Da próxima vez, só caso se for com mulher
Se relacionar com mulheres não é reabilitação para corações traumatizados ou solução para a carga mental. O único motivo para casar com uma mulher deve ser sentir tesão e se apaixonar por ela
Eu ando cansada do discurso "próxima vez, só caso se for com mulher", comum nas mesas de bares ou conversas de WhatsApp entre amigas, quando as reclamações sobre os comportamentos dos maridos e namorados viram coro em dó maior.
Se relacionar com mulheres não é reabilitação para corações traumatizados, para parcerias domésticas, de carga mental. O único motivo para casar com uma mulher deve ser sentir tesão e se apaixonar por outra mulher.
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Esse discurso, com ares progressista, é reprodução homossexual dos relacionamentos hétero-patriarcais: esperar cuidado e compreensão somente das mulheres.
A desvalorização crassa da paixão que mulheres bis e gays sentem umas pelas outras também bate com o pé na quina da ideia de “prêmio de consolação”, do relacionamento existir por não ter aparecido nada melhor. Esse discurso, inclusive, é alicerce da invisibilização desse tipo de amor, muitas vezes chamado de fase. Ou de crimes como o estupro corretivo, a ideia que uma mulher sente desejo por outra porque não teve o devido contato com um pênis competente.
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É compreensível a decepção que mulheres hétero e bissexuais vivem na maioria dos relacionamentos com homens. Cada louça na pia, data importante negligenciada ou inabilidade emocional é um post-it imaginário colado em nossa testa, lembrando a solidão na vida familiar.
A instituição casamento, como existe hoje, é comprovadamente mais vantajosa para eles. O Instituto de Estudos da Família, nos EUA, publicou uma pesquisa apontando que homens casados têm salários maiores e vivem até 10 anos mais que os solteiros. A conclusão dizia que o preconceito com casamento, a história do game over repetida à exaustão em bares masculinos, precisava acabar.
Em nenhum momento é iluminada a gaveta escura onde se agita a sobrecarga feminina. Nossa insatisfação, embora pouco visível, é bem fundamentada, afinal, quem marca os médicos, lembra de exames, cuida da alimentação e filhos desses homens longevos e bem-sucedidos? É aceitável querer viver uma experiência igualitária, ainda assim, o nosso descanso não está na troca de gênero, até porque não estamos falando de escolhas. O que precisamos é de modelos novos de relacionamento.
Se relacionar é caminhar junto em busca constante pelo equilíbrio, ora pendendo para um lado, ora para o outro. Parceira nenhuma merece o peso de ser um divã sentimental para outra pessoa se deitar confortavelmente. Nem as casadas com homens, nem com mulheres.
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Créditos
Iana Villela é escritora, publicitária, feminista e acredita na força brutal das palavras para mudar o mundo