Uma viagem ao centro do mangue
Primeiro disco da Nação Zumbi sem Chico Science, Rádio S.AMB.A é relançado em vinil e tem sua história contada em documentário
"Rádio S.AMB.A. era uma questão de autoafirmação", lembra o guitarrista da Nação Zumbi, Lucio Maia, sobre o disco que a banda lançou no ano 2000. Era o primeiro sem Chico Science, que havia morrido três anos antes, e que agora é tema de um documentário que estreia dia 13 de junho, dentro da programação do festival In-Edit. "A gente não tinha nada, não tinha perspectiva, não tava fazendo quase nenhum show e tocando um repertório difícil, porque Jorge ainda tava inseguro em relação às músicas antigas da época de Chico."
A primeira exibição de Rádio S.AMB.A.Doc será no Cine Joia, que também recebe a banda para tocar o disco na íntegra. Dirigido por André Almeida, o documentário foi produzido por Eduardo Medina, dono da gravadora Marafo Records, que decidiu lançar o álbum pela primeira vez em vinil. "O disco já tinha em nosso imaginário uma carga emocional muito grande, pois é resultado de um processo de superação e reinvenção no melhor estilo Vanzolini: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima", conta Medina. "Acho que, pra qualquer banda, perder o vocalista é uma ruptura muito grande, ainda mais se tratando de uma das figuras mais inventivas da música brasileira das últimas décadas", completa.
André e Medina já haviam trabalhado juntos quando a Marafo Records lançou em vinil o primeiro disco de Kiko Dinucci (que ainda tocava com o Bando Afromacarrônico), Pastiche Nagô. Na ocasião fizeram um minidocumentário e pegaram gosto pelo formato. No processo, convidaram o jornalista Vinícius Castro, do site Sounds Like Us, para ajudar na pesquisa e nas entrevistas.
Rádio S.Amb.A. - abreviatura para Serviço Ambulante de Afrociberdelia - é o resultado do fim de um luto resolvido na marra. Sem seu principal compositor, vocalista e líder carismático, a banda havia perdido não só sua cabeça, mas também seu rumo. A resposta para isso foi enfurnar-se em um casarão colonial no centro do Recife antigo que funcionou como uma sede da Nação Zumbi entre 1997 e 2001. O local pertencia ao ex-sogro de Jorge Du Peixe e originalmente serviria apenas como local para o grupo guardar seus instrumentos, mas logo a banda mudou a natureza dali.
Na época, eles trabalhavam de segunda a sexta-feira, com ensaios inclusive aos fins de semana. A banda jamais trabalhou neste ritmo novamente em sua história de mais de 25 anos. "A gente estava muito focado em compor, em criar uma nova identidade, voltar pra estrada... Ninguém dormia lá, o local virou nosso escritório, estúdio, ponto de encontro, depósito, local de festa, tudo. Era maravilhoso, a sede da Nação Zumbi. Até hoje a gente agradece profundamente ao senhor Geraldo Gomes e a mulher dele, Neilde, que nos receberam de braços abertos pra fazer o que queríamos", diz Lucio.
Durante as gravações do filme, a equipe foi até Recife ver de perto como é casarão, que acabou se transformando em um protagonista do documentário. O imóvel é cercado por três ruas: Aurora, Saudade e União. “Essas três ruas, com esses nomes poéticos e simbólicos, que têm tudo a ver com aquele momento da Nação, me deram a ideia de costurar o filme a partir desses cenários. Estar em Recife foi decisivo pra gente entender aquele mood, respirar o ar que o disco representa e que o documentário transpira", conta André.
"Rádio S.AMB.A é um disco único, mas pouco comentado", emenda Vinícius. "Ele chegou no fim de uma década que tinha nos presenteado com álbuns lindos do Massive Attack, Portishead, Asian Dub Foundation, Prodigy, e a Nação Zumbi parecia ter se colocado dentro desse mesmo universo de novos sons. Ao mesmo tempo ele é pesado - Lúcio Maia tinha gravado há pouco com o Max Cavalera no Soulfly - e orgânico, no sentido de transmitir uma banda de rock, coesa, tocando juntos e seguindo na direção que escolheu. É o registro de uma banda se reinventando."
Além de entrevistas com todos os integrantes da Nação, o filme também conversa com o DJ Nuts, a jornalista Lorena Calábria, Maurício Tagliari e Cacá Lima (ambos da gravadora YB), Fred Zeroquatro, entre outros. "É um disco muito mais importante pra gente do que para os fãs, muitos deles nem sabem que ele existe. O álbum entrou nas plataformas digitais atrasado", conclui Lucio. "É o momento de dar uma celebrada nesse filho, que ficou esquecido."
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