Se vira! O mundo é seu

Hoje, entendo o que a minha mãe quis me dar de presente: sacar desde cedo que dá para dar rolê sozinha

por Autumn Sonnichsen em

Eu tinha 7 anos quando fiz a minha primeira viagem sozinha de avião. Fui de Los Angeles, onde cresci, para Hong Kong. Minha mãe resolveu que isso seria uma ótima tradição para a formação de uma criança. Então, no dia em que completei 7 anos, fui colocada em um avião com meu passaporte pendurado no pescoço. Quinze horas depois, cheguei em Hong Kong, do outro lado do oceano, onde meu tio Larry me esperava. O mesmo processo aconteceu com a minha irmã: completou 7 anos, foi para Hong Kong sozinha e passou uma semana com esse tio.

Isso era 1990 e Hong Kong ainda era território britânico. Fui acolhida na casa de parentes, demos rolês voltados para crianças – me lembro de ter visto a Hello Kitty o tempo inteiro. Não foi algo que mudou minha vida, nem que eu estranhei.

“A gente vai ler livros na rede da cozinha e andar de metrô juntos, e depois te coloco no avião de volta”
Autumn Sonnichsen

O que acho mais bonito foi ter tido o privilégio de cair tão cedo nesse lugar frio, bizarro e longe, no colo de um tio que eu nunca tinha visto na vida. Para mim, isso era normal. Hoje, entendo o que a minha mãe quis me dar de presente. Não era a viagem: era a normalização do outro, do estranho, de entender desde cedo que dava para dar rolê sozinha.

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Gosto de pensar nos rolês em que eu iria jogar minha filha, se eu tivesse uma, nos mares que ela nadaria, nos mil tios e tias de sangue, ou não, que vão brotando pelo mundo para ela. E, assim que desse, eu colocaria ela sozinha nos aviões para ser acolhida por essas pessoas tão fantásticas.

“Hoje, entendo o que a minha mãe quis me dar de presente. Não era a viagem: era a normalização do outro, do estranho.”
Autumn Sonnichsen

Daqui a pouco, vai nascer um outro bebê, que ainda não tem nome e está curtindo a vida mansa na barriga da Mariana. Acredito que, até a hora que esse texto vir a luz do dia, ele vai ter nascido. Esse texto é para você, bebê-que-ainda-não-tem-nome, que teve a sorte de ter uma mãe que usou uma coroa de oliveira e entrou nessa nascente fria da montanha com as amigas para comemorar a sua chegada.

Eu sei que um dia ela vai te colocar em um avião até mim e vamos dar um rolê em Bali ou Senegal, ou mesmo em São Paulo, e vou te ensinar a comer escargot com o garfo certo, a tirar foto. A gente vai ler livros na rede da cozinha e andar de metrô juntos, e depois te coloco no avião de volta. Talvez você não se lembre desse seu primeiro rolê, mas vai ser o primeiro de muitos. Isso é o importante.

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Imagem principal: Autumn Sonnichsen

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