Longa produzido pela Mostra SP convida doze diretores para discutir a invisibilidade
O título de cara anuncia: o longa Mundo invisível, que estreia em 7 de junho, é (claro) sobre as coisas que ninguém vê. Para explorar os diferentes sentidos desse universo, o filme concebido pelo casal Leon Cakoff e Renata de Almeida reuniu 12 diretores para realizar onze curtas-metragens diferentes. “A gente admira muito todos os convidados [dentre eles, Laís Bodanzky e o alemão Wim Wenders], que são de diversas nacionalidades. Isso dá um recorte interessante”, comenta Renata, a mulher também à frente da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A conta parece complexa, mas o resultado é uma produção delicada e comovente. “Foi um desafio que a gente propôs. Num primeiro momento, pensei ‘ah vai todo mundo fazer algo de cunho social’. E, não, cada um teve uma visão. Isso que é rico”, pontua a idealizadora.
É como diz a menina Dandara, retratada em uma das produções (o delicado Ver ou não ver, do Wim Wenders): “Ver é quando você chega perto de uma coisa”. Simples e certeira, a definição da criança, que tem menos de 30% da visão e é assistida por um projeto da Santa Casa de São Paulo, resume bem o espírito das histórias. Isso porque chegar ao invisível exige, sobretudo, se aproximar do outro e superar o confortável ponto de vista do eu. “Não é que essas coisas [dos curtas] sejam invisíveis, é que o banal, o que você vê todo dia, se torna invisível”, explica Renata. “É um treino no olhar. A gente tem que ter o olhar fresco todos os dias, olhar as coisas como se estivesse vendo pela primeira vez.”
Nos curtas mais comoventes, a invisibilidade está a serviço de uma crítica dos costumes e do olhar engessado pela rotina. Por exemplo, em Céu inferior, de Theo Angelopoulos, a percepção sobre São Paulo é atravessada pelo discurso inflamado de um pastor evangélico na plataforma do metrô. Ele fala sobre a vida e a promessa do paraíso enquanto os cidadãos da metrópole parecem ignorá-lo e avançam (rumo à morte, a quê?) por escadas rolantes, se espraiam sobre o centro da cidade e conquistam as catracas da Sé.
Outro ponto alto é O ser transparente, de Laís Bodanzky. Nele, a diretora de As melhores coisas do mundo (2010) e Bicho de sete cabeças (2000) investiga, com depoimentos da atriz Cássia Kis Magro e da Monja Coen, a teoria do “ator invisível”, que considera a interpretação ideal aquela em que o ator se torna invisível aos olhos do público. “Fazer esse curta mostra uma reflexão que eu já venho investigando há algum tempo. O que é a busca da verdade, o que é a verdade, o que é a interpretação perfeita, onde está o ator, onde ele desaparece, quanto ele contribui, quanto ele tem que estar consciente daquele trabalho, como chegar nesse estado de interpretação”, comenta Laís.
Destaque também para Aventuras do homem invisível, de Maria de Medeiros, sobre um funcionário de um hotel de luxo absolutamente ignorado pelos clientes; e para as perturbadoras imagens de Kreuko, dirigido por Beto Brant e com atuações de Laura Neiva, José Wilker e Sônia Braga. O curta, um tanto hermético, dialoga com clássicos da literatura e, de acordo com a sinopse, é um “elogio à loucura”.
Último curta da série, Yerevan – o visível é sobre a história pessoal de Leon Cakoff, criador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e falecido em 2011. Rodado na capital da Armênia, onde a família de Cakoff nasceu, o filme discute a relação entre memória e história, além de abordar por que importantes acontecimentos podem ser invisíveis para o resto do mundo. Renata se emociona quando fala da produção, que considera uma homenagem póstuma ao marido: “O projeto [de Mundo Invisível] existe por causa do Leon, achei que seria bom terminar com ele [Yerevan]. É um filme que resume um pouco todos os outros, também. Há uma visão pelo cinema, pelo poder da imagem”. Poderoso, sem dúvidas, o filme é. Não custa prestar atenção.
Aqui, o trailer do longa:
Vai lá: Mundo invisível estreia nesta sexta-feira, 7 de junho, nas capitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Porto Alegre e Curitiba.