por Tatiany Leite

Autor da elogiada biografia de Clarice Lispector prepara-se para entrar no amplo universo de Susan Sontag

Benjamin Moser nasceu em Houston, nos Estados Unidos da América, em 1976, e formou-se em história. Colunista da Harper’s Magazine e colaborador do The New York Review of Books, Moser já está acostumado com o mundo literário. Não foi à toa que aprendeu português e conheceu a obra de Clarice Lispector. Todo aquele seu interesse pela escritora emblemática seria transformado em um livro biográfico, Clarice (Cosac Naify), o primeiro a ser feito sobre a autora, e por alguém que não era brasileiro. Depois do sucesso e do trabalho bem detalhado, que o levou ao Brasil, à Ucrânia e a todo o mundo de Clarice, Moser foi convidado excepcionalmente para pesquisar sobre outro universo: o de Susan Sontag.

Susan Rosenblatt, mais conhecida como Susan Sontag, também é dos Estados Unidos, mais precisamente de Nova Iork. Nascida 43 anos antes de Moser, a escritora e crítica de arte foi conhecida mundialmente por seu trabalho, suas crenças e seus prêmios. Defensora exímia dos direitos humanos publicou vários livros, artigos em jornais importantes e ganhou o National Book Award, por seu livro Na América (Companhia das Letras), que conta a história de um grupo de poloneses que, emigrantes para os Estados Unidos, fundam uma comunidade nos moldes do capitalismo utópico. O ano? 1876. Cem anos antes de nascer Benjamin Moser que, agora, adentrará na vida de Sontag, sem previsão de retorno.

Se Moser já havia sido levado pelo mundo físico, pelas mãos da escritora nascida na Ucrânia, agora terá que passar por teorias psicológicas ao descrever a vida de Sontag, que foi conhecida por seu ativismo, que a levou, inclusive, à presidência do Centro Americano PEN, a organização de escritores internacionais, dedicada à liberdade de expressão e do avanço da literatura.

A pesquisa

Se com Clarice o português poderia ser um complicado degrau, com Sontag há a facilidade da língua. Apesar de passar por diversos países e ser publicada em muitas línguas, a escritora tem todas suas obras em inglês. Mas, este fator não parece ser algo eliminatório para Moser que, além de suas biografias, já traduziu livros importantes do francês e do português, “eu achei um desafio [os textos de Clarice]. (...) Eu a lia imaginando tudo que eu estava construindo, eu queria montar uma espécie de imagem dessa pessoa e dessa cultura. Foi interessante”, contou, mas assumiu, “o fato da obra de Susan ser, em sua maioria, em inglês, ajuda muito. Porém, ela também viveu e agiu em muitos outros países e sua obra é muito difícil”.

Enquanto pesquisava sobre Clarice, Benjamin passou pela Ucrânia, país onde Clarice nasceu, e foi desde o Ceará até Porto Alegre, no Brasil e contou que esse contato tão próximo era uma inspiração para seu livro e sua pesquisa. Com Sontag, uma figura mundialmente conhecida, Moser acredita que irá viajar ainda mais, “ela [Susan] viveu em várias partes dos Estados Unidos, mas também passou muito tempo na França, na Alemanha, na Itália, na Inglaterra... Ela viajava constantemente e havia muitas amizades pelo mundo, inclusive no Brasil, onde tinha bons amigos. Ela dirigiu peças de teatro na Bósnia e ia muito ao Japão... Conhecia todo mundo (é difícil encontrar uma pessoa do ambiente da cultura em qualquer país que não tenha uma historia da Susan!). Isso exige, para mim, uma organização quase militar”. 

Em Clarice, você contextualiza toda a vida de Clarice Lispector com o momento histórico e religioso. Como foi feita essa pesquisa? Como está o processo de pesquisa de Sontag?
Benjamin Moser: A pesquisa para a biografia de Clarice foi ótima, eu até sinto saudades, porque ela me levou pelo mundo. Eu, por exemplo, não iria para a Ucrânia se não fosse isso. Eu conheci lugares, o Brasil inclusive, e conheci muita gente. Eu não sou uma pessoa tímida, mas também não queria incomodar ninguém.

Com Susan essa pesquisa será ainda maior. Ela era uma figura internacionalmente famosa. Viveu em várias partes dos Estados Unidos, mas também passou muito tempo na França, na Alemanha, na Itália, na Inglaterra. Ela viajava constantemente e havia muitas amizades pelo mundo, inclusive no Brasil, onde tinha bons amigos. Ela dirigiu peças de teatro na Bósnia e ia muito ao Japão... Conhecia todo mundo (é difícil encontrar uma pessoa do ambiente da cultura em qualquer país que não tenha uma historia da Susan!). Isso exige para mim uma organização quase militar. Como encontrar toda essa gente sem me arruinar financeiramente, por exemplo! 

Existem algumas biografias que insistem nos pontos negativos de seus biografados. “Clarice,” é muito diferente, ainda mais se levarmos em consideração o fato de você não ser brasileiro e se interessar pela vida de uma escritora do Brasil. Como foi a recepção dos familiares e amigos de Clarice? E os de Sontag? Para Clarice houve várias reações. Eu fui a primeira pessoa a contar sobre a história da mãe da Clarice na Ucrânia (que ela foi estuprada e acabou morrendo por conta de uma doença sexualmente transmissível) e isso chamou a atenção positiva e negativamente. Por isso houve gente que teve opiniões divergentes. O filho da Clarice, Paulo Gurgel Valente, perdeu sua mãe muito jovem e, quando ela estava doente, ele prometeu que tomaria conta de sua obra. E muitas coisas que nós sabemos ser da Clarice Lispector são graças ao trabalho dele. O Paulo tem feito isso e ele me disse que não havia um dia, em sua vida, que ele não fizesse algo para sua mãe.

 

"Uma obra precisa de embaixadores"

 

Como eu faço, de maneira muito menos importante, uma obra precisa de embaixadores. E ele achava que essas histórias sem censura e sem “falsa vergonha” deveriam ser contadas. Porém, as pessoas mais idosas têm um “tabu” sobre as histórias referentes a sexo, por exemplo. Porém, de forma geral, todos gostaram do fato da obra de Clarice continuar para outros países, até porque ela nunca ficou rica com sua literatura. 

Com Sontag, por enquanto, todos me receberam muito bem. Estou bem no início da fase de entrevistas. E há pessoas que ainda não falei. Mas o fato de eu ter sido convidado pelo filho e também o fato de já ter escrito uma biografia me facilita muito a tarefa. Com Clarice eu era “um debutante”. Ninguém me conhecia, sobretudo não no Brasil. Mas agora já podem ler meus livros, o que faz de mim uma pessoa mais “real”. Mas, o processo de escrita sempre surpreende e tenho tido todo o aval neste processo.

Você aprendeu português na faculdade e isso te ajudou muito com Clarice. E agora? Qual será o processo mais difícil para escrever essa obra? Acredita que a língua em comum (inglês) te auxiliará na pesquisa e análise dos documentos e obras? Com Clarice eu achei um desafio. Minha ideia era de trazê-la “para fora”. E eu a lia imaginando tudo que eu estava construindo, eu queria montar uma espécie de imagem dessa pessoa e dessa cultura. E foi interessante. Eu tive que descobrir coisas sobre, por exemplo, política que não é meu maior interesse. E sem isso eu nunca teria aprendido. E isso é um valor adicional. E eu fui desde Ceará até Porto Alegre, aí no Brasil, e aí as pessoas amam Clarice. E isso dá um impulso! Foi uma inspiração. 

O fato de Susan ter escrito em inglês ajuda sim. Mas a obra dela é difícil. Ainda bem que esta parte pelo menos está em inglês!  Com Clarice, a grande maioria das pessoas fora do Brasil nem conheciam. A Susan foi muito famosa no mundo inteiro. Mas, eu tenho minhas dúvidas: será que muita gente a lê? Não sei. O problema de ser uma “escritora famosa” é que todo o mundo já sabe o que pensa sem nunca ter lido nada! Então, seria uma coisa boa se as pessoas passassem a ter uma imagem de Sontag de acordo com sua obra, que é muito surpreendente, muito rica e um desafio para qualquer leitor.

E o que te fez se sentir ligado com Sontag quando a leu pela primeira vez? Com Clarice, por exemplo, eu às vezes costumava dizer que eu não a escolhi, que eu tinha a sensação de que ela me tinha escolhido. Uma sensação meio metafísica talvez, que ela QUERIA que eu escrevesse sobre ela! Mas com a Susan, realmente fui escolhido. Não pelo espírito da escritora, mas pelo filho dela e pelo editor dela. Eles conheceram meu livro sobre Clarice e pensavam, depois de considerar vários escritores possíveis, que eu poderia fazer justiça à Susan. Espero não decepcioná-los, pois é uma grande honra ser escolhido assim. Mas, eu tinha lido vários ensaios de Sontag na faculdade, como todo mundo, e a conheci como pessoa pública, como ícone intelectual americana. Mas, nada muito além disso. Agora estou tendo a oportunidade de conhecê-la em toda a sua amplidão. 

Já tem algum outro livro e/ou biografia em processo? Gostaria de escrever sobre algum outro autor/autora? Sim, estou terminando o romance que comecei depois de terminar o Clarice. Ainda não posso dar muitas informações sobre ele, mas logo saberão!

(*) Tatiany Leite é jornalista e edita o blog Vá ler um livro www.valerumlivro.com.br

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