Melhor organizar direitinho
Falar de sexo todo mundo fala, mas fazer tem ficado cada vez mais difícil. A terapeuta de casais Ana Canosa alerta: “se seguir no ritmo de queda dos últimos 20 anos, em 2030 ninguém vai transar”
Na teoria, transar nunca foi tão fácil. Somos livres para falar e experimentar as mais diversas modalidades de sexo, livres para estabelecer qualquer tipo de acordo – de relacionamentos abertos a poliamorosos – e livres para pegar o celular e acessar um menu de infinitas pessoas nos aplicativos e redes sociais. Mas isso não significa necessariamente que todo mundo está transando muito, de todas as maneiras e gozando pelos poros. Na verdade, as estatísticas têm demonstrado o contrário: estamos fazendo menos sexo do que as gerações anteriores.
Um estudo realizado pelo professor David Spiegelhalter, da Universidade de Cambridge, e compilado no livro Sex by Numbers – What Statistics Can Tell Us About Sexual Behavior (Sexo por números – o que as estatísticas podem nos dizer sobre comportamento sexual, em tradução livre) avaliou que, em 1990, os casais faziam sexo, em média, cinco vezes por mês. Em 2000, a mesma pesquisa mostrou que o número passou a quatro vezes por mês e, em 2010, a três vezes por mês. Se continuar assim, em 2030 os casais correm o risco de não fazer mais sexo.
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O Brasil ainda engatinha nas pesquisas sobre comportamento sexual, mas minha experiência no consultório atesta que estamos indo pelo mesmo caminho. Tenho pacientes de 20, 30 e 60 anos, em diferentes estágios de relacionamento, e todos acham que estão transando pouco.
Até dez anos atrás, quem sentava à minha frente para se queixar da falta de desejo do parceiro eram, predominantemente, homens reclamando das mulheres. Hoje o cenário é completamente diferente: atendo uma série de casais heterossexuais que enfrentam a questão e posso dizer que, na maioria dos casos, é o homem que não quer transar. Novamente, as pesquisas atestam essa percepção clínica: segundo estudo alemão de 2017, em dez anos subiu de 8% para 13% o número de homens com dificuldades de sentir desejo sexual.
As causas
Vários autores defendem que o excesso de pornografia e da erotização resultam em uma habituação do estímulo sexual. Ou seja: vemos tanto, mas tanto, que ficamos um pouco insensíveis ao estímulo. No meu consultório, noto que alguns casais trocam o contato íntimo pela masturbação porque não entendem que o desejo espontâneo diminui ao final do apaixonamento (que dura, em média, dois anos) e que é preciso se mostrar interessado em transar. Para piorar, eles têm medo de tocar nesse assunto, tornando o sexo um tabu para o casal.
Também tenho observado que as pessoas carecem de intimidade, que é o que nos faz relaxar e nos conecta com o outro. As pesquisas que investigam a diminuição de sexo sugerem que há diferença entre estar em um relacionamento sério e estar solteiro. E surpreendentemente, quem está casado – ainda que enfrente a queda do desejo sexual – ainda transa mais e melhor do que quem está solteiro. Uma pesquisa da Viacom feita em 21 países apresentada no fim do ano passado revelou que 80% das pessoas casadas se sentem satisfeitas sexualmente, contra 60% das solteiras.
Cruze esse dado com os de sexo casual, uma experiência que tende a não ser tão prazerosa, e está feito o diagnóstico. Só 40% das mulheres atingem o orgasmo no sexo casual, revelou o levantamento feito com 24 mil estudantes em 21 universidades americanas, liderado pela pesquisadora Paula England, da Universidade de Nova York, entre 2005 e 2011.
O Pornhub, um dos site pornográficos mais conhecidos do mundo (são 92 milhões de visitantes por dia no mundo todo), apresentou as estatísticas de 2018. E quais foram os temas mais acessados no mundo? Primeiro: lésbicas. Segundo: hentai (os desenhos japoneses com forte conteúdo sexual). Terceiro, MILF (mom I would like to fuck), ou seja, vídeos com mulheres que são mães, que têm em torno 39 a 50 anos de idade, ou com o perfil que poderia ser o de uma mãe. Quarto: madrastas. Quinto: japonesas. Sexto: mães.
Antes que a gente faça uma leitura bem rasa de que os homens devem estar procurando a mãe em suas relações, eu diria (lembrando que não são só os homens que acessam filmes pornográficos) que nós, enquanto sociedade, estamos buscando mães. Freud estaria revirando no caixão com a história de Édipo: seguimos vinculados à experiência infantil. E isso faz todo sentido: as pessoas não namoram tanto quanto antes e, assim, não treinam relacionarem-se, lidando com frustração, raiva, ciúme ou negociando emocionalmente com o outro. As relações acabam antes mesmo de começarem.
Nunca fomos tão solitários e com tanta gente ao redor, ao menos em nossas redes sociais. Parece que nosso desejo está no que a figura da maternagem oferece ao outro: conexão, compaixão, socorro, empatia e acolhimento afetivo – e essa é uma interpretação que faço, por minha conta e risco. Dissociamos sexo de afeto. Sexo é uma coisa, amor é outra. Também acho, posso fazer sexo com ou sem amor. Mas o que esses dados do Pornhub apontam é que, no fundo, estamos querendo conexão, inclusive quando buscamos sexo explícito.
Créditos
Imagem principal: Ilustração: La Saló
*Ana Canosa (@anacanosa) é psicóloga, sexóloga e terapeuta de casais. Trabalha há 25 anos com sexualidade, é diretora da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana e editora da Revista brasileira de sexualidade humana