Não tinha teto, não tinha nada

Tpm

por Redação
Tpm #74

Enquanto ministros deitam e rolam sobre os cartões corporativos do governo, milhares de pessoas só têm uma alternativa: a rua

 
Alguns brasileiros podem tudo, outros nem moram. Numa sessão plenária do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência assisti ao lado mais vulnerável de um segmento já estigmatizado pela exclusão histórica do nosso país: a habitação. Nas minhas caminhadas pelo Brasil, esse assunto tem sido uma úlcera do cotidiano. Só na cidade de São Paulo, hoje vivem 1,5 milhão de pessoas em áreas invadidas. Essas ocupações irregulares,quando em áreas particulares, ficam obrigatoriamente alheias às benfeitorias da administração pública.

O que aconteceu na reunião foi a exposição de casos pontuais, que ajudam a compor o descabeçado quebra-cabeça da habitação. Uma mulher com olhos assustados e rosto enrugado puxava pela mão um menino marrom e cabeludo. Contou que morava “de favor” na casa de “não sei quem” que já havia exigido que saíssem. Sugeri que fossem para um albergue municipal. Enquanto isso, o menino marrom fazia carinho nos meus cabelos.Percebi que tinha síndrome de Down e a doçura e a inocência dessas pessoas. Pediu pra me beijar e, junto com a mãe, explicou que na última casa de assistência apanhou muito. Como alguém pode machucar uma criatura tão doce? Parece a Al-Qaeda, que usa a ingenuidade das mulheres com Down para fazê-las de bombas terroristas.

Uma outra senhora, que teve paralisia infantil e hoje sofre de síndrome pós-pólio, lamentou queestivesse há 30 anos esperando pelo apartamento em algum conjunto habitacional popular. Chegou a ser chamada, porém só para informá-la que não poderia obter o imóvel, pois provavelmente não viveria mais 25 anos para terminar de pagar as prestações. Outra, que teve sua casa destruída numa obra pública, ia para a rua com dois filhos deficientes.

O que mais me revoltou nos muitos relatos dramáticos é que, enquanto a alternativa de morada dessas pessoas é a rua, os servidores da presidência da República gastam com os cartões corporativos do governo, sem controle, sem regras e sem punições. Mais de R$ 58 milhões foram gastos no último ano em saques de dinheiro.

O de cima sobe, o de baixo desce

Com esse dinheiro conseguiríamos abrigar 14 mil famílias como essas. Enquanto isso, uns ministros embolsam verba de mudança, chegando a R$ 18 mil.Com esse valor compra-se um imóvel. Uma outra família foi parar na rua com o filho que tinha hidrocefalia e, numa das primeiras noites de sono sob a ponte, acordam e o menino havia sumido. Continua desaparecido, e, para suportar a dor, o pai começou a se embriagar. Do outro lado, num palácio distante, o presidente oferece, em jantares, garrafas de vinho Romanée-Conti, que podem custar de R$ 10 mil a R$ 30 mil.Verba pública, mais habitações! E aqui na Chácara Cocaia, onde o Real é mais real, o menino marrom morre de medo de apanhar de novo por não ter onde morar!
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