Alexandria Ocasio-Cortez: balançando a mesa

por Luara Calvi Anic

A congressista (e ex-bartender) americana que está fazendo história na política, mas, acreditem: ainda precisa responder tweets sobre seus looks

No ano passado, quando a democrata Alexandria Ocasio-Cortez venceu as primárias na eleição para representante de Nova York na Câmara, ela virou notícia. Não apenas por eliminar Joe Crowley, um veterano de 56 anos, mas também por ser uma mulher nascida no bairro do Bronx, ex-bartender e filha de uma porto-riquenha.

Alexandria é uma norte-americana de 29 anos que apoiou o então candidato Bernie Sanders nas eleições presidenciais de 2016 e levou sua campanha com um discurso de esquerda, em defesa da classe trabalhadora. Ela também faz história por ser a mais jovem representante já eleita e fazer parte de um dos congressos mais femininos e menos branco da história dos Estados Unidos. São 102 mulheres contra 87 do mandato anterior – entre elas Ilhan Omar e Rashida Tlaib, as primeiras mulheres muçulmanas a ocuparem esse cargo – de um total de 535 cadeiras..

Apesar disso, essa congressista millennial, que estudou Economia e Relações Internacionais na Universidade de Boston, tem que lidar com questões do século passado (ou retrasado?). O modo como ela se veste virou assunto para a direita conservadora. Mesmo que siga a risca o look tailleur clássico com um já característico batom vermelho, suas escolhas são comentadas.

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O jornalista Eddie Scarry, do conservador Washington Examiner, compartilhou uma fotografia de Alexandria no Twitter no fim do ano passado e escreveu: “Eu vou lhe dizer uma coisa: esse blazer e essa jaqueta não são de pessoas que lutam”, em alusão aos seus discursos na época da campanha, em que ela lembrava ser de uma família de classe baixa. O post ganhou uma enxurrada de memes e Eddie resolveu apagá-lo. “É uma ofensiva patriarcal. A mesma coisa acontece com outras mulheres no poder, por exemplo Dilma Rousseff, quando criticaram sua roupa de posse”, diz Carla Cristina da Souza, socióloga da PUC-São Paulo.

Ela reforça que comentar a aparência de mulheres em altos cargos é uma prática usada como forma de deslegitimação – vale lembrar que os terninhos coloridos de Hillary Clinton também não passavam despercebidos. “Desde o fim do século 19, a roupa é uma questão para elas no ambiente profissional. Naquela época, as sufragistas começaram a usar peças masculinas para serem mais respeitadas na vida pública.” As chamadas moças de colarinho branco sucumbiam a um modelo masculino de se vestir como forma de ter credibilidade.

O tweet de Scarry foi postado na mesma semana em que Alexandria disse que não teria dinheiro para pagar seu aluguel em Washington D.C. até receber seu contracheque no Congresso. “Ela é tão irresponsável financeiramente que nem conseguiu poupar dinheiro suficiente para arrendar um apartamento na área de Washington D.C.”, cutucou a comentarista conservadora e norte-americana Candace Owens. Alexandria explicou que passou oito meses sem salário durante a campanha, por isso a dificuldade. “A ideia que se cria é que, para ser político a pessoa tem que ser rica. É um preconceito de classe que só reforça a falta de representatividade no poder”, diz a socióloga Carla Cristina.

Parece que todos estão de olho nos modos, no guarda-roupa e nos gastos da congressista. E, como manda a política contemporânea, ela segue respondendo pelo Twitter, onde tem mais de 2 milhões de seguidores. Mas não só. Em janeiro, participou do Womens March 2019, evento que em sua primeira edição, em 2017, reuniu mais de 500 mil mulheres reivindicando direitos e contra a política xenófoba e misógina do presidente Donald Trump. No palanque da edição deste ano, Alexandria lembrou as bandeiras que a fizeram levar 78% dos votos. “Justiça não é um conceito que lemos em um livro. Justiça está na água que bebemos. Justiça está no ar que respiramos. Justiça está em quão fácil é votar. Justiça é sobre o quanto as mulheres recebem por seu trabalho”, disse no microfone. “Justiça é sobre ter certeza de que ser educada não é o mesmo que ser quieta. Na verdade, muitas vezes a coisa mais certa que você tem que fazer é chacoalhar a mesa.”

No Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano, a candidata que se intitula socialista-democrática assustou os super-ricos ao propor uma taxação de 70% sobre os lucros acima de Us$ 10 milhões. E depois, twittou: "É loucura que algumas pessoas tenham mais medo de uma taxa de imposto do que o fato de que 40% dos americanos lutam para pagar pelo menos uma necessidade básica, como comida ou aluguel.” No início do ano, ela estreou em Sundance com o documentário Knock Down the House, que acompanhou Alexandria e mais três mulheres em campanha política para o Congresso. Após a exibição e os aplausos emocionados do público, ela apareceu em um telão para perguntas e respostas —  o filme ainda não tem data de chegar ao Brasil.

A colunista do jornal inglês The Guardian, Arwa Mahdawi, que escreve sobre questões feministas e muito sobre Alexandria, concluiu: “Os conservadores, na verdade, não se importam com o que Ocasio-Cortez está vestindo. Eles se importam com o fato dela ser tão confortável em sua própria pele. Isso os aterroriza, e com razão. Ela representa a face mutável dos Estados Unidos, uma nova geração de diversas mulheres norte-americanas que usarão o que gostam e dirão o que gostam. E que deixarão pessoas como Scarry [o do Twitter] tremendo na base.”

 

Créditos

Imagem principal: Corey Torpie/Divulgação

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