Campanha #espalheseuhumor da Natura inspira conversa com o fundador, Wellington Nogueira, e com Vera Abbud, a primeira palhaça do grupo
Como manter o bom humor? Inspirados pela campanha #espalheseuhumor da Natura, fizemos essa pergunta a quem provoca o riso mesmo em situações tipicamente associadas à tristeza: os Doutores da Alegria. A organização já fez mais de um milhão de visitas a crianças em hospitais públicos com o programa de Palhaços Besteirologistas. Para Wellington Nogueira, fundador da associação, os Doutores da Alegria são empreendedores sociais. “Ajudamos as pessoas a entenderem que a saúde não é a ausência da doença e sim a conexão com nossa potência pessoal. É importante conhecer a si mesmo e não ter medo dessa autoconsciência”, diz. Nogueira começou o trabalho em 1991, aos 30 anos, após um período de internação do pai. Hoje, aos 55, tem orgulho da empreitada e diz que o melhor antídoto contra o mau humor é respirar e tentar rir de si mesmo.
Já Vera Abbud, a primeira palhaça do grupo, entrou para a ONG aos 25 anos, apaixonada pelo personagem que faz rir. Aos 50, acredita que o mau humor faz parte da vida, mas segue perpetuando a alegria. “O bom humor nos dá leveza. Nos mostra outras possibilidades”. Confira a entrevista com os dois:
WELLINGTON NOGUEIRA
Como surgiu o Doutores da Alegria? O que te motivou a começar essa empreitada?Em 1990, eu trabalhava como ator nos Estados Unidos e conheci o trabalho dos palhaços do Big Apple Circus Clown Care Unit nos hospitais de Nova York. Naquele ano retornei ao Brasil para visitar o meu pai na UTI do Incor. Ele pediu para eu fazer algo com as crianças de lá e combinei com uma enfermeira de ir na manhã seguinte. À tarde, meu pai entrou em coma. Varamos a noite e, às 8h, liguei para a enfermeira e disse que não estava com cabeça. Ela falou: "Falei para as crianças que vem um palhaço, você não vai me dar esse cano agora". Fui e foi muito legal. Quando terminei, meu pai tinha saído do coma. Depois, ele saiu do hospital –e eu tinha vindo para acompanhar sua morte. Estava com um sentimento de gratidão. No ano seguinte, voltei para o Brasil e comecei o trabalho.
Algum momento mais marcante nesses 25 anos de trabalho? Muitos, gosto de lembrar vários deles. Certa vez, por exemplo, aconteceu uma coisa bonita na UTI. Éramos uma dupla de palhaços, eu e um outro que tocava violão. A gente estava tocando uma música para a criança, aí o médico chegou e falou "Olha, um violão! Me empresta ele aí". Aí ele pegou o violão e começou a tocar um rock para a criança. Ela adorou, nunca tinha visto o médico fazendo isso, nem sabia que ele gostava de rock. Aquela criança e aquele médico estavam se relacionando como pessoas, não mais como médico e paciente.
Qual é a importância de manter o bom humor? Como manter o bom humor diante das dificuldades da vida? O bom humor é, na verdade, um recurso para ultrapassar as adversidades. É uma experiência transformadora que vivenciamos no hospital, mas que pode e deve ser replicada fora dele. Uma boa dica é olhar para as crianças, elas são os grandes mestres. A gente tem esse olhar de fazer o certo, de educar e disciplinar, mas é muito bom aprender com o ponto de vista delas também. É preciso ficar mais esperto e se deixar encantar e inspirar pela visão delas, que muitas vezes trazem as soluções.
Quais são os ingredientes necessários para ter alegria? Um bom antídoto contra o mau humor e, consequentemente, para ter alegria é você aprender a respirar e tentar rir de si mesmo. Já conheci muita gente tão mal-humorada que chegava a ser engraçada, não para elas mesmas, claro. É preciso ver como você fica ridículo quando escolhe o caminho do mau humor, uma maneira de não olhar para si mesmo. É aí que começa a doença.
VERA ABBUD
Como foi a sua história com o Doutores da Alegria? Como você descobriu o trabalho? O que te motivou a se juntar ao grupo? Em 1991, estava em cartaz no teatro Itália com o espetáculo de palhaço e Commedia Dell’Arte chamado Uma Rapsódia de Personagens Extravagantes dirigido por Christiane Paoli Quito e Tiche Viana. No final do espetáculo apareceu no camarim um homem muito animado dizendo que tinha chegado de Nova York há 3 meses e que estava trazendo de lá um trabalho de palhaços em hospital e gostaria de chamar mais um palhaço para trabalhar com ele. Achei o homem bem engraçado e a ideia de trabalhar com palhaço duas vezes por semana me encantou pois estava completamente apaixonada por esse personagem e queria exercitar o máximo possível. Aceitei fazer o teste e passei! Naquela época não tinha a menor ideia do que seria entrar num hospital, não dimensionava a complexidade que é esse ambiente, tudo era novo. Pouquíssimas pessoas trabalhavam com palhaço fora do circo. Foi a paixão pelo palhaço que me levou a aceitar esse trabalho que o Welington Nogueira trouxe de Nova York para o Brasil completamente pioneiro.
Você é formada em Ciências Biológicas, certo? Como a sua formação auxilia no trabalho do Doutores da Alegria? Entrei no teatro através da Biologia. Trabalhava na época com educação ambiental. Levava grupos de alunos para a ilha do Cardoso. Os numerosos dias com chuva e os alunos confinados num hotel me fizeram procurar um curso de teatro para poder realizar atividades indoor. Mas acabei me enveredando de vez pelo teatro. A biologia me ajuda sempre, na vida. Na observação da natureza que se traduz num olhar isento, sem julgamento, apenas reconhecendo os fenômenos, as peculiaridades dos seres vivos. De certa forma o teatro precisa dessa qualidade do olhar. Ambos são um estudo de como a vida se manifesta nesse nosso universo.
Como manter o bom humor diante das dificuldades da vida? Acho que no hospital deparamos com situações que nos fazem ver muitas coisas simples do dia a dia como uma dádiva. Nos faz relativizar as dificuldades. Mas o mau humor faz parte da vida também, pois senão seria uma vida anestesiada, irreal.
Qual é a importância de manter o bom humor? O bom humor nos dá leveza. Nos mostra outras possibilidades. O humor é uma reação à uma situação de desequilíbrio, é um jeito de falar de um assunto muitas vezes espinhoso mas sem aniquilar as partes envolvidas. É uma forma inclusiva de abordar uma situação. O riso contagiante é para todos, se não for assim temos alguma forma de constrangimento.