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Mulher de trinta

Ariane Abdallah
Letícia González
Letícia Gicovate
Natacha Cortêz
Marcela Bourroul

por Ariane Abdallah
Letícia González
Letícia Gicovate
Natacha Cortêz
Marcela Bourroul
Tpm #165

Conquistas, luta de gente grande, voz ativa, anos de prática: nove mulheres de 30 anos contam seus planos para mudar o mundo

Arrependimentos, mudanças de ideia, guinadas nas escolhas, coragem para empreender no mercado e na vida. Ponha de lado as velhas prisões femininas, como o casamento ideal, o emprego dos sonhos, a maternidade idílica e a casa própria: a trajetória dessas garotas fala menos sobre “sucesso” e expectativas alheias e mais sobre o prazer de ser fiel a si mesma. Nove mulheres de 30 anos contam como chegaram até aqui e mostram para onde estão caminhando

JULIANA LUNA
Consultora de moda, artista, atriz e uma das criadoras do project tribe, que empodera mulheres negras através da moda

A julgar pela biografia de Juliana, é fácil enganar-se que ela tem bem mais do que seus 30 anos. A consultora de moda carioca passou dois meses hospedada na casa de Nelson Mandela, quando namorou o neto do líder africano. Nessa época, conheceu Barack Obama. E ele lhe fez a pergunta que hoje dá a direção de sua vida: “Qual é a sua responsabilidade?”. “Tenho 30 anos e o entendimento de que faço diferença no mundo”, diz a garota que nasceu em Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Os turbantes, sua marca registrada, conheceu durante os três anos em que morou nos Estados Unidos. “São um símbolo de força.” Eles estão no centro do Project Tribe, criado por ela para apoiar o empoderamento feminino. E, julgando por sua própria história, ela sabe que se manter forte é importante. “Existe este estigma de que aos 30 anos já tem que ter a vida encaminhada e estar casada, como se isso refletisse sucesso. Tem sido um exercício me livrar das prisões que são esses conceitos antigos”, diz. E ela se preocupa em resistir. “Não quero deixar que a sociedade influencie minhas escolhas só por causa da idade que eu tenho. Sou feliz com a minha trajetória. Eu sou o capitão do meu barco.”

DIANE LIMA
Criadora do nobrasil, projeto que dá voz para quem está transformando o país pela diversidade, e da campanha #deixaocabelodameninanomundo

Diane carrega sua ancestralidade pelas ruas da Vila Madalena, bairro paulistano onde mora há dois anos. Baiana de Mundo Novo, ela escolheu São Paulo porque queria expandir seu universo, chegar em mais pessoas. Seus planos buscam por transformação na raiz das coisas. Ela acredita que o poder está nos espaços de criação. E é isso o que faz no NoBrasil, onde atua no eixo interdisciplinar entre arte, design e educação, discutindo e difundindo a diversidade brasileira. Com o AfroTranscendence, seu evento que reuniu artistas negros de diferentes linguagens, participou da African Diaspora Investment Symposium, que aconteceu no Vale do Silício, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Diane tem pressa para colocar tudo em prática, mas não conta o tempo. Para ela, 30 é apenas número. “Me planejo muito e posso dizer: estou onde sempre quis. O que não estava nos meus planos era o cenário político atual. Eu imaginava um futuro mais promissor para o Brasil. Mas a gente não controla tudo, né?”

MAHMUNDI
Cantora e produtora musical

Em uma sexta-feira à tarde, Mahmundi estava deitada no sofá sem fazer nada quando a reportagem da Tpm ligou. A cena resume o que a proximidade dos 30 anos significa para ela. “Estou vivendo um momento de tranquilidade depois de ter trabalhado tanto”, diz. Nascida no subúrbio do Rio de Janeiro, Mahmundi montou muito show como funcionária do Circo Voador, famosa casa de espetáculo carioca. Aos 25 anos, abriu mão do emprego, voltou para a casa dos pais e encarou os desafios cotidianos de subir no palco como uma artista iniciante. “Você está produzindo música e sua mãe grita para você ir ao mercado.” Em 2013, ganhou um prêmio do canal Multishow e lançou seu EP Setembro. No ano passado, assinou com o selo da Skol Music e mudou-se para São Paulo dedicada a se desconstruir. E isso envolve quebrar o padrão que colocou pra si mesma. “Imaginava que aos 30 estaria casada e teria filhos. Venho de uma família conservadora em que todos optaram por serem pais e eu achava isso bonito.” Hoje Mahmundi se reserva uma “aventura mais refrescante”, como ela mesma diz. E se sente começando a vida agora. “Deixa casar pra lá, minha meta é fazer um passeio de balão.”

ANA WAINER
Stylist e criadora da revista MAIS55MAG

Ela achava que seu futuro era na diplomacia, mas estudando em Nova York entendeu que não estava ali exatamente pela paz mundial. E tudo bem. Estava claro que nem sempre a vida é sobre saber para onde vamos. Às vezes é errando que o caminho certo esbarra na gente. Escapando da primeira escolha, encontrou uma turma da moda e as coisas começaram a se encaixar. Voltou para o Brasil certa de que seria stylist. Ainda assim sobravam boas ideias. E, como não havia um meio ideal pra todas as imagens que brotavam, Ana foi lá e fez seu meio. Nascia a MAIS55MAG, uma revista independente que chega a sua segunda edição misturando o que há de mais fresco com o que é atemporal. Não que tenha sido fácil. No caminho foi preciso persistir, perder, ganhar e desistir. Os 30 chegam incomodando, causando frio na barriga e ansiedade. “Sei que esse medo de que aos 30 tudo fique sério demais é mito, mas o sentimento é genuíno, algo irracional.” Quando mais nova, Ana imaginava que chegaria aos 30 casada, com filhos e rica. Mas garante que o cenário é bem melhor. “Sou apaixonada pelo meu trabalho, estou tranquila com o que sou e, hoje, sei exatamente pra onde quero ir.”

VIVIAN CACCURI
Artista e dona de trabalho que cria relações entre fenômenos sonoros, espaço público, arquitetura, voz e imaginação com performances e instalações

A trajetória de Vivian soa como música tranquila, que pode se desviar pra uma cacofonia caótica e voltar ao prumo, forte e profunda como uma sinfonia. A artista encontrou cedo seu ritmo, numa rotina de estudo e disciplina que contraria o clichê mofado que envolve a vida dos artistas. “Quando era mais nova eu me idealizava um pouco. Me imaginava aos 30 mais solitária do que sou hoje. Aquela ideia clássica de artista plástica fechadona”, diz. Cheia de amigos, prêmios e planos ela segue investigando o som e o silêncio que transbordam dos espaços ou simplesmente nos fazendo dançar. Ouvindo os próprios barulhos, ela já foi da Finlândia a Gana, passando pela antiga fábrica da Bhering, um galpão abandonado que ela ocupou e transformou num dos pontos mais efervescentes do Rio. Seus próximos passos a levam à Bienal de São Paulo, sem perder de vista a busca por harmonia de seu mundo interno com o externo. “Sempre fiz força pra não me contaminar com os tabus de 30 anos. E hoje vejo que o que me diferencia das meninas mais novas são as quedas, as dores. Acho que depois dos 20 começamos a perder umas ilusões. E isso é bom: estou na minha melhor fase de trabalho, energia e foco”, diz a artista que trocou São Paulo pelo Rio para se juntar ao namorado, com quem está há 10 anos.

NINA WEINGRILL
Diretora da Énois, escola de jornalismo para jovens da periferia escolhida pelo BID como uma das 16 startups mais inovadoras da América Latina

Os 30 anos de Nina foram aos 28. Foi com essa idade que ela se tornou mãe e que a Énois ganhou sede própria e estrutura de gente grande. A escola de jornalismo que ensina jovens da periferia de São Paulo a reportar e refletir sobre seus bairros, vidas e vontades virou o projeto de vida daquela que sempre desejou fazer alguma diferença. “Desde pequena eu queria mudar o mundo. Hoje, sei que essa mudança está nas decisões do dia a dia”, diz Nina. E em uma tarde de 2009 ela decidiu, ao lado da hoje sócia Amanda Rahra, criar uma oficina de comunicação para adolescentes no Capão Redondo, uma das regiões mais violentas do país. Quando um levantamento sobre a falta de professores enfureceu as autoridades, a ficha caiu: “Foi para isso que estudei jornalismo”. E é com essa história que Nina chega aos 30 anos se sentindo “supernova” e tranquila. “Hoje entendo mais os meus limites. Virar mãe e trabalhar com mulheres da periferia foi importante para eu entender o que é ser mulher. E é foda pra caralho.” Sua batalha diária é por financiamento e o sonho está em um dia passar o comando da Énois para os próprios jovens.

MARINA GANZAROLLI
Advogada e mestra em gênero e produção legislativa, presta apoio a mulheres que sofrem abuso dentro e fora da universidade

Marina não chega aos 30 como havia planejado – chega muito além. “Não imaginei que tantas portas se abririam. Achei que meu caminho seria mais acadêmico”, diz. Ela é o fio da meada de um grupo de 60 profissionais (entre elas uma juíza, advogadas, procuradoras, psicólogas e policiais civis) unidas para prestar ajuda jurídica gratuita a mulheres vítimas de estupro, slut-shame e violência doméstica. A militância começou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, com o coletivo feminino Dandara, e em pouco tempo Marina estava na CPI da medicina da USP, denunciando casos de violência sexual no campus. Hoje ela se sente dividida entre querer parar nos 29 anos e ansiar pela maturidade que o futuro lhe reserva. “Os 30 vêm com uma cobrança moral e cristã da sociedade, mas trazem também segurança pra você enfrentar as violências simbólicas”, diz. Casada com uma mulher há cinco anos, hoje Marina briga para que sejam vistas como unidade familiar. Mas garante que se livrou da maior prisão, que é não conseguir reconhecer sua identidade.

ROBERTA MARCONDES COSTA
Estudiosa da Cracolândia de São Paulo, uma das criadoras do bloco feminista da marcha da maconha e adepta do Movimento Autônomo

O que Roberta está fazendo nestas páginas? Ela se pergunta isso, afinal, tudo o que fez até aqui foi uma construção coletiva. Foi assim quando fechou os portões da USP num protesto em 2004 e virou liderança estudantil. Foi também em grupo que em 2014 criou o coletivo Sem Terno, pra frequentadores da Cracolândia. O fato de pessoas próximas terem sido usuários de crack a aproximou do tema. “Sei que a pessoa que está na pedra tem uma vida tão complexa quanto a minha.”  Foi ali, no centro de São Paulo, que ela começou a trabalhar com dependentes químicos, primeiramente com a ONG É de lei e depois em coletivos independentes. Roberta acredita no coletivo e há 6 anos é adepta do Movimento Autônomo que milita fora de estruturas hierárquicas. Hoje ela se une a outras mulheres em prol da legalização das drogas e do direito ao prazer. Em volta dela, os 30 anos parecem uma brisa e aquela adulta chata que desenhava quando nova nunca chegou. “Os aprisionamentos são sociais e acabamos reproduzindo isso na gente. As mulheres foram colocadas num lugar muito restrito. Minha luta é para sairmos dele.”

DEB XAVIER
Criadora da plataforma de empoderamento profissional feminino jogo de damas, embaixadora do Women’s Wntrepreneurship Day, da ONU, e primeira parceira brasileira da ONG Lean in, de Hillary Clinton e Sheryl Sandberg

Deb Xavier é uma marca. Ou benchmark, como ela explica. Alguém que chegou antes, acertou e errou e, agora, serve de exemplo. Falando de machismo no mundo do dinheiro, reuniu milhares de mulheres. E, aos 30, está tentando descobrir quem é a Débora, essa mãe solteira que marca encontros por aplicativo e aprendeu a ser gentil consigo mesma ao mesmo tempo em que discute o empreendedorismo feminino e o papel da mulher no mercado de trabalho. “Me culpava por não ter diploma. Hoje vejo que estava criando minha filha.” Menina prodígio, Débora engravidou aos 15 de um colega de escola e escutou de muita gente que deveria parar de estudar. “Nessa época eu pensava em ser astronauta, princesa ou secretária. E achava que aos 30 estaria casada, teria um casal de filhos, seria rica e muito adulta, mas nada disso aconteceu. Ainda bem, sou mais realizada assim.” Até há pouco tempo sua preocupação era ter grana para dar para a filha a comemoração de 15 anos que ela quisesse, fosse festa ou viagem. Só não contava com o fato de a menina estar sendo criada por Deb: “Ela não quer nada disso!”.

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