Veronica Oliveira: A elite brasileira precisa de uma faxina
Dona do canal Faxina Boa, ela discute a forma como as pessoas que fazem trabalhos domésticos são tratadas e promove o orgulho da profissão
Terminou o relacionamento? Limpa a casa. Se decepcionou? Limpa a casa. Quer se declarar pra alguém? Limpa a casa. Não tem nada que uma faxina boa não resolva. É o que defende Veronica Oliveira, dona do Faxina Boa, canal no Instagram que acumula mais de 300 mil seguidores. Mulher preta, da periferia da zona leste de São Paulo, mãe solo, sem paternidade no registro, palestrante, criadora de conteúdo e também faxineira. Sim, Veronica faxina como ninguém e tem o maior orgulho do que faz, ainda que tenha que batalhar todos os dias para subverter a imagem da profissão e acabar com os estereótipos. “Trabalho honesto não é pra ter vergonha”, fala.
Veronica não cresceu com uma vida difícil. Mas, aos 35 anos, em 2015, se viu com dois filhos pra criar sem o emprego de telemarketing que a sustentava. Foi aí que entrou pra vida da faxina. Por insistência de uma amiga, topou o serviço em troca dos R$ 150 e se encontrou. Nesse processo, não faltaram olhares de pena dos amigos ou desaforos como “você é tão bonita pra ser faxineira”. "Algumas pessoas acumulam sujeira em suas casas para 'fazer valer a pena' a grana que pagam pela limpeza", conta. "A elite brasileira precisa de uma faxina".
Hoje Veronica representa milhares de profissionais com seus relatos na internet. Recentemente, um vídeo em que reflete sobre a forma como os trabalhadores domésticos são discriminados foi assistido mais de 3 milhões de vezes e a Band chegou a estruturar um programa sobre o tema em que ela debateria ao lado dos jornalistas Mariana Godoy e Zeca Camargo. Mas Veronica nega o título de influenciadora. Ela prefere ser chamada de inspiradora digital. "Não quero influenciar nada, nem ninguém. Quero que as pessoas se inspirem a lutar por elas", diz.
LEIA TAMBÉM: Monique Evelle quer ser cada vez mais real
Tpm. O que você percebeu quando começou a faxinar na casa das pessoas? Onde os preconceitos se escondiam?
Veronica Oliveira. De repente alguns amigos passaram a dar aquela olhada de peninha... “Saiu do telemarketing, que era ruim, pra fazer algo pior”. Com alguns clientes era a coisa de não responder um cumprimento, da pessoa comer uma coisa e te oferecer outra “pior” ou ainda pegar coisas que claramente deveriam ir para o lixo e deixar numa sacola como “doação”. Ou de pequenas agressões travestidas de elogios como: “Menina, você até consegue se expressar bem” ou “você é tão bonita pra ser faxineira”.
Faxina no preconceito é serviço pesado? O mais pesado de todos, certeza! Quando me dei conta do caráter educativo da minha produção de conteúdo sabia que estava comprando uma briga ingrata pois mudar culturas estabelecidas desde sempre é difícil demais. Mas vale cada minuto de estresse quando eu vejo as transformações acontecendo. Recebo milhares de mensagens e vejo essa nova geração de trabalhadoras domésticas sentindo orgulho do que fazem. Compensa tudo!
A pandemia mudou a percepção da faxineira? A importância do trabalho doméstico foi evidenciada, mas agora transformar isso em ações já é outra história. Se uma profissional indicasse para o cliente a compra de um MOP que custa centenas de reais para que o trabalho dela rendesse mais, certamente a resposta seria: “Uma vassoura custa dez vezes menos e faz a mesma coisa.” Aí a pandemia veio, as pessoas precisaram fazer a própria limpeza e plau: a venda dos MOPs disparou. Entende?
As pessoas perceberam que não cai a mão fazer faxina? E o que cai? Uma coisa impressionante que aprendi: algumas pessoas acumulam sujeira em suas casas para “fazer valer a pena” a grana que pagam pela limpeza. Não cai a mão se você colocar o lixo pra fora de vez em quando ou lavar o prato que comeu. Sabe o que cai a mão? Deixar de pagar a faxineira porque estava “trabalhando demais e esqueceu de fazer o depósito” ou esquecer de avisar que quebrou uma taça na pia e está cheia de cacos de vidro.
Nos tempos atuais, aonde você recomendaria uma faxina? Brasília precisa de uma faxinona. A elite brasileira precisa de uma faxina.
Ser mulher negra e mãe solteira já te fez se sentir mal? Você é vista automaticamente como uma pessoa que falhou na vida segundo alguns critérios e eu meio que gabaritei: negra, moro na periferia, mãe solo e trabalhadora doméstica. Mas quanto mais me desafiam, mais prazer eu tenho em amar quem eu sou, respeitar minha quebrada e desejar o crescimento dela. Ver meus filhos superbem criados e trabalhando para mudar a percepção das pessoas sobre a prestação de serviços.
Seu filho escreveu numa atividade da escola: “uma mãe boa, uma casa boa, comida boa”. A maternidade nunca é fácil. Minha relação com a Claire está se moldando hoje em dia de forma mais madura, com ela adulta [está com 20 anos]. Depois de muito perrengue e desentendimentos. Com o Panda [seu filho mais novo, que tem 11 anos] as coisas foram mais certas, eu já estava mais adulta. A nossa relação em casa é muito aberta, tranquila e leve, todo mundo participa de tudo, desde bobagens como “o que vamos comer hoje?” até a decisão de para onde iremos nos mudar, os passos pro futuro. Estamos todos juntos aqui.
Você diz que sua história está contada no corpo. Que história é essa? A história de uma mulher que já passou por tanta coisa. Desde passar dos 42kg aos 120kg e hoje estar com 60kg, de carregar as estrias de duas gestações, ter os cabelos brancos do estresse e da idade. As tatuagens da estrela do Super Mario Bros, que é a responsável por dar a ele invencibilidade, um Hakuna Matata nos punhos pra lembrar que isso é viver, é aprender... Várias homenagens ao Tool, minha banda favorita, e diversas referências da cultura pop: o desenho do Pequeno Príncipe, o símbolo das casas do filme A vingança dos Nerds, a cena final do filme O Estranho Mundo de Jack, o nome dos meus filhos, um rodo e uma vassoura, uma xícara de chá mate... Tudo que é importante pra mim eu carrego no corpo.
LEIA TAMBÉM: Ser mãe em 2020, vai encarar?
A gente percebe pelas suas postagens e depoimentos que você é super bem-humorada e tem uma maneira muito positiva pra lidar com os perrengues da vida. Foi sempre assim? Pior que sim! Posso estar mal, mas faço piada com isso. É uma válvula de escape, claro, mas funciona demais pra mim.
Como resolveu criar o canal Faxina Boa no Instagram? Gosto de contar histórias e amo redes sociais. Queria mesmo era divulgar meu trabalho e mostrar um pouco como era meu dia a dia, mas de forma alguma achei que um dia teria mais de 300 mil pessoas me seguindo ou mesmo trabalhar com marcas e fazer tantas coisas maravilhosas como venho fazendo.
Precisa estar bonita pra por a cara no feed? Definitivamente, não. Se fosse assim eu já tinha desistido. Além de não ter uma beleza padrãozinho, não pareço em nada com as influencers que existem. Por isso até criei meu próprio termo, que é “inspiradora digital”. Não quero influenciar nada, nem ninguém. Quero que as pessoas se inspirem a lutar por elas.
Existem momentos de solidão dentro da internet? Eu recebo milhares de mensagens e 95% são positivas, mas ainda assim a síndrome da impostora me pega forte e eu geralmente me sinto muito sozinha. 300 mil seguidores não são nem de longe 300 mil amigos ou, mais ainda, não são 300 mil reais, sabe? Estou na mesma, pegando meu trem na quebrada pra chegar no centro, fazendo minhas coisas da mesma forma e lutando pra passar pela síndrome da impostora.
Você é uma sobrevivente? Certeza, e várias vezes. Mais do que sobreviver a uma tentativa de suicídio, eu sobrevivi a todas as dores, às críticas, ao meu próprio julgamento, às pessoas que já me fizeram mal, sobrevivi à fome e sobrevivo lutando contra a depressão, que ainda é minha companheira de vida.
Ir pra TV é sonho ou conquista? Quais são seus planos? Sonho de criança. Começou com o clássico desejo de ser paquita da Xuxa e se consolidou com o desejo de ser VJ da MTV na adolescência. Adulta eu queria ser apresentadora de telejornal ou ter um programa de entrevistas. Mas a vida dizia tanto que não era pra mim que o sonho foi sendo varrido pra debaixo do tapete. Hoje em dia eu já voltei a sonhar com a possibilidade. Quase rolou o programa na Band e outro dia o Luciano Huck recomendou um post meu. Uma hora acontece. Outro sonho era escrever um livro e aconteceu. O livro vai ser lançado agora no começo de novembro pelo selo Latitude, da editora V&R. Só não estou divulgando o nome.
O Emicida diz que “sonho é planejamento”. Já sabe quando vai pra Disney fazer a foto para o Paulo Guedes? Não vejo a hora! Eu ainda tenho mais raiva que ele disse que era pra ir pra Foz do Iguaçu e eu tava lá no dia (risos). Taí uma certeza que eu tenho: vou pra Disney um dia.
Créditos
Imagem principal: Divulgação