Licença, o pai vai passar
Ainda tímida no Brasil, a licença-paternidade começa a mobilizar os homens. A expectativa é uma mudança social profunda. Quem topa?
Renato Maria se lembra da conta que fez com a esposa num feriado: foram 50 fraldas sujas, 46 mamadas, 36 mamadeiras usadas, 12 trocas de roupas e seis banhos dados nas gêmeas nascidas no ano passado. Quem não tem filhos, ou não está acostumado a esse tipo de rotina, se assusta com o volume de tarefas. Mas essa é a vida das mães de recém-nascidos em licença maternidade. A diferença é que, na casa de Renato, ele também estava lá para assumir as novas funções. Ele trabalha na sede brasileira do Facebook, empresa que há poucos meses estendeu a licença-paternidade para quatro meses, direito de todos seus funcionários ao redor do mundo.
“Esse era um benefício que sempre me interessou. Fiquei muito feliz quando os funcionários do Brasil também ficaram elegíveis aos quatro meses”, diz. Renato conta que esse tempo em casa o ajudou a conhecer a personalidade de cada uma das filhas e que o mais legal foi ver a esposa retomar a carreira. “Como ela é autônoma, ficava difícil, nesse começo, abrir mão dos momentos com as meninas para dedicar tempo ao trabalho. Durante o período da minha licença, ela voltou a marcar reuniões e viagens. O tempo que passei dedicado à família foi essencial para ela a retomar a sua carreira”, conta.
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Os quatro meses de licença aos pais ainda são raros, mas algumas empresas já topam dar 40 dias – que, se comparado com os míseros 5 que se dá geralmente, é uma vitória. Foi esse o tempo tirado por Fábio Artoni, gerente de Marketing da Natura, empresa que recentemente estendeu por conta própria a licença-paternidade. No quarto da filha Liz, ele troca a fralda suja com a habilidade de quem entende do riscado: é pai pela terceira vez numa família que conta agora com quatro mulheres. Essa é a primeira vez que Fábio tira mais que cinco dias. “Minha esposa tem falado muito dessa consciência de ter apoio por perto. Mais do que o trabalho operacional na casa, ela diz que é bom saber que tem alguém de total confiança a seu lado. Estamos mais unidos e isso vem muito da minha presença em casa”, diz.
E está errado quem acha que este movimento encabeçado por grandes empresas oferece apenas uma “ajuda” às mães insones. Ele é muito maior do que isso. Logo de saída sabemos que essa medida pode ajudar na desconstrução de papéis de pai e mãe. Pode também diminuir a desigualdade de gêneros no mercado de trabalho e ajudar a remodelar o comportamento das famílias quanto à divisão de tarefas domésticas. Tá bom pra você? Não seria exagero dizer que essa é uma peça importante na mudança social que tanto almejamos.
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Os engajados na causa estão confiantes: “Temos certeza que esse vai ser um movimento sem volta”, assegura Eduardo Marino, um dos coordenadores de um estudo feito pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo que revela que os custos da licença-paternidade ampliada no Brasil são mínimos se comparado a seus benefícios.
Na casa de Pedro, que acabou de voltar dos 30 dias que a Reserva (empresa onde trabalha) estendeu aos colaboradores, essa mudança já começou. Pai de primeira viagem, ele adjetiva a experiência de 'sensacional'. "Percebi o quanto é importante a presença paterna. Podemos estar mais próximos e efetivamente é algo maravilhoso", afirma.
Uelton Dias Rodrigues, conhecido entre os parças como 'Tim', está ansioso para experimentar o novo formato. Ele já tem quatro filhos, mas só agora, com a chegada dos gêmeos que formarão o sexteto, poderá estar realmente próximo no momento da chegada. “Apesar de eu já ter quatro, virão gêmeos, será tudo novo. E como antes só tive cinco dias em casa, eu quase não participava desse começo. Minha esposa e as outras crianças também estão achando bacana demais. Estou bem empolgado”, diz Tim, que também trabalha na Natura.
Piadinhas e medo da demissão
E tem piadinha machista entre a rapaziada? Tem, sim senhor. “É fácil ouvir aquela do ‘Poxa, 40 dias de férias a mais? Que beleza’. Acho que é uma brincadeira porque ninguém parou para pensar na importância do pai em casa, mas, óbvio, é uma brincadeira machista”, diz Fábio. “Tem que deixar esse negócio de machismo de lado e o homem tem que participar das tarefas domésticas e com o bebê. Ele não vai deixar de ser homem por causa disso”, diz Uelton.
A pequena Maria Manuela deve chegar em agosto na vida de Otávio Rodrigues, analista do Twitter Brasil. Ansioso, ele vai poder ficar 20 semanas em casa depois que a empresa estendeu a licença a todos os funcionários. “Vai ser legal participar desse processo que, normalmente, por não ter direito a uma licença-paternidade mais longa, acabávamos não acompanhando. Minha esposa ficou feliz e eu não vejo a hora da minha filha chegar”, conta.
Lógico que ele também teve que lidar com as piadinhas. “Um ou outro falou: ‘Nossa, vai ficar metade do ano em casa recebendo sem trabalhar?’. No Brasil, isso do homem em casa com o bebê e a esposa ainda não é uma realidade”, diz Otávio. “É mais fácil o homem ficar distante e dizer: sempre foi a mulher, por que agora não mais? E aí ele se acomoda nessa suposta tradição. Ainda que alguns homens gostariam que fosse assim, o mundo mudou e que bom que mudou”, afirma Pedro.
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Já Renato Maria excluiu de vez do seu dicionário a palavra “ajuda” quando perguntavam a ele como se distribuíam as tarefas com a esposa. “Escuto muitas vezes, até mesmo de outras mulheres, elogios sobre o quanto eu ‘ajudo’ a minha mulher com a casa e com as crianças. ‘Ajudar’ é assumir que a tarefa é responsabilidade do outro, mas eu entendo que divido os afazeres com ela e não que a estou ajudando”, esclarece.
O que alguns desses pais não costumam confessar é o medo de serem demitidos ou de perderem oportunidades por ficarem muito tempo longe do trabalho – sentimento bem familiar em mulheres de licença-maternidade. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico diz que esse medo de ter a carreira prejudicada está entre as razões para que eles fiquem relutantes em aceitar a licença.
“Ouvi algumas vezes frases como ‘Cuidado, hein? Vão colocar alguém no seu lugar no trabalho’. Só que se homens e mulheres tiverem licenças iguais ao terem suas crianças as empresas não vão priorizar a contratação de homens. Igualando as licenças, iguala-se também as oportunidades de carreira”, opina Renato.
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Esse medo de se ausentar do trabalho por várias semanas, expõe Fábio Artoni, existe, e é semelhante com ao de tirar 30 dias de férias de uma só vez que muitos funcionários têm de voltarem e serem dispensados. “Como a licença-paterna não pode ser dividida, como nas férias, e você deve ficar o período completo fora, a sensação de risco aumenta. Lido bem com este medo, mas ele existe”. Sim, ele existe e é de todos nós. Mas a verdade é que, com este movimento, quem perde é o preconceito. “Ganham pais e mães, a empresa e a sociedade. Espero que daqui a alguns anos a licença-paternidade seja uma coisa normal”, deseja Pedro.
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