por Carol Sganzerla
Tpm #87

Fernando Grostein Andrade, 28, estreia como diretor no documentário Coração Vagabundo

Ele bateu na porta de Caetano Veloso e agora entra pela frente no cinema nacional. Fernando Grostein Andrade, 28, estreia como diretor no documentário Coração Vagabundo, uma lente na vida de um dos maiores ídolos da música brasileira

Naquele dia a escola parou. Não houve aula. Ninguém tirava os olhos das páginas daquela revista. As reações, as mais diversas. O ano era 1996 e o causador da polêmica, Fernando. Aos 16 anos, presidente do grêmio do Santa Cruz, colégio paulistano de elite, o garoto lançou uma publicação. “Fizemos um ensaio sensual com alunas, entrevistamos o Supla, conversamos com o Serra e vendemos R$ 5 mil em anúncios”, lembra ele. Metade amou, metade odiou. “Tinha uma galera supostamente de esquerda que queria uma revista intelectualizada”, recorda.

Fernando nem deu bola. Já naquela época o negócio dele era produzir conteúdo despretensioso. Legado do pai, o jornalista Mário de Andrade, editor da Playboy na década de 80 e responsável por ensaios memoráveis como os de Maitê Proença e Luma de Oliveira. O caçula da família vivia rodeando a mesa do pai. Mas, no dia em que Mário teve um infarto fulminante, dissera ao filho que não era possível acompanhá-lo. “Tinha 10 anos e, ao contrário das outras crianças, eu preferia ficar com os adultos”, conta. “No velório estavam, além de jornalistas como Juca Kfouri e Thomaz Souto Corrêa, o guarda da rua e a manicure do meu pai. Ele deixou amigos e também o ideal de ser apaixonado pelo trabalho, de fazer coisas populares e de bom gosto.”

Nu e cru
Mário de Andrade é o nome que antecede os créditos finais de Coração Vagabundo, documentário sobre Caetano Veloso assinado por Fernando, que dedicou o trabalho ao pai. Ele ficaria orgulhoso. Afinal, o cineasta, hoje com 28 anos, aos 23 iniciava a gravação de seu filme de estreia. O filho da professora de urbanismo da USP – e meio-irmão do apresentador Luciano Huck – aos 15 anos estagiava na criação da DM9DDB, uma das mais importantes agências de publicidade do país. Aos 17, trabalhava na rádio Jovem Pan, e, aos 18, publicava crônicas no site da revista Trip e na Playboy. Aos 20, dirigia comerciais na produtora Digital 21 e, um ano depois, escrevia, produzia e dirigia seu primeiro curta-metragem, De Morango (com Daniel Dantas e Fernanda Rodrigues). O projeto nasceu do trabalho de conclusão de curso da GV, que desafiava os alunos a produzirem um curta. Fernando, então, assinou o primeiro curta-metragem em HD no Brasil. “Era uma coisa totalmente nova”, conta ele, hoje sócio da recém-inaugurada produtora Spray Filmes.

Totalmente demais

De Morango caiu nas mãos da produtora Paula Lavigne, que chamou o novato para dirigir o clipe de “Você não Me Ensinou a Te Esquecer”, música tema de Lisbela e o Prisioneiro (2003), de Guel Arraes, famosa na voz de Caetano Veloso. “Era uma responsa dirigir o roteiro de um gênio para outro gênio.” Clipe pronto, Fernando foi contratado pela produtora Cine, onde comandou comerciais de clientes como Mitsubishi, Natura, Vale do Rio Doce e Greenpeace. Paula, então, o chamou de novo, para fazer o DVD das últimas apresentações de Foreign and Sound, de Caetano, no Baretto, em São Paulo. “No primeiro show, tínhamos duas câmeras, nada podia dar errado. E deu. Uma delas pegou fogo. Aprendi que o grande barato era estar aberto para o inesperado”, solta. Foi assim que o jovem diretor acabou captando uma das imagens peculiares do músico. Munido de uma digital simples, Fernando foi ao quarto do cantor e ele apareceu nu. “Quando montei o material com drops dessas primeiras conversas, cortei a cena justo na hora em que ele abre a porta. Quando mostrei pra Paula, ela falou: ‘O quê? Você cortou o melhor!’. Aí vi que tínhamos um filme e que teria abertura para ficar próximo deles”, lembra o diretor.

Foram 45 dias de captação de imagens entre 2004 e 2005. São Paulo, Nova York e Japão. Quatro anos depois, o documentário ficou pronto e tem lançamento previsto para julho. “A lição que tirei é que filme é como vinho. As ideias, o roteiro, a montagem têm que amadurecer”, explica. Câmera na mão – era Fernando, um amigo produtor e mais ninguém –, foram horas andando de costas para captar Caetano de perto. Resultado: dores nas costas e 9 quilos a menos. Os já franzinos 67 quilos chegaram aos 58. “Foi desgastante, mas a equipe pequena criou um ambiente intimista”, admite Fernando, que até um depoimento de Pedro Almodóvar e do falecido diretor italiano Michelangelo Antonioni conseguiu para seu filme.

No documentário, o cineasta espanhol fala da relação entre Caetano e Paula Lavigne, casal que se separou durante as filmagens. Essa situação virou um desafio para Fernando. “Sempre tive claro que o que acontecia na vida deles não seria o foco do filme. Isso exigiu paciência”, explica o diretor, lembrando também da ansiedade com que esperava a hora de Caetano acordar. “O dia dele começa às quatro da tarde e a luz era importante para as externas.” Fernando, porém, aprendeu a usar a ansiedade a seu favor. “Eu era novo com um desafio grande e pude aprender com meus ídolos: Caetano, Almodóvar e Antonioni. Sou absolutamente apaixonado pelo filme”, confessa ele, que já deixou seu nome no cinema nacional.

fechar