Ex-executiva da maior editora do país lança livro sobre a dor de ser demitida e o alívio de dar a volta por cima
Agosto de 2014. Claudia Giudice ocupava o cargo de Diretora Superintendente na Editora Abril, então líder do país em circulação de revistas, quando foi demitida em um dos cortes do processo de reestruturação da empresa. Na época, era responsável por 40 títulos. Na lista, estavam revistas como Claudia, Superinteressante, Contigo, Quatro Rodas, Viagem e Turismo, Elle, Bravo!, Casa Claudia, Playboy, Placar, Ana Maria, Minha Novela, Recreio e Mundo Estranho.
Foram 23 anos de casa, em uma trajetória que a levou ao mais alto escalão. “Fiz o curso de treinamento. Entrei como frila fixo. Fui contratada como repórter. Fui ainda editora assistente, editora, editora-chefe, diretora de redação e publisher. Escalei direitinho o expediente”, conta.
Em um primeiro momento, a demissão a desestabilizou. Não era só um bom salário e um cargo importante em uma renomada empresa. A carreira que construiu era grande parte de si mesma. Como qualquer outra longa e consistente relação, aquela tinha ajudado a formar a identidade de Claudia. Interrompê-la significava muito. “Não tinha urgência de arrumar outro emprego. Era a dor de perder algo que amava. A dor de ter sido rejeitada. Sofria porque, ao arrancarem meu crachá, arrancaram junto minha pele. Estava em carne viva.”
Hoje, aos 49 anos e um ano após o “dia D”, ela lança A Vida Sem Crachá, livro onde fala como passou pela demissão, se reinventou e transformou o sonho de pousada paradisíaca no litoral da Bahia em plano A.
"Era a dor de perder algo que amava. A dor de ter sido rejeitada. Sofria porque, ao arrancarem meu crachá, arrancaram junto minha pele"
Tpm. Qual foi a maior liberdade que a demissão te proporcionou?
Claudia. A demissão me ensinou muito. Ela me libertou da minha vaidade profissional. Ela me libertou de uma postura comportada e séria necessária a um cargo executivo. Ela me ensinou que eu era sim empreendedora e que poderia voar com minhas próprias asas. Tem um capítulo que fala disso: do medo de voar.
E se não tivesse sido demitida? Acho que estaria lá, trabalhando duro como sempre trabalhei. Continuaria empolgada e apaixonada , aos mesmo tempo, sofrendo muito com o encolhimento da empresa e com as várias restruturações. Eu tinha um prazo de validade pessoal que era me "aposentar" ao 55 anos, quando me mudaria de vez para a Bahia. O meu plano foi antecipado. A minha ampulheta se quebrou antes do que planejei. Hoje, quase um ano depois do dia D, não tenho qualquer sentimento ruim em relação à empresa. Ao contrário, sigo torcendo por eles e desejando que aquelas marcas voltem a crescer e a encontrar o sucesso delas. Afinal, passei lá 23 anos incríveis da minha vida.
Além de sua história, o livro traz saídas e reflexões pra quem está passando pela qe você passou. Sim. O livro é autoral na medida em que eu conto a minha história e minhas experiência de vida sem crachá. No entanto, procuro ampliar e tentar oferecer inspirações, propostas, planos e reflexões para pessoas que estejam passando pela mesma experiência: ter sido demitido, estar procurando um plano B, estar se preparando para mudar de vida, estar em vias de se aposentar. Enfim, procuro ir do particular para o universal. Na primeira parte, conto como enfrentei e purguei o impacto da demissão. O mimimi vai até o terceiro capítulo. Depois, tudo se torna bem prático e objetivo. Conto como é a experiência de ter e planejar um plano B, falo sobre como montar uma pousada, relato o processo, etapa por etapa, de partir para um plano B a partir da orientação de uma coach de uma grande consultoria de outplacement, trago a experiência de oito empreendedores de sucesso - eu inclusa - narro a experiência única de fazer o curso do Empretec - um treinamento criado pela Unesco, com foco em comportamento empreendedor. Cada capítulo se encerra com aprendizados, absolutamente práticos, para a pessoa enfrentar as diferentes situações. Posso dizer que é um livro de auto ajuda, escrito com linguagem jornalística - portanto, sem modéstia, não é chato - , boas histórias e um tanto de poesia.
"As pessoas irão viver muito e será necessário ter uma, duas, três encarnações profissionais para dar conta de todo o tempo que seremos profissionalmente ativos"
No livro, você relata como mudou sua opinião sobre empregos corporativos e o mercado formal. Sim. Acho que o mundo corporativo que conheci está vivendo uma profunda transformação. Nada será como antes, amanhã. Por que isso está acontecendo? Porque o mundo se globalizou demais, porque o capitalismo se radicalizou, porque os jovens Y têm uma visão muito diferente a respeito de trabalho, carreira e vida. Porque as pessoas irão viver muito e será necessário ter uma, duas, três encarnações profissionais para dar conta de todo o tempo que seremos profissionalmente ativos. Ao mesmo tempo, nunca tive ilusões sobre esse mundo. Fui chefe, depois chefona, demiti muita gente. Sempre soube que era uma "terra de gigantes". Acho que o que fiz diferente foi falar abertamente sobre os sentimentos de alguém que se ferrou, que perdeu, que rodou. Ninguém fala sobre isso. Quem perde o emprego faz cara de paisagem, faz de conta que está tudo bem e não está. Quem gosta de tomar um pé na bunda?
"Quem perde o emprego faz cara de paisagem, faz de conta que está tudo bem e não está. Quem gosta de tomar um pé na bunda?"
Qual é seu conselho pra quem acabou de ser demitido de um emprego de anos como era o seu? Viaje se puder, para esfriar a cabeça. Quando voltar, resolva as questões burocráticas e faça um corte radical de custos. Planeje quanto tempo pode viver sem se desesperar. Encare o luto. Sofra, chore, vomite. Mas não deixe o ele durar mais do que deve. Escolha o mundo dos vivos, levante a cabeça. Planeje os próximos passos.
Vai lá: A Vida Sem Crachá, ed. Agir, R$ 24,90