ONU, mulher e trabalho: o debate precisa avançar

por Deb Xavier

O que gostei de ver – e o que não gostei tanto assim – no Women’s Empowerment Principles, evento da ONU que discutiu como a iniciativa privada pode contribuir com a equidade de gênero

"Costumo dizer em minhas palestras que a primeira vez que lidei com a questão de gênero dentro de uma instituição foi aos 15 anos, quando estudando no Colégio Militar fiquei grávida de minha filha. Tenho certeza: o que vivi ali ajudou a construir os valores da profissional que me tornei. Oito anos depois, participei de um programa de trabalho para estudantes em Nova York e tive meu primeiro contato com a ONU, como turista, numa visita guiada. Me lembro bem, mandei um cartão-postal para os meus pais: “Que eu nunca esqueça o dia que eu visitei a ONU, e que venham outras visitas!”.

Bem, estamos em 2016 e minha segunda visita enfim aconteceu. Fui convidada para o encontro anual do Women’s Empowerment Principles (ou Princípios de Empoderamento Feminino), que aconteceu em Nova York nos dias 15 e 16 do último março. O evento reuniu executivos, sociedade civil, governo e membros da própria ONU para discutir como empresas podem empoderar mulheres no ambiente de trabalho e no mercado e, ainda, como a iniciativa privada pode contribuir para a equidade de gênero nessas instâncias.

Participo de fóruns de discussão, tenho acesso às pesquisas e estudos em primeira mão e confesso, é raro me deparar com alguma informação inédita. O que de fato costuma me instigar nesses eventos são as pessoas, suas histórias e pontos de vista. No Women’s Empowerment Principles não foi diferente. Ouvir Fiza Farhan, do Paquistão, me inspirou. Aos 29 anos, ela é empreendedora e atua com energia limpa. Além do mais, pressiona de forma ferrenha o governo paquistanês em relação às políticas públicas para mulheres. 

“Mulheres da geração Y estão optando por ter menos filhos, ou ainda por não tê-los. Nunca se discutiu tanto a questão da não maternidade quanto hoje. ”
Deb Xavier

Do que vi, destaco ainda iniciativas como as da L’Oréal, que estabeleceu como meta a diversidade de gênero em seu quadro de colaboradores, e da SODEXO, que estudou em diversas empresas a correlação entre equidade de gênero e sucesso financeiro e mostrou que o equilíbrio de gênero em equipes está positivamente relacionado com a melhor imagem da marca, engajamento de colaboradores, crescimento orgânico, e mais, lucro. 

Por outro lado, no painel O mundo que queremos: entregando a agenda de desenvolvimento de 2030, um tema chamou minha atenção, e não positivamente: maternidade, creches e a mãe no mercado de trabalho. A ONU não entendeu, mas a questão das mulheres no mercado de trabalho não deve ser justificada por conta dos filhos. Existe, inclusive, uma pesquisa de Harvard apontando que o problema não são eles, e sim o marido e suas expectativas quanto à esposa. Parece absurdo dizer isso em pleno 2016, mas os caras ainda depositam em suas parceiras diversas atribuições. Da mulher que vai para o mercado espera-se ainda os papéis de mãe, esposa e "coordenadora do lar".

Aliás, outro ponto merece crítica. O tipo de família citado pelos painelistas da ONU, homem + mulher = filhos, não é mais regra absoluta. Meus caros, as mulheres da geração Y estão optando por ter menos filhos, ou ainda por não tê-los. Nunca se discutiu tanto a questão da não maternidade quanto hoje. Nem todas nós desejamos um marido e filhos. É preciso admitir que existem outras dinâmicas de família. Por exemplo, é hora de discutir as filhas que trabalham e que costumam ser as responsáveis pelo cuidado com os pais quando esses chegam na terceira idade, pauta ignorada pela ONU.

“Os caras ainda depositam em suas parceiras diversas atribuições. Da mulher que vai para o mercado espera-se ainda os papéis de mãe, esposa e 'coordenadora do lar'.”
Deb Xavier

No evento houve um momento de premiar CEOs que implementaram propostas para avançar a agenda feminina em suas empresas. Todos os premiados foram homens. Veja só, no evento dos Princípios de empoderamento das mulheres da ONU não havia mulheres sendo reconhecidas por seus trabalhos. Triste. Mais triste ainda porque ninguém quis falar sobre a questão. Deveria existir ali uma fala sobre como a participação feminina ainda não chegou no topo – nem nas Nações Unidas, diga-se de passagem, já que até hoje nenhuma mulher ocupou o cargo de Secretária Geral.

Também foram apresentados como os princípios de empoderamento feminino (WEPs) estão sendo implementados nos países. O Brasil ganhou um painel inteiro só pra ele, pois estamos em segundo lugar em número de empresas signatárias nos princípios. Diga-se de passagem, graças ao excelente trabalho da ONU Mulheres por aqui. A Adriana Carvalho, da ONU Mulheres Brasil, ainda comentou que no Brasil não podemos esquecer do aspecto racial ao falar de gênero. Num evento multicultural como este, ela foi a primeira pessoa a fazer esse recorte.

Acho paradoxal que nosso país esteja em segundo lugar e o Japão em primeiro. Perdemos posições no Gender Gap Report pela queda no índice de oportunidades econômicas, enquanto o Japão está enfrentando dificuldades em implantar a chamada Womenomics, política adotada pelo primeiro ministro Shinzo Abe para melhorar as condições econômicas das mulheres. Será que as empresas estão aderindo aos princípios como resposta a essa situação ou como uma política de relações públicas, pensando na imagem da empresa frente ao crescente poder de compra feminino? 

A cultura corporativa na qual estamos foi formatada dentro de uma sociedade que valida a receita homem + mulheres = filhos como estrutura familiar.  Se pensarmos a agenda de 2030 sem levarmos em consideração as mudanças que estão ocorrendo nesta estrutura, o mercado de trabalho não vai ser bom pra ninguém, muito menos para as mulheres. Admito, foi frustrante ver uma organização como a ONU, que acredito, deveria estar liderando discussões sobre gênero, desperdiçar a oportunidade de aprofundar debates sobre o tema, de ir além na discussão. Se, como disse o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki Moon, o objetivo é que não exista desigualdade de gênero até 2030, na minha opinião, a Organização precisa acelerar o debate."

A gaúcha Deb Xavier*, 30 anos, é criadora do Jogo de Damas, projeto de empoderamento econômico e profissional para mulheres. É também embaixadora brasileira do Women's Entrepreneurship Day e a primeira parceira brasileira do Lean In, ONG de Sheryl Sandberg. Este ano, Deb lançou a Impacta, consultoria que desenvolve projetos de diversidade de gênero e empoderamento da mulher no mercado de trabalho

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