Ela acaba de lançar seu quinto disco, o primeiro só de autorais. Para a Tpm, a cantora contou como chegou ao momento em que define se sentir inteira
Em uma busca incansável de si mesma, Ana Cañas trancou-se em quartos de hotéis e fez diversas composições desde o lançamento do último trabalho, Volta. Hoje, aos 34 anos, descobriu seu rock e mostra, junto com as canções mais românticas, toda a energia de um ser rebelde no disco Tô na Vida, que acaba de ser lançado.
O universo da cantora está ali por completo; na capa, onde aparece nua, nas composições e também no clipe do single, gravado por ela mesma, sozinha em seu apartamento. É um álbum de respostas. Depois dos cinco trabalhos anteriores, músicas em novelas globais, parcerias com Ney Matogrosso e outros grandes nomes da música brasileira, a cantora tem seu primeiro disco só de canções autorais.
Entre as influências diversas, talvez a mais importante seja o encontro - na vida e na carreira - com Lúcio Maia, produtor e guitarrista da lendária Nação Zumbi. Das novas melodias descobertas, às parcerias de sempre com Arnaldo Antunes, Dadi Carvalho e Pedro Luís, ela garante que aprendeu muito com o novo trabalho.
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Para a Tpm, Ana contou sobre o processo de criação do álbum e como é explorar o universo roqueiro. Leia entrevista abaixo.
Você disse que tem uma motivação inédita nesse disco, encontrar o lugar da sua essência. Que lugar é esse? É uma boa pergunta. Eu acho que a essência está conectada com algo que você possa, em um planeta de 7 bilhões de seres humanos, fazer algo que soe particular, único. O que é bem difícil. Foi um caminho de pedras. Eu sou uma pessoa com gosto musical bem eclético e isso acabou influenciando o que eu fiz anteriormente. Na feitura do Tô na Vida eu tive uma preocupação maior com a coesão. Foi o que apareceu primeiro e não se apresentou nos outros discos. Uma preocupação de ter uma voz única. As pessoas diziam 'pô, adoro a Ana', mas quando perguntavam qual o som que ela fazia, gaguejavam e não sabiam responder. É algo que eu queria resolver e acho que consegui entre os rocks e as baladas.
Acha que isso se deve a pensar de uma forma menos comercial? Eu nunca pensei comercialmente. Nunca ganhei dinheiro vendendo disco. Na verdade, acho que existia um descompromisso. O Lúcio pontuou isso pra mim outro dia. Disse que, como cantar, pra mim, aparentemente era fácil, eu acabava cantando tudo sem um grau de envolvimento maior. Eu entendi o que ele disse, concordei e acho que foi um ponto de partida para eu começar a questionar o por que as pessoas não sabiam dizer quem era a Ana Cañas. Eu queria estar em algum lugar esteticamente e dá muito mais trabalho, foi um amadurecimento. Eu realmente enlouqueci, fiquei um ano e meio fazendo canções trancadas em quartos de hotéis, dentro de um box, tocando violão. Deixei de falar com muita gente porque eu queria resolver essa questão, a de achar o lugar certo para a minha voz. A intérprete está resolvida. Agora eu queria outra história.
Consegue lembrar qual momento você percebeu que esse era o caminho? Eu queria desconstruir a imagem de diva, se é que ela existia. Talvez não me colocassem no papel de diva, mas de anti-diva, por toda a minha trajetória. Eu queria que tudo soasse uma coisa só, que a voz não fosse separada do resto. Que eu saísse um pouco do lugar da cantora e fosse para o lugar da artista. É um pouco abstrato esse pensamento, mas ele tem uma nitidez que me esclareceu muita coisa. Acho que foi através das canções e dos arranjos que eu senti esse caminho.
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E isso começou logo depois do Volta? Esse meu envolvimento com o rock'n'roll vem de antes, do meu trabalho com o Liminha em 2009 [o Hein?]. Mas ali eu ainda não tinha achado o meu rock, foi só um começo de uma vontade. O Volta foi um disco que me colocou os pés no chão. Não quis mais trabalhar com produtora. O problema do rock, é que o rock é foda, ele não privilegia a melodia. Privilegia atitude, letra, riff de guitarra… Então eu estava em um lugar confuso, porque eu sabia que eu precisava priorizar a melodia. Foi um lugar trabalhoso de habitar.
A parceria com o Lúcio, tanto na vida quanto no trabalho, provavelmente te ajudou nisso. Sim, com certeza. O envolvimento pessoal e artístico se refletem um no outro. A gente conviveu muito tempo e eu ouvi muita coisa através dele. Ele é uma enciclopédia musical ambulante, colecionador de vinil e conhece música profundamente de uma forma que eu nem sequer sonhava em conhecer. É um ser humano muito instigado artisticamente e eu pude absorver parte desse universo, conhecer muita coisa. Isso refletiu na resposta pro meu som.
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E o disco foi gravado ao vivo. Foi. A gente gravou tudo na mesma sala, um microfone estourando no outro. Isso foi fundamental pra questão toda da busca do som. Fica uma paudurecência, acho que se não fosse ao vivo não teria o mesmo resultado. Foi muito rock'n'roll. A gente ficou um mês e meio em estúdio e eu ainda fiz uma coisa diferente, gravar demos. Ali eu encontrei a estética, foi muito importante. Depois de descobrir que o Black Francis do Pixies tinha sete demos pra uma música, eu vi que tava dando um puta vacilo. Não é chegar e fazer que vai acontecer, tem todo um trabalho por trás. Nas demos você está mais relaxada, é mais fácil rolar.
"A alma vem desse lugar, da felicidade. Esse disco é inédito pra mim nesse ponto, me deu essa satisfação"
Acha que dessa forma o trabalho tem mais alma? Às vezes você pode reunir os melhores músicos nos melhores estúdios e não ter um álbum. A alma é você ser sincero, ser honesto. O trabalho cansa, mas se você está satisfeita com o seu trabalho, ele com o dele… A alma vem desse lugar, da felicidade. Esse disco é inédito pra mim nesse ponto, me deu essa satisfação. Então acredito que tenha alma, sim, como um todo.
Você gosta mais do Tô na Vida do que dos álbuns anteriores? Sim. Eu estou ali de uma forma mais presente, mais preocupada, mais instigada e mais exigente. Mais doada, mais entregue. Mais livre. Gostar eu gosto de todos, porque são fases da minha vida, mas esse eu tenho uma predileção especial. Não por ser o último, e sim pelo processo. Me deu muitas respostas que eu precisava ter, sinto que aprendi muito com ele.
Dá uma insegurança um disco totalmente autoral? Não, eu não acho. O Tô na Vida é 100% autoral, sim, mas no começo a ideia não era nem essa, cheguei a ouvir outras composições. No final foi um processo de seleção do que estava funcionando. Foi meio Darwinismo. Não são os mais fortes que sobrevivem, são os mais aptos, né? As que sobreviveram no repertório são as que estavam mais aptas dentro do meu pensamento de coesão desse trabalho.
Estar nua na capa é parte de assumir-se inteira? Cara, eu não acho que eu estou nua na capa. Eu sei que eu estou, mas acho que é uma foto que transcendeu essa questão. Foi um ensaio muito especial, estavámos só eu e a Carol Bittencourt e a nudez foi muito voltada para a questão da essência. Essa busca insana. Essa foto em si foi a que eu achei que tinha a expressão do que o trabalho dizia. Foi a única. Era uma outra mulher me fotografando, isso foi muito importante, ser um olhar feminino e não um masculino...
Qual a diferença? É a cabeça de uma mulher! Não que não passe pela sexualidade, porque a mulher fotógrafa também tem o sexo na imagem. Mas são lugares diferentes na sexualidade. Eu queria uma outra nudez, não a sensual. Era a nudez da Francesca Woodman, que é uma referência minha e é muito mais existencial e filosófica. A Carol foi muito feliz no resultado das fotos. É um questionamento filosófico da existência.
Já que estamos falando de mulher e rock, quais as suas maiores referências roqueiras? Patti Smith, PJ Harvey, Joan Jett. As roqueiras que são do jazz, mas eram roqueiras; Nina Simone, Billie Holiday… A Amy Winehouse, Fiona Apple. Tem muitas mulheres! Porque tem isso, o rock é mais uma atitude do que o som.
"O importante é que a música me emocione e, se por ventura emocionar o público, já valeu tudo isso"
Recentemente você tocou em um festival de rock na grande da São Paulo e era a única mulher na programação. Você sente um tratamento diferente? Olha que engraçada essa pergunta… Vi uma lista de 50 canções definitivas do rock'n'roll e li uma por uma delas. Só uma era escrita por mulher! As outras 49 eram escritas por homens! Então eu não sei qual é, sabe? Já tive muito essa conversa com o Lúcio. Não sei se é uma misoginia do meio, se há um machismo… É um lugar de loucos. Muitas vezes você vai ser cobrada por eles, no sentido de que os homens que estão ali vão te olhar e dizer "e aí, será que você aguenta o tranco?". Tem essa pressão, eu sinto. O que é um desafio pra mim, porque eu sempre quero superar as expectativas.
Voltando para o começo da entrevista, agora as pessoas podem dizer que você canta rock? Hoje as pessoas poderiam responder que eu canto rock'n'roll... Mas eu quero deixar livre para acharem o que quiserem, sabe? O importante é emocionar. Não estou muito preocupada com isso…. Quem é a Ana é uma pergunta que eu queria responder pra mim. O que está na boca das pessoas eu deixo ali. O importante é que a música me emocione e, se por ventura emocionar o público, já valeu tudo isso.
E você tem essa resposta? Acho que seria chato ter todas as respostas. Eu tenho as perguntas e novas perguntas aparecem quando respondo as antigas. É sempre um novo desafio. O ideal da vida, que eu pelo menos tenho pra mim, é seguir respondendo tudo que me inquieta.
Assista ao clipe:
#BaúdaTpm: em 2014, Ana Cañas falou, aqui na Tpm, sobre sua vida, feminismo, alcoolismo, morte do pai e relacionamentos. Leia: http://bit.ly/ana-canas-tpm |