por Anna Virginia Balloussier

Editora resgata obras perdidas de grande autores brasileiros. Entre eles, a escritora Pagu

A escritora Patrícia Galvão (1910-1962), a Pagu, já foi personagem de minissérie da Globo e “mais macho que muito homem” numa música-homenagem de Rita Lee e Zélia Duncan. Musa dos modernistas brasileiros, casou-se com Oswald de Andrade, que deu um pé na bunda da pintora Tarsila do Amaral por ela. Ao lado do poeta, lançou em 1931 o pasquim político “O Homem do Povo”. Quando o jornal definiu a Faculdade de Direito da USP como um dos dois “cancros de São Paulo” (ao lado do café), e alguns estudantes depredaram a sede na praça da Sé, ela revidou com unhadas e até tiros de revólver, segundo o noticiário da época. Irreverente, foi presa mais de 20 vezes ao longo da vida, por motivações políticas.

Pagu é, enfim, o que a agente literária Leda Cintra define como “midiática”. É também símbolo de uma indústria cada vez mais empoeirada. “Ela sempre chama atenção da mídia, mas não vende. Ou vende pouquíssimo”, lamenta. Segundo Leda, 3.000 exemplares de um livro da escritora (média da tiragem inicial no Brasil) “só com muita dificuldade esgotam”. A título de comparação: “O Código da Vinci”, de Dan Brown, vendeu 1,8 milhão de cópias no mercado nacional.

Se a coisa está feia para Pagu, imagina para tantos outros autores brasileiros bem menos pop. Dois amigos, Leda e o historiador André Caramuru, foram além de imaginar: resolveram fazer algo a respeito. Daí nasceu a editora digital Descaminhos, que será lançada nesta terça-feira (28), na Livraria da Vila, em São Paulo.

O projeto estreia na Amazon, gigante das publicações on-line, com a obra completa de autores prestigiados, mas desaparecidos das prateleiras. Entre eles, a própria Pagu, seu último marido, o escritor Geraldo Ferraz (190-1979), e o dramaturgo Jorge Andrade (1922-1984) – que terá comercializados, além de textos inéditos, trabalhos feitos para a revista Realidade e crônicas publicadas na Folha de S.Paulo. Escritores contemporâneos também entrarão no catálogo da Descaminhos.

“A gente não está preocupado com vendagens, e sim em deixar os livros à disposição do leitor. Pode vender três, quatro cópias por ano. Ao menos está lá. Há títulos de Pagu e de Jorge Andrade que você não encontra mais”, afirma Caramuru, que é colunista da Trip e que também terá obras suas à venda na editora.

Leda o representava no mercado editorial “e vinha sofrendo muito para que nós, autores representados por ela, furássemos a barreira”, diz. Isso porque Caramuru era um “novato”. A agente literária lembra que muitos bambas penam com o ostracismo. O paulista Raduan Nassar, de Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978), é presença frequente na lista dos melhores autores brasileiros do século 20. “Mas desistiu da literatura quando viu uma pilha de livros dele tomando chuva num sebo”, diz a amiga Leda. Recluso, o escritor de 77 anos vive hoje num sítio em Pindorama (SP), sua cidade natal. Seu último conto inédito foi publicado em 1997, na coletânea Menina a Caminho.
 

Matemática

O problema do mercado literário, para Caramuru, é que a conta não fecha. Exemplo: ele estava atrás do livro “Past Imperfect – French Intellectuals, 1944-1956”, do colega inglês Tony Judt (1948-2010). Acabou topando com um passado imperfeito à parte: para comprar a cópia de capa dura do título, lançado em 1992, precisaria desembolsar US$ 44. Com a mesma quantia, daria para adquirir quatro versões digitais da mesma obra, a US$ 10 cada – e ainda sobrava troco para um ou dois chopinhos.

Caramuru entusiasma-se fácil ao falar da novas tecnologias aplicadas à literatura. Se deixar, dá um relatório completo das vantagens do e-book, o livro adaptado para tablets. Ao mesmo tempo, o ontem lhe interessa e muito, como os vários autores fora de catálogo e de moda.

Há vários argumentos contra e a favor das literaturas digital e em papel. Livro não dá pane elétrica, não cansa a vista e fica bonito na prateleira ou embaixo do sovaco, dizem aqueles que ainda não querem virar a página da leitura impressa. Dá para carregar centenas de e-books num tablet de 240 gramas, e os preços são bem mais em conta, rebatem os defensores da digitalização.

O lance é que, para as editoras, imprimir obras físicas é sempre um risco. “Custa muito dinheiro. Por isso, estão cada vez mais apostando em títulos certos”, afirma Caramuru. “A gente nunca entende quando um autor venderá, nem os editores entendem, e é por isso eles têm tanto medo”, completa Leda. O fenômeno se repete em outros segmentos da indústria cultural. Não à toa os estúdios de Hollywood preferem torrar milhões em sequências do Homem de Ferro, uma aposta relativamente segura de retorno financeiro, do que garimpar entre novos cineastas.

A Descaminhos, segundo seus sócios, seria uma trilha alternativa para um autor ser publicado, a custos bem mais baixos – um e-book será vendido por R$ 9,99 num primeiro momento. Ao autor serão repassados 50% desse valor, enquanto as grandes editoras costumam remunerá-los com 10% do preço da obra (uma fatia que muitas vezes ainda precisa ser dividida com o ilustrador).

Se o e-book está no descaminho certo? Leda lembra de uma máxima de Esdras de Nascimento, piauiense de 79 anos e um dos escritores publicados pela editora digital: “Não teremos mais ácaro, poeira e fungos”. Pergunte ao pó.

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