Na pele de Junior

por Milly Lacombe
Tpm #38

Como é a vida de Junior, um homem de 20 anos cercado de holofotes desde os 5

#BaúDaTpm: Em novembro de 2004, trocamos uma ideia com Junior para sacar quais eram as dores e as delícias de ser, aos 20 anos, um dos caras mais famosos do país.

Suponha, enquanto lê esta reportagem, que você é o Junior, irmão da Sandy. Para que esta temporária apropriação funcione, você precisa acreditar que nasceu em uma abastada família de Campinas, cidade do interior de São Paulo, em 1984 e, quando ganhou consciência, aprendeu que seu pai era o mais popular cantor sertanejo do Brasil. Você também soube, porque a história corria na família, que, antes mesmo de falar, andava pela casa de fraldas, com um violãozinho na mão, balbuciando “lálálálálá”. Aí, com 4 anos, você e sua irmã mais velha começam a pedir a seus pais para aparecer na TV. “Se você vai, a gente também quer ir”, argumentam. Um ano depois, eles cedem e levam vocês ao programa global Som Brasil, apresentado por Lima Duarte. Vocês interpretam “Maria Chiquinha”, clássico sertanejo que sua avó costumava cantar, e saem do palco aplaudidos, como quaisquer outras duas crianças teriam sido nessas circunstâncias. Semanas depois, a música está nas rádios, e vocês são convidados a gravar um disco. Em um ano, estão num estádio de futebol do Nordeste cantando para 25 mil pessoas. E você ainda faz xixi na cama.

Autógrafo, recreio e balé

Aos 7 anos, no recreio do mais tradicional colégio de Campinas, o Notre Dame, você não consegue nem abrir a lancheira porque tem que dar autógrafos. Você não se lembra de como era a vida sem esse assédio. Sua realidade é ser observado, é chamar a atenção sem fazer nada, é assinar seu nome num papel para estranhos na rua. Cenas tão comuns quanto fazer a lição de casa, jogar bola ou assistir ao desenho animado sábado de manhã.

Você é matriculado em aulas de balé. A professora diz a seus pais que você é duro, meio sem jeito, que vai dar trabalho. Ao contrário de sua irmã, que é uma bailarina nata. Mais do que cantar e dançar você curte mesmo é fazer o som sair de algum instrumento. Em casa, começa a brincar com o violão de seu pai e vai tirando uns acordes. Em pouco tempo, começa a tocar enquanto sua irmã canta.

Cinema pelos fundos

Sua vida particular e pública se misturam, e nem você sabe onde começa uma e acaba a outra. Desde os 6 anos, anda cercado de seguranças. Eles te deixam na escola e esperam você sair, embora alguns de seus colegas jurem que havia uns à paisana pela escola. Eles não te incomodam: você é boa chapa e se dá bem com todos, mas impõe limites. Ao cinema, por exemplo, eles não vão. Deixam você na porta dos fundos do shopping, que dá acesso direto às salas. É que, se entrar pela via normal, você não chegará a tempo. Essa logística não te perturba pelo simples motivo de que sempre foi assim. Mesmo com todo o esquema, às vezes no meio do filme alguém vem pedir um autógrafo. Você não nega. Aliás, você nunca negou um autógrafo. Você adora quem te adora. Quer saber quem são essas pessoas, entender por que gostam de você.

O que te incomoda é ficar sabendo que alguns colegas te acham metido porque você volta das férias falando do apartamento de Miami ou do barco novo. O que eles não entendem é que esse é seu mundo. Se não falar disso, você não tem do que falar. A sorte é que você é um caipira – e sua simplicidade e bom humor acabam conquistando a todos. Você é engraçado, gosta de fazer piadas, de encher os outros. A orientadora Ana Lucia diz isso nas reuniões de pais. Diz também que estudar não é muito a sua e que você faz o necessário para conseguir a média. É verdade. Porque assim sobra mais tempo para tocar bateria, sua nova paixão. No 1º ano do ensino médio suas notas caem e seu pai avisa que, se não melhorarem, vai tirar a bateria de casa. Você fica desesperado porque só consegue pensar em tocar.

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TV Globo

Sua vida se complica quando você e sua irmã são convidados para fazer um programa na Globo, o Sandy&Junior. Você está no 2º ano do ensino médio, tem que fazer tour pelo Brasil e, agora, gravar para a TV. Começam as reuniões semanais com uma equipe de profissionais que decide seu destino e o de sua irmã. Vocês são, cada vez mais, um produto. Você não tem mais tempo para sair à noite, para jogar bola, para ser adolescente. E seus pais exigem que você, apesar do calendário, continue frequentando a escola – de uniforme. Por outro lado, já vendeu 13 milhões de discos e, se quisesse, poderia se aposentar. De repente começa a sentir uma coisa estranha quando ouve alguém dizer coisas como “a marca Sandy&Junior”. Tem vontade de gritar: “Não é marca Sandy e Junior. Junior sou eu, mano!”.

Aí começam os boatos de que é veado. E você mesmo se surpreende quando não liga. Em matéria de preconceito, você não tem muitos (pagode, numa época, mas nem mais esse). Você coloca na cabeça que qualquer homem que cante e dance vai ser vítima de discriminação. E, acima de tudo, você sabe melhor do que ninguém que gosta mesmo é de mulher. E das maduras, mais sedutoras. Um repórter um dia pergunta se você anda com camisinha na carteira, você diz que não tem carteira. No dia seguinte lê no jornal a manchete: “Junior é virgem”. Você ri: há muito já não era. Você sabe que é duro te tirarem do sério. Quem diz isso é Dag, a mineira que cozinha pra você. Dag vive repetindo que nunca te viu de mau humor, que você é o filho ideal, carinhoso e educado. Só acha que você tem comido demais, principalmente torta de limão. Mas você é adolescente, e esses descontroles são perdoados.

Crise de choro

Você e sua irmã são convidados para tocar no Rock’n’-Rio 3, 250 mil pessoas. O show de vocês será antes do de Britney Spears e do NSYNC. Você gela. E se forem vaiados? Aquela gente não está lá para ver vocês: é o público de Britney e dos garotos americanos. Você entra e se dá conta de que tem 250 mil pessoas cantando uma de suas músicas. Quer chorar, mas tem que continuar tocando. O show acaba, você tem uma crise de choro. Não consegue parar. O episódio te dá segurança. Seu destino é mesmo tocar.

Na volta para Campinas, pensa em começar uma carreira solo, uma coisa paralela ao trabalho com sua irmã. Se matricula numa academia de música em São Paulo. Uma vez por semana tem aula de bateria, guitarra e canto. Enquanto isso, viaja o mundo com Sandy, fazendo shows. No meio do caminho, fazem um filme, Acquaria. A crítica, que vem pegando pesado com vocês desde que a blindagem da infância acabou, surpreendentemente, elogia. Apesar dos comentários favoráveis nos dois principais jornais paulistas, os fãs não comparecem, e o filme flopa.

Você acha que é hora de mudar. Quer ser mais underground, menos pop. Conversa com Andreas Kisser, do Sepultura, e ele te convida para tocar num bar pequeno em São Paulo. Você aceita porque sabe que só assim vai conseguir mudar a percepção das pessoas. No dia da apresentação, está nervoso. Olha seu novo público e, no lugar de meninas histéricas, vê uma centena de metaleiros carrancudos. Suas pernas tremem. Você vai para o camarim e coloca uma tiara. Alguém te diz que você está doido, que os metaleiros vão te chamar de veado, te massacrar. Você resolve ir daquele jeito mesmo. Entra com Andreas e ouve vaias. Tenta não dar bola. Destrói a bateria e sai aplaudido – e de tiara.

Você toma gosto pela coisa, decide montar uma banda de black music e dá a ela o nome de SoulFunk. Começa a tocar em bares pequenos de São Paulo, nada que lembre os megashows que faz com sua irmã: dessa vez é tudo muito simples, no improviso. No dia 13 de outubro você se apresenta com a SoulFunk pela primeira vez. Está suando. Mas quando senta na bateria tudo fica ok. Você nunca se sentiu tão feliz. O show acaba depois das 3h. Você entra no carro, os seguranças entram no deles, e seguem para Campinas. No dia seguinte você tem que gravar um clipe com sua irmã. Essa é sua vida.

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Uma semana com Junior

De 14 a 20 de outubro colocamos na mão de Junior um aparelho de celular que só a redação da Tpm tinha o número. A proposta era ligar para ele, durante sete dias, nos horários mais variados, muitas vezes ao dia. E ele tinha que atender sempre. Tudo para dar às leitoras uma ideia do que é uma semana na vida do rapaz. Confira abaixo o resultado:

14 DE OUTUBRO, QUINTA

17h10 São Paulo, camarim do Altas Horas. Em nossa primeira investida, o celular estava desligado. Minutos depois, Sandy, cujo telefone estava ligado e funcionando, explicou que o telefone do irmão estava sem sinal no camarim. Na hora em que liguei Junior estava sendo maquiado.

21h16 Não atendeu. No dia seguinte descobri que ele estava na rodovia Bandeirantes [estrada que liga São Paulo a Campinas] com o motorista e Sandy, voltando para casa depois de gravar o Altas Horas. Acabou pegando no sono e não ouviu o telefone tocar. “Tô cansado: esta semana eu fiz um show com minha banda no Na Mata e fui dormir muito tarde, estragou todos os meus horários”.

15 DE OUTUBRO, SEXTA

11h10 A rouquidão entregou no ato: acordei o moço! “Você estava dormindo?”. “Tava”, respondeu rindo. Depois contou que raramente acorda tão tarde, até porque de manhã ele normalmente faz ginástica. “Agora vou descer e comer alguma coisa porque tô morrendo de fome.”

16h07 Caixa postal. Soube depois que ele estava dentro do avião, a caminho de Teresina, Piauí, onde faria com Sandy um show à noite.

18h52 Teresina, Piauí. Junior atendeu já no quarto do hotel. Viajaram até lá em jatinho fretado pelo contratante, como fazem normalmente em vôos pelo Brasil. Ao chegar, foram cercados por fãs, que os seguiram pelas ruas da capital até o hotel. Desde que nos falamos pela última vez, ele só tinha tido tempo de tomar banho e comer uma feijoada de café-da-manhã. Pergunto se o hotel em Teresina é bacana, e ele diz que é simples, mas bom. Aí, conta que já ficou, ele não lembra em que cidade, num “hotel” que funcionava dentro de uma borracharia: “A luz do banheiro era daquelas penduradas com um fio, sabe?”. Pergunto se Sandy mata barata. “Como assim?”, ele estranha a pergunta, e eu explico que para mim o mundo se divide entre aqueles que matam barata e aqueles que berram. Ele morre de rir e repete a frase em voz alta: “Sandyyyyy, você mata barata?”. “Mato, claro. Quando o papai não está em casa, sou eu que mato.” Junior não sabia disso. Desligo – ele precisava comer alguma coisa antes do show: a feijoada era passado.

16 DE OUTUBRO, SÁBADO

12h40 Caixa postal. Soube depois que nessa hora Junior estava dormindo profundamente em um hotel no Rio. Depois do show em Teresina (estádio lotado, 25 mil pessoas, “galera totalmente pilhada!”) eles decidiram seguir para o Rio no jatinho fretado. Chegaram às 4h da manhã.

14h47 Ele atendeu e disse que tinha acabado de acordar. Estava no quarto do Transamérica, na Barra, iria comer alguma coisa e se mandar para o Projac, onde, com Sandy, faria testes no som para os dois shows de domingo: um para funcionários da Globo e outro no Faustão.

20h05 Atendeu, mas eu não conseguia ouvir nada, tamanho o barulho em volta. “Estou numa festa”, berrou do outro lado da linha. “Que festa?”, gritei eu. “Da Fernanda!”, respondeu Junior. “Que Fernanda?”, insisti. “A Fernanda Rodrigues [ex-atriz de Malhação]”, explicou com a maior paciência. “Ela é muito amiga nossa e a festa tá um barato!” Pergunto que som é aquele que escuto ao fundo, e ele responde que é da banda Seu Cuca.

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17 DE OUTUBRO, DOMINGO

15h04 Tocou, tocou e ele não atendeu.

15h20 Projac, Rio. Tinha acabado de fazer o show para os funcionários da Globo e estava correndo para o camarim do Faustão, onde iria tomar um banho e mudar de roupa para entrar em mais um palco.

22h46 No carro, chegando em Campinas, com Sandy, motorista e segurança. Pergunto se ele viu a matéria elogiosa que saiu na semanal Época a respeito de sua banda particular. “Não, cara, não tive tempo. Ah, olha ali uma banca!”, avisa ao motorista. “Ah não, tá fechada.” Aí ele diz que o show no Faustão foi legal, que encontrou Nando Reis no camarim. “Ele é muito bacana com a gente”, explicou sobre o ex-Titã. “Ah, conheci hoje lá no camarim da Globo o Leonardo Brício”, me informa. “Ele é superlegal, né?” diz que o dia foi cansativo porque, depois de dois shows, Sandy e ele ainda passaram mais de uma hora num chat da Globo.com. Só então puderam voltar ao hotel, comer alguma coisa, arrumar as malas e se mandar para casa.

18 DE OUTUBRO, SEGUNDA

13h19 Campinas, escritório da família. Estava em uma reunião de negócios que faz semanalmente com Sandy, Cacá, seu empresário, e outros envolvidos na carreira deles (familiares em sua maioria). Na reunião, iam avaliar contratos, rever estratégias de marketing, agendas etc. Estava nessa labuta desde as 10h.

16h02 Em casa. Pela primeira vez desde que comecei essa perseguição autorizada, sinto que liguei em hora ingrata. A voz de Junior não esconde isso. Mesmo assim, é educadíssimo e faz questão de alongar as respostas, o que me deixa à vontade para continuar perguntando. Diz que estava estudando violão em seu quarto e tinha acabado de ligar o computador. Avisa que vai se “suicidar” no Orkut. “Pô, tenho mais de 300 convites para ser amigo e 500 scraps”, justifica. Pergunto o que ele achou da matéria sobre a SoulFunk na Época. “Puxa, esqueci de comprar. Acho que vou pegar o carro e dar um pulo na banca agora.”

19h13 Em Campinas, no seu quarto. Tinha acabado de subir para tomar banho. Disse que passou a tarde brincando em seu PlayStation. Os planos para a noite incluíam uma ida a São Paulo, para ver o show da banda de jazz do amigo Amon-Rá.

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22h26 Ainda no quarto. Ele atende e explica de cara: “Resolvi não sair hoje porque estou muito cansado, e a semana vai ser cheia, com aulas, show no Na Mata e gravação de um clip [com Sandy] na quinta”.

19 DE OUTUBRO, TERÇA

12h31 Celular desligado

13h25 Celular desligado

16h51 Em São Paulo, no meio da aula de guitarra. Explica que passou a manhã na aula de bateria, e que ali o celular não pega bem. Pergunto se ele prefere que eu ligue mais tarde. “Não, vamos falar.” Aí me explica que depois da guitarra é a vez da aula de canto – tudo feito numa mesma escola de música na Vila Nova Conceição, em São Paulo. Digo que vou deixar ele tocar e que ligo mais tarde.

19h27 No carro, na Faria Lima, em São Paulo, indo para Campinas, com os seguranças no banco de trás. Pergunto se ele está dirigindo e se quer que eu ligue depois. “Estou dirigindo, mas com o fone de ouvido, então pode falar.” À noite, pretende comemorar o aniversário de um tio, irmão da mãe, numa pizzaria em Campinas. Pergunto se eles conseguem comer em paz, e ele me conta que em Campinas é tranquilo, bem diferente de São Paulo e do Rio.

0h10 Em seu quarto, conversando com amigos na internet. Começamos a bater papo, e ele diz que acaba de comprar um loft em São Paulo, onde pretende dormir quando estiver muito cansado para voltar para Campinas. “Tá reformando agora, vai ficar bem legal.” Aviso que no dia seguinte vou ver ele e sua SoulFunk tocarem no Na Mata. Ele fica animado: “Vai mesmo, né?”. Encerra a ligação dizendo que quer dormir cedo porque amanhã às 9h30 tem uma aula de RPG, para corrigir os ombros que estão um pouco caídos.

20 DE OUTUBRO, QUARTA

17h26 Ele atende e diz que está dirigindo, já na Marginal do Tietê, chegando em São Paulo. Conta que de manhã tinha malhado em casa com sua personal, almoçou, fez um chat, deu uma entrevista por telefone para uma rádio de Goiânia, fez uma conference call com o diretor do clipe que gravaria no dia seguinte e estava indo passar o som no Na Mata. “Você vai mesmo?”, me pergunta. Digo que sim. “Vou deixar seu nome na porta, tá?”

Créditos

Imagem principal: Daniel Klajmick/Acervo Trip

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