As Malvinas são assim

por Lino Bocchini

30 anos após o começo da guerra, o que interessa mesmo no arquipélago são albatrozes e pinguins

Observar pinguins rockhopper (que têm um quê de drag queen) e albatrozes são o que de melhor há para se fazer nas Ilhas Malvinas. Bom, comer um fish & chips no Global Tavern, único pub do arquipélago, também é um programa muito bom, já que ali provavelmente é servido o melhor peixe empanado com fritas (prato nacional britânico) do lado de cá do Atlântico.

Passaram-se 30 anos do começo da guerra e os 3 mil habitantes do arquipélago (os chamados kelpers) continuam sendo abordados diariamente por turistas e repórteres de todo mundo sobre o único grande evento da Ilha desde 1833. Há 179 anos, após passar pela mão de espanhóis, holandeses e franceses, os ingleses tomaram a ilha de vez. Só a perderam por menos de um mês, durante a Guerra das Malvinas. O conflito durou pouco mais do que o tempo que a esquadra inglesa enviada por Margaret Thatcher levou para chegar até as ilhas. Hoje, caminhando pelas ruas da capital Stanley ou pelas áreas mais remotas (perfeitas para birdwatching), a impressão é que aquilo está mais pra Falklands mesmo (nome inglês da localidade). Conversei com famílias britânicas que estão ali há seis gerações. Todos falam inglês (e tem cara de ingleses), há cabines telefônicas vermelhas e uma igreja anglicana, adornada com ossos de baleia. 

E, por toda parte, você esbarra em resquícios do conflito que causou a morte de 907 pessoas (649 soldados argentinos, 255 britânicos e 3 civis das ilhas): nos jardins é comum o uso de vértebras de baleias e artefatos desativados de guerra para enfeitá-los. Há navios e helicópteros torpedeados ainda por ali, e peças de artilharia abandonadas. Há também um campo minado não totalmente limpo em uma praia belíssima, conhecida pelo adequado nome de “proibida”.

Nos jardins é comum o uso de vértebras de baleias e artefatos desativados de guerra para enfeitá-los

Na Argentina, o debate sobre a soberania das ilhas costuma variar de acordo com a popularidade do presidente. Se está baixa, o mandatário fala grosso com a Inglaterra, na esperança de ganhar moral com a população graças ao nacionalismo. O aeroporto do Ushuaia chama-se Aeroporto Internacional Malvinas Argentinas, e por toda província se vêem pichações e adesivos com os mesmos dizeres. Enfim, se a guerra teve alguma “utilidade”, foi acelerar o final da ditadura: o ditador Leopoldo Galtieri, já combalido, teve a ideia de jerico de invadir o arquipélago, crente que iria ganhar sobrevida. Com a derrota e a morte sem sentido de centenas de jovens argentinos, o efeito foi inverso, e o regime militar acabou pouco depois. Hoje as declarações são bem mais tranquilas. “Existem somente 16 colônias em todo mundo, e 10 delas são ingleses. Os britânicos querem manter um território que fica a mais de 14 mil quilômetros de distância (a costa argentina fica a 480, ou 3 dias de navio)”, discursou ontem a presidente Cristina Kirchner.

O pano de fundo para a tensão que ainda persiste é econômico. A pesca rende um belo dinheiro, o turismo aumenta ano a ano e, mais que isso, as Malvinas/Falkland têm uma reserva de 8,3 bilhões de barris de petróleo no fundo do mar, ainda inexplorados. E seria ótimo que continuasse assim, para que ficasse preservada a verdadeira riqueza local: o fato de ser um santuário ecológico lotado de pinguins, albatrozes e mais centenas de espécies marinhas e de aves. 

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