Que dureza
Após 20 anos, o Viagra se tornou um problema, ao invés de ser a solução, consumido por adolescentes e adultos saudáveis, que sofrem para ter ereções enquanto buscam um estereótipo antiquado de macho
Não era incomum o adjetivo “pau mole” em meio à metralhadora giratória disparada por Alexandre Frota nos seus acessos de fúria em entrevistas ou por meio de sua conta no Twitter. Isso até novembro do ano passado, quando o ex-ator pornô admitiu ter entrado com um processo contra uma empresa de plano de saúde por conta de uma cirurgia para implantar uma prótese peniana à qual se submeteu em 2014. Ele sofria “dificuldades extremas em obter uma ereção peniana satisfatória”, segundo constam nos autos do processo.
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Essa história, além de ilustrar a obsessão masculina pelo próprio órgão genital, exemplifica como a cultura falocêntrica não para em pé. Tanto que ela é apontada como uma das causas de um fenômeno recente que vem preocupando especialistas: a dependência psicológica de Viagra. Em 1998, quando chegou ao mercado a revolucionária pílula azul capaz de induzir ereções em homens que sofrem de impotência sexual, imaginava-se que seria destinada a um público mais próximo da terceira idade ou em condições de saúde que costumam gerar disfunção erétil, como hipertensão, diabetes e câncer de próstata.
Agora, passados 20 anos do lançamento do Viagra, o público-alvo da Pfizer (farmacêutica que foi detentora da patente) se tornou mais jovem, conforme pode ser observado nas campanhas publicitárias da marca no exterior. E adolescentes, que sequer tinham nascido em 1998, já fazem uso recreativo desse “santo remedinho”. “São cada vez mais comuns casos de homens que mal começaram a vida sexual e já fazem uso desse tipo de medicamento”, alerta o doutor Flavio Trigo, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia de São Paulo.
Além do Viagra (nome comercial da Sildenafila), o médico inclui nessa leva outras pílulas que proporcionam efeitos semelhantes, como Cialis (Tadalafila), Levitra (Vardenafila) e Helleva (Lodenafil). O uso indiscriminado desses medicamentos – os inibidores da enzima fosfodiesterase tipo 5 (PDE5), que controla o fluxo sanguíneo no pênis – pode trazer efeitos colaterais como dores de cabeça, vômito e problemas cardíacos, especialmente se combinados com álcool ou drogas ilícitas, tais quais ecstasy e cocaína. Portanto, só deveriam ser usados com acompanhamento e prescrição médica. Mas não é o que acontece com muitos homens que buscam o remédio por desempenho, e não por alguma disfunção. É moleza conseguir qualquer um dos inibidores de PDE5 que, embora rotulados no Brasil com a tarja vermelha (o que significa que deveriam ser vendidos apenas mediante receita, segundo a Anvisa), são comercializados indiscriminadamente pelas maiores redes de drogarias do país, inclusive on-line.
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Oficialmente, o Reino Unido tornou-se em fevereiro a primeira nação do mundo a não requerer prescrição na venda da Sildenafila para maiores de 18 anos. O Viagra Connect, de 50 miligramas, foi autorizado pelos órgãos reguladores britânicos como uma forma de combater a compra do remédio no mercado negro. Estima-se que a Sildenafila começou a se popularizar entre os jovens no Brasil a partir de 2010, quando o Supremo Tribunal da Justiça quebrou a patente da Pfizer e o medicamento genérico chegou às farmácias com preços acessíveis.
O Super-Homem não existe
Embora ainda não existam pesquisas relevantes acerca desse fenômeno no país, o consumo de inibidores de PDE5 por homens saudáveis com menos de 40 anos está preocupando especialistas. “O jovem toma o comprimido uma vez e se sente o Super-Homem. Aí inicia-se um triste ciclo em que o remédio se torna uma bengala e ele não consegue mais ter relação sexual sem estar medicado”, resume o doutor José Cury, urologista do Hospital das Clínicas, que diz já ter visto casos de garotos tão jovens, de 12 anos, por exemplo, consumindo inibidores de PDE5.
“Tenho 25 anos e nunca tive preocupação quanto ao meu desempenho sexual. Agora, estou inseguro. Consegui me aproximar da mulher mais bonita e gostosa da empresa em que trabalho. Convidei-a pra sair e, pra minha surpresa, ela aceitou. No primeiro encontro, fomos tomar um chope e nos despedimos com um longo beijo. Aí ela me convidou para jantar em sua casa no sábado. Fiquei apavorado, com medo de brochar. Então, aceitei a sugestão de um amigo e tomei um Viagra. Tudo correu bem. Vamos nos encontrar novamente hoje à noite. Não consigo decidir se é melhor tomar o remédio novamente e evitar correr algum risco.” Este foi o relato de um paciente da psicanalista Regina Navarro Lins.
Segundo ela, esse tipo de queixa, que tem se tornado cada vez mais comum no seu consultório, está diretamente relacionado à mentalidade machista resultante do patriarcado. “O sistema patriarcal estabeleceu um ideal masculino de força, sucesso, poder, coragem, ousadia, e, principalmente, nunca falhar”, avalia Regina. Gerações de homens que cresceram com esse ideal masculino de virilidade, ao mesmo tempo em que tiveram fácil acesso a filmes pornôs, têm dificuldade em aceitar uma falha eventual. E aí se forma um efeito bola de neve. “Se brochou a primeira vez, o homem vai ficar tão preocupado que essa tensão vai atrapalhar seu envolvimento e sua concentração no sexo quando tiver outra oportunidade. Aí o Viagra acaba sendo a solução mais rápida”, explica.
“Entre as cobranças que o homem se faz, tem aquela que diz que não se recusa mulher nenhuma, que não se nega fogo. Aí ele acaba indo para a cama com uma mulher de quem não está necessariamente a fim, ou em um momento em que não se sente tão disposto, e com certeza vai ter dificuldade em ter ereção. Então cria-se um círculo vicioso”, completa Regina.
Tenha calma, rapaz
Hoje com 33 anos, o publicitário que prefere não se identificar relata que sofreu de dependência do medicamento entre os 27 e os 30. “Saí com uma ex-namorada com quem eu queria reatar e fiquei tão nervoso que gozei em menos de um minuto. Aí, na vez seguinte, eu usei Viagra para impressioná-la. Acabamos não continuando juntos, mas depois disso comecei a sentir dificuldades toda vez que ia transar. Só superei isso com terapia e depois que conheci minha esposa. Aos poucos, fui me sentindo mais à vontade para transar sem comprimido e recuperei minha confiança”, relata o paulistano, pai de um filho de 2 anos.
“Outro dia eu atendi um rapaz de 26 anos que estava pensando em suicídio porque tinha brochado três vezes”, revela Regina Navarro Lins. Casos assim demonstram como, em vez de priorizarem a qualidade do ato sexual, muitos homens se preocupam exclusivamente com a performance do próprio pênis. “Dentro dessa cultura, o homem penetra a mulher rapidamente, com medo de perder a ereção, enquanto a parceira ainda nem está lubrificada, e isso também a atrapalha a sentir prazer”, diz a psicanalista, palestrante e autora de 12 livros sobre sexo e relacionamento.
Ela explica que a perpetuação do modelo machista não é só responsabilidade dos homens. “Muitas mulheres, também criadas nesses moldes machistas, acabam se sentindo ofendidas por uma brochada e cobram do homem um desempenho que deveria surgir espontaneamente.” E como sexo é troca, as duas partes ficam prejudicadas. “Assim, elas também deixam de gozar de uma vida sexual plena. Homens e mulheres têm de se alinhar para romper com o patriarcado”, alerta.
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Além de psicoterapia, a solução para a dependência de Viagra pode estar no sexo tântrico. Por meio de massagens que geram reações fisiológicas como fortes descargas elétricas, explosões de hormônios como ocitocina e dos neurotransmissores dopamina, serotonina e endorfina, instrutoras(es) ajudam homens a se reconectarem com o próprio corpo e, assim, relaxarem na hora H. “Quando um homem com esse tipo de problema vem experienciar a massagem, ele começa a se equilibrar mentalmente e percebe que não tem nenhum problema”, conta Dhyana Pri, sócia e terapeuta corporal do espaço tântrico Comuna Metamorfose. “Os homens são muito ligados ao script do sexo, condicionados a só sentir prazer genital, e não a experienciar o próprio corpo. E o tantra permite uma expansão dessa sensibilidade.”
O tratamento pode ir de massagens para equilibrar os chacras e explorar diferentes regiões do corpo a exercícios para tonificar o pênis, o que não deve servir de desculpa para o homem usar só a cabeça de baixo. “No tantra, a penetração é consequência, não o objetivo”, define Gatya, sócia e instrutora do Conexão Tantra. Em vez de se preocupar em segurar uma ereção, o homem tem mais é que tirar o pau da cabeça.
Homem em reconstrução
Por Iza Dezon*
Um dos aspectos mais interessantes da nova onda feminista é a compreensão de que, para atingir a verdadeira equidade, precisamos repensar tanto os modelos femininos quanto os masculinos. Não há discussão sobre o feminismo sem abordar também o lugar dos homens na sociedade.
Enquanto as mulheres lutam para se redefinir, os homens começam a expressar o desejo de superar os estereótipos e romper com a visão antiquada de seus papeis na sociedade, inspirados pelo ativismo e questionamentos da juventude pós-gênero.
Exemplo deste novo cenário, um estudo realizado em fevereiro pela Omnicom Media Group entrevistou mil pessoas e revelou que 50% dos homens e 59% das mulheres não se identificam como “masculinos” ou “femininos”.
Temas como virilidade, paternidade e estética estão renascendo através de manifestações mais sensíveis e menos autoritárias. A expressão do masculino, seja ela visual ou verbal, começa enfim a tornar-se mais livre, fluida e plural. Estamos ingressando em um momento aberto a uma linguagem mais natural, reveladora de emoções, sentimentos, carinho e afeto.
Um tema que faz parte dessa emancipação é o papel do pai. Estamos finalmente discutindo a licença-paternidade e honrando os homens que fazem a sua parte colocando a mão na massa (ou na fralda). Nesse caminho, dois exemplos se sobressaem. A campanha Super Dad, da Unicef, dá a palavra a celebridades como David Beckham e Hugh Jackman, que contam, através de momentos cotidianos (como pentear os cabelos de seus filhos), o quanto ser pai é importante para eles e vital aos seus pequenos. Já a marca sueca Acne Studios revelou um novo modelo de paternidade na campanha de Dia dos Pais em 2017, com fotos dos influenciadores americanos Kordale e Kaleb ao lado dos seus quatro filhos.
Em plena (r)evolução do gênero, a visão binária, seja de expressão corporal ou estética, vem sendo desafiada. Estamos começando a entender e investigar que o espectro de gênero vai muito além das caixinhas “masculino” ou “feminino”. Há uma mudança radical na definição dos papeis, linguagem, corpo, trejeitos, vaidades, etc., e isso é apenas o começo. Afinal de contas, se não convidarmos os homens para serem parte dessa mudança, como poderemos esperar que eles sejam parte da solução?
Créditos
Imagem principal: Camila Fudissaku
Camila Fudissaku