Trago comigo, novo filme de Tata Amaral

por Camila Eiroa

Comemorando 30 anos de carreira, a diretora lança longa e aborda, mais uma vez, o tema da tortura praticada na ditadura: ’Não podemos esquecer!’

Em seu mais novo filme, Trago comigo, lançado este mês, a cineasta Tata Amaral narra a trajetória de Telmo, um diretor de teatro ex-exilado político interpretado por Carlos Alberto Riccelli. Considerado terrorista e perseguido durante a ditadura militar, Telmo tem memórias muito remotas, mas busca lembrar exatamente tudo o que aconteceu com sua companheira, Lia, morta pelos militares. A trajetória se mescla com depoimentos reais de ex-guerrilheiros e familiares de vítimas da tortura os nomes dos torturadores são censurados.

Não é a primeira vez que Tata fala de ditadura em seus filmes. Em 2011, com Hoje, contou a história de Vera, interpretada por Denise Fraga, que recebe uma indenização pela morte de seu marido, decorrente da militância de ambos no regime militar. Embora Trago comigo tenha começado a ser escrito em 2009, quando foi exibido em parte como minissérie na TV Cultura, o lançamento calha com um momento delicado da política brasileira e a cineasta acredita que há uma grande importância em não deixar as sequelas do golpe de 1964 caírem em esquecimento: "Temos torturadores sendo homenageados, não podemos aceitar isso. Não conhecemos nossa história direito."

Neste ano a cineasta comemora 30 anos de carreira e 20 anos do lançamento de seu primeiro longa, Um céu de estrelas. Conhecida pela sua militância pelos direitos humanos, Tata Amaral foi considerada um dos nomes mais importantes do cinema nacional na década de 90. Com seu mais recente lançamento, ela ganhou o prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular no 10º Festival de Cinema-Latino Americano de São Paulo e Melhor Filme no Festival Internacional de Cine y Derechos Humanos de Sucre, na Bolívia. "Estou muito feliz com esse momento", diz.

Abaixo, a diretora fala à Tpm sobre a criação e o impacto que o filme traz hoje para a sociedade.

Tpm. Qual a importância de abordar, mais uma vez, a tortura e a ditadura em um filme seu? 
Tata Amaral Nós não temos direito à nossa própria história, o que ensinam na escola é muito limitado. A ditadura deixou marcas muito fortes, tanto a tortura quanto a prisão sem motivo explícito e legal, ou o desaparecimento, o sequestro e também os assassinatos. Amarildo está aí pra dizer que essa ainda é uma prática recorrente, mas velada. Nunca identificamos e nem julgamos os criminosos do passado. A questão de focar nesse tema é simplesmente por uma necessidade de justiça social. O Brasil nunca disse não para isso, tanto é que neste momento alguém deve estar sendo torturado em alguma cadeia ou sumindo em alguma rua.

“Amarildo está aí pra dizer que a tortura ainda é uma prática recorrente”
Tata Amaral

Tem uma cena de assalto em que o Jaime e o Miguel discordam, o personagem mais novo questiona se aquilo realmente é um ato revolucionário. Você acha que existe esse desencontro de informação entre as gerações?  A discussão que o filme traz está na sala de estar das mesas das famílias, mas sem informação, falam qualquer coisa. É como se a Europa não soubesse que o Hitler foi um assassino de milhões. E mais do que isso, que ele recebesse homenagens por ser alguém famoso, tivesse seu nome nas ruas. Afinal, é o que acontece aqui no Brasil. Qual é a mensagem que a sociedade dá? Que a tortura é premiada. Dizem que só vagabundos eram torturados. A única pessoa no Brasil reconhecida como torturador é Carlos Brilhante Ustra, que vive sendo homenageado. Esse homem morreu recebendo pensão, nunca foi investigado. E temos um silêncio enorme sobre tudo isso porque é uma questão de vontade política.

É como se não quisessem mexer no passado. Mas isso ainda traz consequências. Se pensarmos no processo do impeachment, nas UPP's, no que acontece na periferia de São Paulo. E a consequência é que ainda existe violência de Estado, muita. Hoje são os Amarildos. Aconteceu o mesmo com ele, foi chamado para depor sem nenhuma acusação e sumiu. Certamente foi torturado e depois morto. Não tem nenhuma diferença com o que acontecia na ditadura. A gente não decidiu, como sociedade, que não queremos mais essa prática. Então ela vai continuar se perpetuando.

Ação #TragoComigoUmaLembrança, feita na página do Facebook do filme. 

Você acha que com o atual cenário político se torna mais importante ainda resgatar as feridas da ditadura? Sim, é necessário. Eu gostaria muito que o filme chegasse ao público jovem. A juventude mobilizada já tem essa perspectiva de que a sociedade brasileira precisa mudar, de que existe uma liberdade em jogo e que a violência do Estado é praticada sem limites e sem punições. A gente vai ver isso piorar com as Olimpíadas e com o Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça. Queria que o filme colaborasse com uma compreensão do Brasil e, por ter uma história envolvente, pode comunicar com mais fluência a todas as gerações.

“Foi muito forte ver que muitas dessas pessoas estão vivas”
Tata Amaral

Por que mesclar a história de ficção com depoimentos reais? Eu não podia deixar de contar que aquela história existiu e que é verdadeira. Não é algo que aconteceu na Idade Média, sabe? Ou no Brasil Colonial. É contemporâneo, algumas dessas pessoas estão vivas. Outras morreram em decorrência. Quis trazer para a dramaturgia isso e o fato de que o nome dos torturadores não pode ser dito até hoje. Foi muito forte ver que muitas dessas pessoas estão vivas.

Foi uma escolha colocar a tarja e deixar nítida uma censura, em vez de cortar o nome dos torturadores? Foi. Se eu fizesse um corte, se eu não colocasse a cena, a força da tortura ficaria menor. Pela lei eu estaria cometendo perjuro em uma obra de ficção, já que essas pessoas nunca foram julgadas. Mas um dos nomes citados ali é o Ustra, por exemplo.

Você foi desencorajada de fazer esse longa? Bom, eu levei de 2009 a 2016 para lançar o Trago comigo, né? 'Pra quê vai falar desse negócio? Ninguém está interessado em saber', diziam. Fosse patrocinadores ou em editais. O principal argumento era de que não teria público. Mas eu não comecei pra não terminar. E é impressionante, toda essa demora deu mais relevância para o filme. É como se, infelizmente, tivesse vindo na hora certa, por todo o nosso cenário político. Não posso achar graça disso, mas tem sua importância.

Vai lá: facebook/tragocomigoofilme

Créditos

Imagem principal: Jacob Solitrenick

fechar