por Gaía Passarelli

”RIP Cuba,” dizem uns. ”A esperança vai voltar,” dizem outros. Não é nem oito nem oitenta. Esse 2016 já é histórico para a ilha, mas o que as mudanças trarão é incerto

"Vai pra Cuba!" gritaram.

E não é que um monte de gente foi mesmo? Incluindo o Papa Francisco, Obama, Rolling Stone, o clã Kardashian, a Gisele, a National Geographic (num especial para o Snapchat) e os turistas a bordo do Adonia, o primeiro navio cruzeiro norte-americano a aportar em Havana em meio século.

Estive em Cuba em 2009. Primeiro, numa base militar na costa oeste da ilha, transformada em hotel para mergulhadores. O luxuoso cardápio de jantar na beira da praia caribenha: peixe pescado no dia e mantimentos enlatados. Depois, fiquei numa casa familiar em Havana, daquelas com fachadas destruídas que a gente vê em fotos.

A Cuba que vi foi a Cuba dos “paladares" servindo "o que tem pra hoje”, casas simples e impecavelmente limpas, vendedores de charutos falsificados abordando turistas na rua e uma população (100% alfabetizada, mas que só pode ler o jornal e a revista oficial do estado) doida para conversar com alguém sobre o mundo.

Não que Cuba estivesse totalmente fechada para turistas depois da revolução, não. Embargo e dificuldades diplomáticas à parte, Cuba não deixou de travar relações comerciais com outros países (Espanha e China em especial) e recebendo turistas de várias partes do mundo. A ilha é, afinal, uma das jóias caribenhas, uma terra de sol, mar azul turquesa e frutos do mar abundantes. Ainda mais se você é turista rico e vai ficar isolado do mundo real num resort all inclusive construído e administrado por grupos internacionais e fechado para cubanos. Mais uma das disparidades do regime: cubanos não podem pisar em algumas partes das própria ilha, a não ser que estejam ali a trabalho. Por que se nem tudo é um pesadelo em Cuba, nem tudo é perfeito, também. 

"RIP Cuba,” dizem uns. "A esperança vai voltar," dizem outros. Não é nem oito nem oitenta, claro. Esse 2016 já é histórico para a ilha, mas o que as mudanças trarão é incerto. O futuro da ilha depende de como uma geração capaz, estudada e inteligente, a mesma geração que registrou essa descoberta histórica para a medicina essa semana, vai equilibrar o desejo de progresso material com os valores da revolução. E como vai impedir que a voraz indústria do turismo destrua a natureza biológica, histórica e cultural de Cuba.

Por que até agora eram esses os dois jeitos de visitar a ilha: ou você ia com dinheiro trocado na carteira e vivia como os cubanos durante uns dias, ou você ia com cartão de crédito e ficava num hotelzão em praias de mar azul claro e areias brancas sendo servida por garçons de uniforme impecável trazendo mojitos com guarda solzinho. A chegada dos navios norte-americanos como o Adonia mudam tudo. Mas o turismo, a história ensina, raramente é a melhor solução.

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Créditos

Imagem principal: Eric Ferrier, 2014

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