Conheça Elka Andrello, blogueira da Tpm, e descubra porque ela decidiu morar na Índia
Uma das primeiras VJs mulheres do Brasil, Elka Andrello ia dormir às cinco da manhã, depois de festas, festivais e, principalmente, de noites na lendária Torre do Dr. Zero, balada de São Paulo. Elka também era repórter, produziu filmes, videoclipes e programas na MTV, como o Mochilão. Para descansar, fazia retiros budistas. Em um deles, resolveu se mudar para o monastério, a fim de fazer um documentário. Ia ficar quatro meses, mas passou quatro anos.
No último Ano-novo budista, passando a limpo a vida, decidiu, junto com seu professor budista, que era hora de se mudar para a Índia, com sua filhinha de 2 anos, Graziela. E para lá, em Himachal Pradesh, no norte do país, as duas foram. E de lá ela posta em seu blog Tashi Delek, aqui no site da Tpm.
Conversamos com Elka sobre como ela descobriu o budismo, como é viver no país e, como não poderia faltar, o que ela achou da novela da Globo sobre o tema.
O que os leitores do site da Tpm podem esperar do seu blog?
A ideia do blog é mostrar como é a vida dos indianos e tibetanos que moram aqui, através das minhas experiências e das da minha filha Graziela por aqui. Somos vizinhas do Dalai Lama, moramos num vilarejo formado por tibetanos refugiados, indianos, hindus, sikis. O blog é um diário misturado com informações jornalísticas, muitas fotos e vídeos e algumas entrevistas. Também vamos viajar mais pela Índia e pela Ásia depois das monções, e tudo que conhecermos e experimentarmos vai virar conteúdo para o blog.
Como é seu acesso à internet? O que você costuma fazer quando está on-line?
O acesso à internet aqui é ruim. Teve um ataque terrorista em Mumbai no ano passado e o governo vetou internet banda larga para estrangeiros. Então tenho acessado a web pelo Bluetooth do celular, internet discada, um horror. Hoje fui com o Mr. Dik, o dono da casa que eu moro, me inscrever para um serviço de banda larga no nome dele. Ficar sem internet para mim é como ficar sem tomar banho, dá aflição. Mesmo morando em monastérios, sempre tive internet em casa. Uso a web para tudo, para falar com amigos, pagar contas, estudar, me informar, e baixo torrents do Grey's Anatomy e Miami Ink. Eu tô me mordendo para saber se o Derek ainda está com a Meredith!
Como você entrou em contato com o budismo?
Através do meu amigo Marcão, vocalista da banda punk Lobotomia. Quando eu tinha 24 anos decidi do nada que tinha que aprender mantras. Virou uma ideia fixa. Eu não tinha a menor ideia para que servia um mantra e tudo que eu sabia sobre o budismo é que o buda era calmo. Fui atrás do buda no lugar mais óbvio do mundo para mim, a Fnac de Pinheiros. E não é que eu encontrei o meu professor lá? Escondido no meio de um monte de livros, num cantinho bem embaixo de uma prateleira na seção de religião. Peguei o livro Portões da Prática Budista, olhei para a foto do velhinho na contracapa, achei ele parecido com o Mr. Miyagi, do Karatê Kid, senti a maior confiança na imagem dele e comprei o livro. Um dia, na casa do Marcão, vi um retrato do Rinpoche pendurado e reconheci como o mesmo velhinho do livro. O nome dele é Chagdud Rinpoche, um grande mestre tibetano que morava no Brasil. Tudo que eu sei sobre o budismo aprendi com ele. Depois que ele faleceu, passei a ter seu filho, Jigme, como professor.
O que você aprendeu com o budismo?
Sabe o filme Matrix quando o Morpheus pergunta para o Neo se ele quer tomar a pílula azul e continuar dormindo ou tomar a pílula vermelha e despertar? Me sinto assim com o budismo, é como escolher a pílula vermelha, não dá para voltar atrás. Aprendi a ser menos dramática. Que a vida é curta e preciosa, perder tempo reclamando é um desperdício, é como ir ao show do Radiohead e ficar reclamando do gosto da cerveja. Aprendi a ficar feliz com o que acontece de bom e deixar ir, e a não sofrer tanto com os perrengues. Que tudo passa, nada dura para sempre. Não quero defender o budismo como a melhor coisa do mundo, cada um, cada um, né?
Como foi a decisão de se mudar para a Índia? Qual foi a reação das pessoas próximas a você?
Todos os anos no Losar, Ano-novo budista, sento com o meu professor, passo a limpo o ano e faço planos para o próximo. Este ano, a gente achou que vir para a Índia seria a melhor coisa a fazer, tanto para mim quanto para a minha filha. E, bom, todo mundo ficou chocado. Imagina, mudar para a Índia com uma criança de 2 anos! Acho que no geral, apesar de respeitar, as pessoas não entendem muito bem essa decisão. Mas também ninguém vive no meu coração para entender, cada um entende o que consegue ver.
Como é seu dia a dia por aí?
Supertranquilo, uma delícia. Como tenho uma filha pequena, optei por não ficar viajando muito e ter uma vida com rotina de casa e escola, criança precisa e gosta de rotina. Tem vaca para tudo quanto é lado. De manhã levo a Gra a pé para a escola, geralmente pegamos congestionamento de vacas na trilha que vai para a cidade, e vou fazer meditação no monastério Nyngma. Só tem eu de mulher, todos os outros são monges tibetanos, mas eles são superqueridos comigo. Pego a Gra na escola, cozinho, essas coisas que mãe faz. Sempre viajamos para as cidades mais próximas para passear, Macleodganj, Bir, Daramcort, Dharamsala…
Você já está dominando o idioma?
Bem que eu queria falar tibetano. Descobri que tem aulas de tibetano em um instituto do Dalai Lama aqui perto de casa. Tô criando fôlego! Todo mundo fala tashi delek o tempo todo por aqui, que é o equivalente a namastê para os indianos. Falo kadrintche, que quer dizer obrigada, uso “La“ quando falo com alguém querido, tipo Maria-la quer dizer querida Maria, um jeito carinhoso de tratar um homem ou mulher. E palavras e expressões ligadas aos textos que eu estudo no budismo.
Alguma coisa te surpreendeu quando chegou?
Um monte. Andar de carro em qualquer lugar da Índia exige nervos de aço. Você acha que vai morrer o tempo todo. Como eles dizem por aqui, para andar de carro na Índia a pessoa precisa ter “boa buzina, bons freios e boa sorte”! Morar num Estado que não tem coleta de lixo é uma loucura. E principalmente o jeito que as mulheres são tratadas, é chocante. A Índia é uma algazarra, ou você adora ou sai correndo.
Você assistiu a algum capítulo da novela Caminho das Índias? O que achou da representação do país feita na novela?
Assisti para mostrar para a Graziela o lugar para onde a gente iria mudar e para ver o meu cunhado, o Caco. Assisti poucos capítulos, mas, tirando o lado folhetim, os casamentos arranjados são como na novela. A superioridade masculina, a sogra malvada, as castas, os comerciantes truqueiros. Mas para conhecer a Índia, só ao vivo e em cores, um monte de cores.