por Renata Leão
Tpm #102

Boa moça e chatinha? Chegue perto da atriz que mudou sua imagem como a Jessica de ’Passione’


Você também comprou o pacote Gabriela Duarte = filha comportada + garota boazinha + sem graça? Se enganou com a embalagem e comprou o pacote errado

A menina de 8 anos não via a hora de encontrar o pai para lhe contar a novidade. Correu então até seu escritório. Acomodou-se na cadeira à sua frente e deu a notícia: “Papai, me convidaram para fazer uma novela e eu vou”. Marcos, administrador de empresas, ouve calmamente a filha e responde: “É mesmo? Me conta melhor essa história”. Ela, então, diz que recebeu um convite para entrar na Globo e ser atriz como sua mãe. Foi aí que ouviu o primeiro e mais importante “não” de sua vida. “Não vai, de jeito nenhum. Você não tem idade para se levar a sério nem para ter uma rotina puxada de entrar no Projac às sete da manhã e sair às oito da noite. Você tem que ter tempo livre para não fazer nada, brincar e estudar.”

Foi assim que, ainda antes dos 10 anos, Gabriela Duarte aprendeu que o melhor lugar para ter seus pés era o chão. Seu pai lembra da cena até hoje. E diz que, ali, já sabia que a filha não teria outro destino profissional a não ser o de atriz. “Ela não chorava como as outras crianças. As lágrimas saíam de seus olhos feito um rio, era um drama”, lembra Marcos, que, logo após a ocasião, incentivou a filha a começar por onde julgava mais digno. “O teatro amador. É por aí que todo ator deve começar, sem a responsabilidade de acertar.” Marcos separou-se de Regina Duarte quando Gabriela tinha 4 anos e o filho mais velho, André, 8. Como a menina morava no Rio com a mãe – visitava o pai nos fins de semana em Campinas –, Marcos a matriculou no Tablado, a escola de teatro de Maria Clara Machado.

Regina já era famosa, namoradinha do Brasil mesmo antes de Gabriela nascer. “Minha mãe nunca se opôs a nada, mas também nunca interferiu, nunca me incentivou a fazer ou a não fazer”, conta a atriz. Com a mãe, aliás, ela já foi por demais comparada, e essa comparação já rendeu dezenas de matérias de revistas, sites, jornais. Deu. “Adoro minha mãe, ela é a fonte, a origem de tudo. Uma pessoa incrível por quem tenho o maior respeito, o maior carinho. Não me arrependo de nada do que fiz ao seu lado”, solta. “Apenas amadureci, cheguei à conclusão de que precisava seguir um caminho meu.”

Sentada no chão de seu apartamento no bairro dos Jardins, em São Paulo, Gabriela conversou com a reportagem da Tpm por mais de três horas. Dispensou a empregada mais cedo, trouxe da cozinha uma bandeja com água e café e falou de todos os assuntos sem reservas. A cara estava lavada e a postura era a de uma mulher madura. “A mídia é monotemática. Precisa sempre criar histórias de drama e superação. Não tenho um grande drama. Nunca foi um peso para mim ter feito a Maria Eduarda, por exemplo.”

 


Maria Eduarda foi interpretada por Gabriela em 1997 em Por Amor. Filha de uma das Helenas de Manoel Carlos, dessa vez na pele de Regina Duarte, a personagem ganhou até um site intitulado Eu Odeio a Eduarda, que na época chegou a 8 mil leitores cadastrados. A personagem, piegas e dramática, ganhou a antipatia do público. “A Maria Eduarda é a tragédia que a mídia inventou para contar a minha história. Adoram dizer que foi um peso”, explica Gabriela. “E não é nada disso, não tenho problema nenhum com a Maria Eduarda.”

Revolução é pra quem pode
Antes de Maria Eduarda, Gabriela já havia feito um tanto de outras coisas. Aos 17 anos, depois de ter atuado em novelas como Top Model, em que virou ícone adolescente interpretando a filha mais velha do Gaspar (Nuno Leal Maia), ela quis entrar no CPT, o Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho. Passou um ano com o diretor. “O Antunes me ensinou que para ser ator é preciso ter disciplina e dedicação absoluta. Levo isso comigo até hoje.” Depois, rodou a Europa com Bia Lessa, com as peças Viagem ao Centro da Terra e Orlando. De 1993 a 1995, desvendou o Brasil em um ônibus com Confissões de Adolescente, sucesso de Domingos Oliveira que lotou teatros por onde passou: “A gente era meio Beatles. A molecada enlouquecia”, lembra. Morou em Nova York por um ano – foi estudar o método Stanislavski, no Lee Strasberg Theatre & Film Institute. De lá pra cá, fez várias participações em programas da Globo e oito novelas. Além da experiência em Por Amor, trabalhou com a mãe na minissérie Chiquinha Gonzaga. No teatro, dividiu o palco com Regina Duarte em Honra, sucesso de bilheteria no Rio e em São Paulo entre 1999 e 2001.

Pronta pra levar
Quando se deu conta, porém, as pessoas tinham colocado Gabriela, embalada, numa prateleira. A das moças certinhas e, portanto, sem graça. Os ingredientes que compõem o rótulo foram sendo digeridos por ela aos poucos. “Sempre fui na minha, nunca falei muito. E, quando você não se expõe, as personagens falam por você”, analisa. “Acabou criando-se um estigma. As pessoas esquecem que minhas personagens não foram sempre as boas, as justas, as delicadas.” E então cita a Chiquinha Gonzaga da minissérie de 1999; a prostituta Justine, da novela Esperança (2001); e Bárbara, do filme O Vestido (2003), “autodestrutiva, viciada e de caráter absolutamente duvidoso”.

Mas Gabriela não é de se eximir de responsabilidade. “Eu não era aquilo que achavam que eu era, mas

não batalhei para mudar. Estava confortável. Fui deixando a vida decidir”, assume. Até que começou a se incomodar: “Por que as pessoas veem uma Gabriela que eu não sou?”. Nessa fase de questionamentos, conheceu o fotógrafo Jairo Goldflus, seu marido há nove anos. Ele a havia fotografado para uma campanha e, um ano depois, passaram a se ver. Cinema e jantares eram os programas preferidos. Começaram a namorar e, em três meses, ele a convidou para morarem juntos em seu apartamento. “Me encantou o fato de ele ser um cara maduro. É seis anos mais velho, é tão seguro do que quer, que isso me atraiu”, explica. “Sempre fui insegura, indecisa, e isso começou a mudar com a convivência com o Jairo. Eu era passiva, esquecida, vivia atrasada.”

Tão logo a rotina do dia a dia começou, Jairo passou a estranhar certas coisas, como o fato de Gabriela não ter o costume de acompanhar sua conta bancária pela internet e nem sequer saber suas senhas. Sempre teve quem fizesse esse tipo de coisa por ela, que nunca tinha, por exemplo, comprado uma passagem aérea ou levado um carro na revisão. “O Jairo me deu um chacoalhão. Nunca disse isso com palavras, mas foi como se tivesse me feito virar adulta. E eu percebi que, tudo bem, até ali as pessoas faziam esse tipo de coisa para mim. Mas eu queria tomar as rédeas”, conta. Jairo não imaginava que o choque de realidade tinha sido tão forte. “Foi uma coisa natural, a Gabi foi fazendo esse movimento sozinha. Se eu trouxe isso para ela, ótimo. Ela me trouxe outras coisas. Antes, minha vida não tinha tanta emoção”, contrapõe o fotógrafo.

Sob nova direção
A vida de Gabriela sempre foi envolta pela família. André, seu irmão, passou sete anos empresariando-a. Cuida da carreira de Regina Duarte até hoje. “Como nós duas éramos agenciadas por ele, viramos uma dupla dinâmica. Então chegou uma hora em que precisei parar. Tinha que entender quem era a Gabriela longe da mãe, do irmão. E, além disso, queria o relacionamento gostoso com o André de volta”, refere-se, sobre o desgaste do trabalho em família. “Aí houve um ato de revolução, que foi a chegada da Manu.”

Manuela nasceu loira como o pai, numa tarde cinzenta de agosto, quatro anos atrás. E mexeu profundamente com Gabriela. Lhe trouxe de imediato uma maturidade que ela não entende como veio, mas que a transformou rápido. “Senti a necessidade de reavaliar a relação com a minha mãe, talvez por ter saído da posição de filha”, reflete. “Foi difícil, mas necessário, libertador.”

Em 2007, seis meses depois de ter virado mãe, Gabriela foi fazer Sete Pecados. Ali, percebeu que não dava mais. “Estava num lugar que não queria ocupar”, revela. “Não era a novela em si, era eu.” Decidiu

batalhar por outros tipos de trabalho, nos quais poderia se sentir menos presa a estereótipos. Passou três anos sem fazer novela, até que, no fim do ano passado, recebeu de Silvio de Abreu o convite para encarnar a nada politicamente correta Jessica, de Passione: “Para mim foi um presente. Me sinto até hoje como uma criança de 3 anos abrindo pacotes no Natal, porque vai ficando melhor”, entrega. “Essa coisa de ela ser ninfomaníaca apareceu depois, eu não sabia que seria tão divertido. E tem o humor, que me faz sair leve das gravações.” Sobre os convites para posar na Playboy, ela solta: “Me olho na tela, às vezes vejo uns excessos nos braços, nas coxas, mas nada que me incomode. Para os meus 36 anos, estou ótima. Não tenho problema nenhum com nudez e até faria um ensaio. O que me incomoda na Playboy é o entorno, festa de lançamento, autógrafo, essas coisas...”.

 

“Minha vida não é interessante para quem vê de fora. E eu nem quero que seja”


Para fechar a conversa, Gabriela conclui que sua vida não é nenhuma montanha-russa, tampouco um comercial de margarina. “Sou uma pessoa normal. Minha vida não é interessante para quem vê de fora. E eu nem quero que seja.” E conta que ter ouvido aquele “não” de seu pai aos 8 anos foi fundamental. “Isso ficou comigo até hoje, como uma espécie de dado de realidade.” Silêncio. “Falei demais, né?” Silêncio novamente. “Você não vai me perguntar mais nada, as coisas que sempre me perguntam?” E precisa, Gabriela?

 

Estilo Drica Cruz (ABÁ MGT) Maquiagem Fábio Nogueira (Capa MGT) Produção Ana Luiza Toscano Assistente de foto Marina Najjar Gabriela vesta Camiseta Pop up store

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