Depressão, Stephen Fry e a previsão do tempo

por Mariana Perroni

Depressão é coisa de gente chata, fresca, pitizenta e acomodada...?


Depressão é coisa de gente chata, fresca, pitizenta e acomodada. Infelizmente, essas percepções acerca de uma doença que atinge 20% das mulheres e 12% dos homens, em algum momento da vida ainda são comuns. Mais alarmante é o fato dessa infeliz estigmatização fazer com que dois terços dos pacientes com depressão não percebam que têm uma doença tratável e, com isso, não procurem tratamento. Por quê? Só por que a depressão não é visível ao olho nu? O diabetes também não. Mas ninguém questiona se alguém que carrega uma seringa de insulina é diabético mesmo.

Mesmo assim, preciso confessar que eu não fugia à regra. Por mais que eu já tivesse estudado as bases neurofarmacológicas da doença repetitivamente na faculdade, feito experimentos com roedores e lido artigos em várias línguas, eu insistia em rotular os pacientes como sem força de vontade para mudar o que os incomodava na vida. O que até é correto. Mas não porque eles queriam/escolhiam... Não era tristeza. Era um sintoma de uma doença.

E isso persistiu por vários anos. Até que, em 2007, a vida me mudou de time. Justo no ano em que iniciei minha residência de clínica médica num hospital do SUS, eu tive um quadro depressivo arrebatador. Ok, é fato que esse foi o ano em que me tornei responsável pelas vidas de 144 doentes distribuidos em 4 enfermarias. Eu, com 24 anos e minha experiência de recém-formada. Mas eu não estava com medo, muito menos triste.

Inicialmente, eu tentei ignorar as taquicardias e choros imotivados, o desânimo, os distúrbios do sono e a falta de apetite. Eu não tinha medo, nem motivo para estar triste. Repetia, como um mantra, para mim mesma que eu estava apenas me adaptando a uma fase nova. Por mais que o diagnóstico estivesse estampado no meu peito,  foi apenas quando me flagrei acordando taquicárdica e nauseada todos os dias exatamente às 4h17 (sem despertador) e que tinha emagrecido 5 kilos em duas semana,  que resolvi vencer meu tolo preconceito e procurar uma psiquiatra. Eu tinha chegado ao absurdo de andar pelos corredores do hospital, ao mesmo tempo em que eu olhava para os leitos e sentia inveja dos doentes, quietinhos e deitados sem que ninguém os importunasse.

Nunca imaginei que aquele ato de sentar na cadeira do consultório, expor meus sintomas e receber as orientações para o tratamento se tornaria um dos momentos mais decisivos da minha vida. Realmente acredito que, se eu não tivesse tomado a decisão de procurar ajuda, eu poderia ter comprometido toda minha vida pessoal e profissional e os shows, viagens, risadas, prêmios e missões que vim a ter depois de recuperada.

Toda essa introdução, na verdade, tem o propósito de apresentar essa carta com que me deparei num blog e que me fez relembrar minha própria história. Ela foi escrita pelo Stephen Fry, notável comediante e ator inglês, já diagnosticado com depressão grave também. Um homem que, mesmo sendo uma celebridade britânica com mais de dois milhões de seguidores no twitter, sentou e respondeu a uma carta de uma fã depressiva.

Escrevi esse texto há cerca de um ano. Mas ainda acredtio que toda e qualquer pessoa, profissional da saúde ou não, que viva em sociedade e, consequentemente, interaja com outros seres humanos deveria absorver seu conteúdo e transmiti-lo, de forma mais contagiosa que os vírus da gripe. Nunca se sabe quem você pode acabar ajudando. Direta ou indiretamente

Abaixo, encontra-se a tradução que fiz dela:

 10 de abril de 2006

"Cara Crystal,

Fico triste em saber que sua vida anda ruim. Deus sabe o quanto é difícil quando nada parece se encaixar e quando pouquíssimas coisas fazem sentido. Eu não sei se há algum conselho específico que eu possa te dar e que vá fazer com que sua vida volte a ter sabor. Apesar da boa intenção das pessoas, às vezes é bastante irritante ficar sendo lembrado do quanto as pessoas te amam, quando nem você  mesmo está se amando tanto assim.

Descobri que ajuda pensar no nosso humor e nossos sentimentos como sendo algo semelhante à previsão do tempo.

E vou te dizer algumas coisas óbvias sobre o tempo:

Ele é real.
Você não pode mudá-lo, mesmo que deseje.
Se o céu está escuro e chuvoso, ele realmente está escuro e chuvoso, e você não pode mudar isso.
E o céu pode ficar escuro e chuvoso durante duas semanas seguidas.

MAS

O sol virá.
Não está sob seu controle saber quando, mas ele vai aparecer no céu.
Um dia.

Acontece o mesmo com seu humor, eu acho. É errado acreditar que esses sentimentos são ilusões. Eles são reais. Depressão, ansiedade, apatia – são tão reais como o tempo – e ninguém tem como controlar isso. Ninguém tem culpa.

MAS

Eles vão passar. Vão mesmo.

Da mesma forma que precisamos aceitar as mudanças do tempo, precisamos aceitar como nos sentimos sobre a vida às vezes. “Hoje o dia está uma merda”, é uma abordagem perfeitamente realista. Tudo se resume a encontrar uma espécie de guarda-chuva mental. “Hey, ho, está chovendo: não é culpa minha e não há nada que eu possa fazer a respeito disso. Mas o sol pode muito bem sair amanhã, e quando isso acontecer, vou aproveitar ao máximo.”

Eu não sei isso te ajuda de alguma forma:se não ajudar, sinto muito. Eu quis apenas te escrever para desejar-lhe o bem em sua busca por mais de prazer e propósito na vida.

Votos sinceros de

Stephen Fry"


meu Twitter: @mperroni

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