Tpm mergulhou no mundo cão do Whatsapp para revelar como o teretetê dos grupos de pais pode atrapalhar a vida escolar das crianças
Seis e meia da manhã e o celular de Joana apita 42 vezes. Não, não morreu ninguém. São apenas os pais e as mães do grupo de WhatsApp da classe do filho dando “bom dia” aos demais. E quem dera o excesso de mensagens fosse a única questão do grupo de pais de crianças do quarto ano de uma tradicional escola particular de São Paulo. “Era pra ser um espaço para trocas práticas, mas o que se vê ali é apenas machismo, barraco e constrangimento”, diz. Piadinhas políticas e complô contra professores são as coisas que mais a incomodam. Ao final da entrevista, Joana passa o contato da amiga Alice e garante: “A história dela é bem pior”. No que se refere aos grupos de WhatsApp e Facebook de pais de escolas da classe média-alta brasileiras parece que há sempre uma história pior. Os pais da classe da filha de Alice resolveram fazer uma divisão, há um grupo para mães e outro para pais, sendo ambos vetado ao sexo oposto. Resultado? “Mães falando de lanche e lição e pais falando de churrasco e putaria. É medieval”, vocifera.
Numa escola construtivista da zona oeste de São Paulo, onde Alessandra colocou os filhos, o problema do grupo de pais é o que ela chama de marketing da maternidade. “A quantidade de fotos em passeio é tão grande que faz com que as dicas se transformem em exibicionismo e marketing pessoal da boa mãe”, avalia. Mas problema mesmo ela tem no outro grupo, o da classe do filho mais velho. Ali, os desentendimentos dos alunos em sala migraram para o smartphone dos pais, que depois de um destempero de uma das mães viveram uma guerra virtual. “Começaram a ter pequenos furtos na sala e uma mãe entrou no grupo acusando alunos e tirando satisfação com os pais. Foi muito desagradável e só conseguimos contornar a situação com um encontro ao vivo com todos os pais. O interessante foi que olhando no olho, ninguém teve coragem de se acusar, mas no WhatsApp a coisa foi pesada”, conta.
LEIA TAMBÉM: Grupo de mães do Chile promove o cultivo doméstico de maconha para tratar doenças dos filhos, como a epilepsia
E daí você pergunta: por que essas pessoas simplesmente não saem desses grupos? Ana, que tem a filha numa escola de classe média da capital paulista, responde: “Meu sonho era sair deste grupo... mas eu não tenho coragem!”. A sensação é que sair geraria mal-estar ou que perderiam alguma coisa importante que possa vir a aparecer. “A única vez que li todas as mensagens foi quando estourou o surto de H1N1. Como sou hipocondríaca fiquei pirando nos relatos.” A maioria justifica a permanência nos grupos com o argumento de que ali é possível ficar sabendo coisas que acontecem na escola que não chegariam pelas crianças ou outras vias que não… a fofoca virtual. A palavra pode constranger quem nunca se dedicou a analisar o assunto, mas quem está pensando a questão garante que os grupos em redes sociais viraram um lugar onde se disseminam notícias que não necessariamente deveriam, ou precisariam, circular. Leia-se mexerico, intriga e consequentemente difamação. E, sim, isso afeta a escola e o ensino.
Diz que me disse
Quando uma das mães relata que ficou sabendo pelo grupo de WhatsApp de um caso de bullying que acabou com uma das alunas em séria depressão e se automutilando com cortes a pergunta que deve ser feita é: e o que você tem a ver com isso? “Muitas vezes as informações que circulam nesses grupos só aumentam o estigma de crianças que já são estigmatizadas. É preciso cuidado. Esses grupos de pais têm se tornado, sim, uma ferramenta de fofoca”, garante Fernanda Flores, diretora pedagógica da Escola da Vila, em São Paulo. Recentemente Fernanda publicou um texto no blog da escola chamado Mães e pais: precisamos conversar sobre o WhatsApp. Republicado por mais de 20 colégios pelo Brasil o texto fala abertamente dos prejuízos que o mau uso dessa tecnologia tem gerado. Sem deixar de enumerar os aspectos positivos da ferramenta (integração, fortalecimento das relações e divulgação de ações comunitárias, por exemplo), em um trecho do texto ela diz: “Vivemos situações nas quais a escola é informada indiretamente sobre cenas do cotidiano distorcidas, parcialmente analisadas, com uma lupa sobre ações de crianças e/ou professores, nas quais, via de regra, há estigmatizações, prejulgamentos superficiais e, muitas vezes, deixando de lado o principal interessado em esclarecer qualquer ocorrido, a coitada da escola!”.
Se você faz parte de algum grupo de pais sabe que além das memes de teor político, orações religiosas, fotos com celebridades e venda de serviços e produtos o que aparece ali muitas vezes vem como um apontar de dedo para um professor, um funcionário ou para a escola de forma geral. Em um dos relatos ficamos sabendo que em uma escola de Brasília um pai reclamou do absurdo de ter uma lâmpada da sala queimada no grupo antes de comunicar a escola. Na sequência desta mensagem quase uma dezena de historietas com críticas à limpeza, ao cuidado com o espaço ou com as crianças pipocaram na tela dos celulares. Numa tradicional escola da zona sul paulistana, o fato de duas meninas estarem se beijando na hora da saída virou o grupo de Facebook de pais de cabeça pra baixo. Quando procuraram a escola, já estavam empoderados pelo ódio e pela homofobia. Se decepcionaram quando a queixa não teve eco na instituição que apenas a acolheu como mais um caso de alunos se beijando – o que naquela escola é proibido.
Se há cinco anos (quando o WhatsApp se espalhou pelo país) alguns pais ficavam na porta da escola conversando ou passavam a mão no telefone para repercutir algum causo ou ocorrido com um conhecido que tem os filhos na mesma instituição, hoje qualquer um está a apenas um ENVIAR de todos os outros pais e mães da classe. Acrescente aqui o agravante da palavra escrita, sem o contexto, sem o tom de voz, sem a força (muitas vezes constrangedora) do olho no olho. Depois de viverem diversos problemas relacionados a envio de mensagens e grupos virtuais a creche e escola Fundação Visconde de Cabo Frio, de Brasília, resolveu mandar um comunicado aos pais. De forma simpática e direta pediu parcimônia no uso dos grupos de WhatsApp. No texto a escola pede: “Faça uma reflexão: Qual o meu papel no grupo de WhatsApp na turma do meu filho? Por que eu estou aqui?”. E comenta: “É incrível como essa pequena ferramenta tem conseguido abalar e desconstruir a relação família-escola, tão essencial para o desenvolvimento das crianças”. E no fim sugere: “Não pergunte ao WhatsApp. Pergunte ao professor, escreva na agenda, participe das reuniões” e “evite confrontar versões dos fatos com os pais, comunique à escola sua angústia”. À Tpm, Francimeire Domingos, diretora pedagógica da instituição, ponderou: “Os grupos são positivos, principalmente em Brasília, onde muitos não têm família na cidade e precisam contar com a comunidade, mas passamos por situações ruins onde os pais substituíram o contato com a escola pela troca de mensagens entre eles. Tinha gente perguntando no grupo: ‘E a escola não faz nada?’. Mas ninguém veio até nós para contar o que estava acontecendo”, diz. Um dos casos relatados por ela é o de uma mãe que ao deixar o filho na escola encontrou um coleguinha de classe chorando na sala. “Ela mandou uma foto da cena para a mãe da criança sem nenhum contexto e isso gerou muito ruído”, diz. Que criança não chora na escola? Que pai ou mãe não se preocuparia ao receber uma imagem de seu filho aos prantos? Aí mora uma questão fundamental e que joga no colo da escola o problema dos grupos de WhatsApp: até onde os pais devem saber o que se passa na escola?
É problema da escola, sim!
Sob condição de anonimato, uma professora de um colégio de elite de São Paulo disse que os grupos de Facebook e WhatsApp têm deixado professores em uma situação delicada, já que como a escola não recebe as queixas de um jeito formal o “diz-que-me-disse” circula livremente sem que a instituição se posicione. “O que está acontecendo hoje é uma invasão do espaço escolar por parte dos pais. O excesso de monitoramento e as trocas informais de informação sobre o processo educacional e professores nos deixa numa posição frágil. Estamos sendo observados o tempo todo por pessoas que não são educadores, não são do meio e muitas vezes acham que superproteção é bom”, diz.
Fernanda Flores concorda, ela diz que há situações desmedidas geradas por interpretações equivocadas que nascem nesses grupos e interferem na relação de aprendizagem, que é o coração da escola. “Instituições que dizem que essa não é uma questão importante estão fazendo vista grossa.” E pondera: “Quando os pais se falam para checar se algo que a criança falou é verdade, quebram a relação de confiança com seus filhos. Quando entram no grupo para tirar dúvida sobre a lição, tiram a responsabilidade do aluno, que não é apenas fazer o que o professor pede, mas lembrar ou até ir, ele mesmo, atrás de tirar a dúvida”. Parece coisa pequena perguntar no grupo se a prova de amanhã é de matemática ou inglês para ajudar o filho que está confuso a se organizar, mas é este ponto que mais incomoda as escolas. “Interferir nas tarefas é seríssimo”, diz Luciana Fevorini, diretora escolar do Colégio Equipe, em São Paulo. “Já tivemos pedidos para colocar as lições no site para facilitar. E isso seria muito simples do ponto de vista operacional, mas nossa questão não é a lição pronta, é lembrar, se responsabilizar, se organizar. Isso é parte fundamental do aprendizado”, completa. Luciana lembra ainda que monitoramento não é diálogo e que nenhuma tecnologia pode substituir a conversa. Por isso, para aqueles pais que resistem em sair do grupo porque ali ficam sabendo as coisas que o filho não conta, uma dica: “Quanto mais você se informar por outras vias, menos eles vão falar. E criar este canal de conversa é essencial”, diz Fernanda.
Para Karla Neves, professora da Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo, o que está faltando para os pais é educação digital. “Resolvermos fazer uma série de palestras e debates sobre como lidar com a comunicação virtual depois de observar questões nas trocas de e-mails, que em muitas séries inclui os professores. Os pais, como educadores primeiros, precisam trabalhar essas questões com os filhos. Da mesma forma que os ensinamos a dar bom dia, precisamos ensiná-los a se comunicar virtualmente e para isso precisamos nós mesmos saber lidar com essa forma de comunicação”, diz.
Mas vale lembrar que os grupos de pais em redes sociais em si não são o problema. A questão está no uso que algumas pessoas fazem da tecnologia. O melhor exemplo disso é a pesquisa de mestrado de Débora Souza, da PUC-SP. Ela implantou um grupo de WhatsApp entre pais e mães de algumas séries numa EMEF da Brasilândia, em São Paulo, para analisar a representatividade na escola. “A experiência foi incrivelmente positiva. O grupo agilizou ações que demorariam muito tempo para acontecer. Foi um impulso para o coletivo e para ações solidárias”, conta Luciana Szymanski, orientadora do mestrado e professora de psicologia da educação na PUC. A diferença do grupo de pais da Brasilândia para os das escolas de elite? Metas claras. “A ferramenta permite ótimas possibilidades de relações, mas é preciso ter os objetivos definidos e claros para todos.” #ficaadica