Sem calcinha no meio de um terremoto de 6.9 graus de magnitude

por Elka Andrello

À caça de uma calcinha na pilha das roupas passadas.Tudo certo até a casa começar a tremer

Domingão, seis e pouco da noite. A Graziela está assistindo desenhos na TV e eu acabei de sair do banho à caça de uma calcinha na pilha das roupas passadas. Passei o dia com a Grazi e as amigas dela na piscina do Hotel Shankar, em Kathmandu. Ainda estamos no final das monções, época das mega chuvas nessa parte da Ásia. Todos os dias, durante meses, a chuva alaga a cidade e destroe a chapinha. Tudo dentro da rotina até a casa começar a tremer como gelatina.

A primeira a perceber foi a Grazi, que estava na sala da nossa casa que é enorme e cercada por varandas e janelas de vidro. Eu, como disse, estava muito ocupada no quarto todo acarpetado, só de camiseta procurando uma calcinha.

Grazi (de olho arregalado e meio entrando em pânico): Mãe, que barulho é esse?

Elka (calma, meio pelada): Nossa que barulho! Acho que é o vento da tempestade chacoalhando todas as janelas!! Que saco, quando essas monções vão acabar, não aguento mais ficar com o cabelo crespo!!!

Elka (meio assustada e ainda meio pelada), percebe que as janelas estão quase quebrando e acha que essa é a pior tempestade ever!

Graziela (grita assustada): Tô com medo!

Elka (bem assustada e ainda pelada): Caraca o lustre da sala está batendo no teto mas TODAS a janelas estão fechadas, então não é o vento!

Elka (surtada e pelada): PQP!! O chão tá tremendo!!! É UM TERREMOTO!!!!

Som na rua (pessoas gritando e todos os cachoros de Kathmandu latindo ao mesmo tempo)

Nunca foi tão difícil achar um catzo de uma calcinha e sair correndo de casa. Eu sou tão despreparada para um evento como um terremoto, que ainda pensei se colocava um cinto ou não. Eu sempre achei que no caso de incêndio, bombardeio, ou fim do mundo, antes de sair de casa, além de obviamente pegar minha filha, levaria comigo um documento e meu Macintosh (R.I.P. Steves Jobs). No caso, eu peguei a minha filha, por pouco não peguei um cinto de couro, e nem lembrei que eu tenho um Mac. Tudo isso durou 43 segundos.

Já na rua, vestida porém sem cinto, de mãos dadas com o que realmente importa na vida, a Grazi, achei um lugar sem casas ou postes por perto. Comecei a reparar na reação dos nepaleses. A primeira pessoa que vi, foi um homem de menos de 30 anos passar pela gente correndo completamente em pânico em direção à casa dele. Foi incrível ver que enquanto todos corriam para fora de casa, ele sem se preocupar com a sua segurança pessoal, quebrou o recorde mundial de velocidade para se certificar que a sua família estava bem. Eu faria o mesmo pela Grazi. As famílias estavam na rua, em grupos, as mães espremendo os filhos no colo e os homens rindo, achando a maior graça. Fiquei com vontade de chorar, a sensação de impotência que um terremoto causa na gente é gigante. Não tem para onde fugir! Foi impossível ligar para algum conhecido dentro do Nepal, as linhas telefônicas (que não são exatamente uma beleza) estavam congestionadas. Tudo o que eu queria era ouvir uma voz familiar. Ouvir a voz da minha mãe e do meu pai virou a coisa mais urgente do mundo nesse momento.

No dia 18 de setembro de 2011, um terremoto de 6.9 graus de magnitude a uma profundidade de 20 km tremeu a terra no estado do Sikkin, noroeste da Índia, deixando pelo menos 63 mortos na Índia, Nepal e Tibete. A cidade onde moro com a minha filha, Kathmandu, fica há 270 km do epicentro do terremoto. Um homem que passava de bicicleta, uma mãe e uma criança de 8 anos morreram devido à queda de um muro da embaixada britânica. Eu passei nesse lugar, que fica há menos de 10 minutos de caminhada da minha casa, com a Grazi voltando da piscina uns 40 minutos antes. O terremoto foi forte, mas as montanhas do Sikkin absorveram a maior parte do tremor. Eu mesma não vi casas quebradas ou nada do tipo no dia seguinte. Conversando com os meus amigos, soube além da triste notícia das mortes por causa da queda do muro da embaixada, várias pessoas entraram em pânico no hospital público de Kathmandu e se jogaram pela janela quebrando braços e pernas.

Sou brasileira, venho de um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, trago mais essa história na bagagem da Ásia. Grata por passar por essa sem nenhum arranhão, mesmo que sem cinto.

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