvador.
E sua mãe? Ela é de Recife, já é da bagunça. Metrópole. Ela tem esse lado festeiro, do samba, do frevo, do Carnaval. Ela gosta muito de samba. Eu trouxe essas duas influências para o disco.
E como você chegou ao nome da Lauana Prado? Eu ouvia Marília Mendonça e a voz dela é foda. A voz feminina, esse lance da sofrência, da traição, que é um bagulho corriqueiro, genérico até, que acontece muito. Fala do amor, da tristeza, do sonho, da pessoa que quer ser feliz com o companheiro, mas não pode estar junto. Eu juntei com os produtores do Toca, aqui onde a gente tá, e a ideia inicial era uma voz feminina do sertanejo. Montamos um time de compositores bom pra caralho, que tem compositor do rap, do samba e da MPB. A gente foi trilhando os caminhos até chegar na Lauana. Batemos numa porta e não deu certo, batemos em outra e não foi possível. Os convites eram aceitos, mas agenda, gravadora, burocracia. Eu tinha tudo certo com a Marília Mendonça, mas começou a ter muita burocracia e por conta do prazo a gente tem que mudar o plano. Eu acredito muito nessa fita de deixar a energia rolar, deixar o rio. A Lauana apareceu, aceitou de pronto e no dia seguinte ao convite ela estava gravando. Era pra ser ela. É uma menina jovem, novos talentos, é boa, talentosa e tem a força jovem. É o que eu quero, juntar o passado com o presente.
“Eu ouvia Marília Mendonça e a voz dela é foda. A voz feminina, esse lance da sofrência, da traição, acontece muito”
Edi Rock, rapper
Tem outro som, “Upperhand”, que é bem numa pegada Nashville, qual a história desse som? Um som meio Rota 66, aqueles lados secos de Las Vegas, né? O cara que participa é norueguês e nessas minhas idas e vindas da Bahia, que eu passo lá as férias no fim do ano, eu o conheci. Ele tem uma pousada lá, me hospedei uma vez e fiquei sabendo que ele era músico. Ele é gringo mesmo, fala ainda arrastado. A gente virou amigo e, na segunda vez que me hospedei lá, a gente fez essa música, que é uma versão da original. O nome dele é Jan e a banda se chama Jan Sessions. É um som meio sombrio, ele tem essa inspiração Pearl Jam, Nirvana. Eu escolhi esse som porque lembra muito blues e muito lamento.
Tem uma outra parceria que dentro do rap também pode gerar polêmicas que é “Fechamento”, feita com o Haikaiss. Como você vê isso? Eu não sei das polêmicas deles, o rap é campeão em polêmicas. É mais uma música que eu fui presenteado. Eles fizeram a produção e saiu esse som romântico, eu acho que é o momento. Eu acredito no que vem, no que tá dando certo, no curso natural das coisas. Veio a música romântica e a gente fala do que acontece.
Tem alguém que você queira muito gravar uma parceria? Tem muita coisa pra acontecer ainda, mas eu não gosto de adiantar, porque sempre que eu adianto não dá certo. Mas tem coisa boa por vir e com ícones da MPB, gente de quem sou fã.
O disco abre e fecha com participação do Hodari e surpreendentemente ele não canta, mas toca guitarra com seu jeito, que é bem peculiar. Como rolou essa parceria? Ele é autodidata e não lê partitura, aprendeu a tocar e é multi-instrumentista. Sabe aqueles caras de Nova York, do centro, que tocam bateria com a perna, violão, gaita, chimbal, tudo ao mesmo tempo?
Tipo uma monobanda? Isso, ele é assim. A ideia partiu das amizades da equipe e ele me foi apresentado. Eu fui ver o que ele fazia e marquei um dia no estúdio, dei a referência e foi. Eu não produzo mais, mas eu dirijo. Ele tocou o que era pra ser tocado. A que ele fecha é meio pro lado Jay-Z e Linkin Park e a abertura é um trap com uns arranjos, uns inserts da guitarra dele. O final é ele, ele sai tocando meio Velozes e furiosos. E ele canta também, nesse disco não deu, mas a gente vai fazer uma pra ele cantar. Ele é muito foda.
“Eu sou Racionais, mas não sou o Racionais”
Edi Rock, rapper
E você já tá pensando na próxima? Eu tenho muita, muita, coisa pra fazer no futuro. Eu tô numa época criativa, de fazer muita música, de acumular bastante coisa. A gente nunca tá satisfeito. Eu já tô vendo daqui a luz no final do túnel, até lá tem muito chão. Eu não vou me aposentar, mas eu sonhava com o que sou hoje. Acho que a gente tem que fazer planos, eu penso na aposentadoria. Como eu vou fazer essa aposentadoria, como vai ser quando eu parar? O que eu vou ter quando eu parar?
O que você vai deixar, né? É, o que vou deixar quando eu parar? Eu vejo isso. Ninguém sabe se vai durar mais 10, 20 ou 30 anos, mas, se durar mais 30 anos, que bom. E agora que a gente se aposenta com 60 e tantos anos eu tô pensando na aposentadoria.
Como você concilia a agenda do Racionais com sua carreira solo? Eu faço com o maior prazer, fico sem dormir se for necessário, e a gente fica mesmo. Eu sonhava em viver de música, em ser um músico reconhecido, sonhava em dar autógrafo, tirar foto, ter fãs, tá ligado? E hoje eu tenho isso dobrado, eu só tenho a agradecer. Por que vou reclamar? Sou o cara mais feliz do mundo, faço isso com o maior prazer do mundo.
É interessante ouvir isso, porque muitas vezes a fama acaba virando um fardo. Não é fácil você administrar, mas é um fardo bom. A gente tenta não ser repetitivo, se reinventar e o Racionais tem essa característica. Eu sou Racionais, mas não sou o Racionais.
Tem um peso maior por ser do Racionais? Tem uma responsabilidade maior por ser do Racionais, uma cobrança maior. Tem que ser natural, não dá pra encanar com isso. A gente já se cobra, faz autocrítica, sabemos da responsa. Tem que ser natural, a música tem que ser natural. Eu durmo no universo do meu trabalho e acordo no universo do meu trabalho, até quando estou no lazer eu sou a mesma pessoa, o Edi Rock, o mesmo do palco. Às vezes eu tô de folga, paro pra trocar ideia com os caras e fico falando sobre o que falo nas músicas. Às vezes eu me pego sendo psicólogo na rua. Muita gente pede conselho e eu acredito muito nisso, na energia. Se veio pra mim é porque tem que ser dito. A molecada ouve. É a minha missão.
“Às vezes eu me pego sendo psicólogo na rua. Muita gente pede conselho e eu acredito muito nisso, na energia”
Edi Rock, rapper
Muita gente deve se aproximar com intimidade, porque muitas letras que você canta dialogam com uma grande parcela da população. Acontece isso? É bem por aí. Eu falo de experiências próprias e do convívio de pessoas ao meu redor. Eu faço um baião de dois, um misturadão. As pessoas se identificam com isso, porque são histórias comuns do brasileiro, do povo. A gente começou como contracultura e hoje o rap é pop.
O que mudou na música nesses 30 anos de carreira? A música deu uma banalizada. Com o digital, melhorou bastante, a informação chega muito mais rápido, mas vem muito lixo junto. São poucos que se destacam.
E você, o que mudou nesses 30 anos? Eu acho que fiquei mais experiente, só isso. A mente continua com a mesma vontade. Minha cabeça tá criativa, tá nova. 30 anos de carreira eu acho pouco, tem gente aí que tem 40, 50, é só olhar ao redor a história dos artistas brasileiros. Eu conheci o Bezerra da Silva, a gente fez show com ele e ele tava lá firme e forte. Ele é só um exemplo. Eu quero cantar por amor, por prazer e não por necessidade, por isso que eu falo pra você que tô vendo lá na frente. A gente não faz isso, só aproveitamos o momento e o futuro é o momento.
Créditos
Imagem principal: Yago Gonçalves/Divulgação