Charlotte Gainsbourg pensa sobre a vida, a morte da irmã, envelhecer no cinema e a posição das francesas em relação ao movimento #MeToo
Foi uma forma de atravessar o luto. Em seu quinto álbum, Charlotte Gainsbourg canta sobre perda, depois da morte de sua meia-irmã (Kate Barry, que caiu da janela de um apartamento, em 2013). O triste episódio também a fez gravar pela primeira vez suas próprias composições — o que ela vinha ensaiando fazer há alguns anos — e trocar Paris por Nova York com o marido (o diretor Yvan Attal) e os três filhos, em busca de um recomeço. Rest também a levou a debutar na direção: a francesa já assinou quatro clipes do disco ("Lying with You" foi filmado na casa do seu pai, Serge Gainsbourg, um dos pedestais da música francesa).
Depois de trabalhar com Air, Beck e Jarvis Cocker (Pulp) em álbuns anteriores, neste ela conta com participações de Guy-Manuel de Homem Christo (a metade do Daft Punk) e Paul McCartney, que lhe deu uma das composições mais ensolaradas do disco, "Songbird in a Cage".
A francesa mostra o novo disco em apresentações pela Europa a partir do mês que vem. "Meu ano gravitará em torno dos shows", conta. Em setembro, ela volta ao cinema, quando atuará em um filme francês. Filha da também atriz Jane Birkin, ela ficou conhecida fora da França por papéis complexos em filmes como Anticristo (pelo qual foi premiada em Cannes, em 2009) e Ninfomaníaca (2013), ambos do diretor Lars Von Trier.
Por telefone, ela falou à Tpm sobre o novo disco, a perda da irmã, o movimento #Metoo, envelhecimento, conhecer Paul McCartney, moda...
Tpm. Rest é o primeiro álbum com letras de sua autoria. Você finalmente se sentiu pronta para isso? Como foi esse processo?
Charlotte Gainsbourg. Acho que escrevi em segredo por muito tempo. Estava sempre tentando, mas me sentia envergonhada daquilo que estava compondo. Há seis anos, Connan Mockasin [que colaborou em Stage Whisper, de 2010, seu penúltimo disco] disse para irmos para a casa de campo que tinha na época; ele levou as melodias e eu, as letras. Fiz esse exercício, que me deu a impressão de que poderia escrever. Decidi que iria perseguir esse desafio. Aí minha irmã faleceu [em 2013] e deixei a França para tentar uma vida nova em Nova York. Quando cheguei na cidade, tudo era diferente: não ligava se era boa o suficiente, só precisava dizer essas coisas sobre ela, minha perda e meus sentimentos. Pude ser muita pessoal e não me julgar. Acho que porque estava em um lugar estrangeiro e sentia que ninguém ligava para quem era ou o que estava fazendo.
Você fala sobre perda neste álbum. Acha que gravá-lo funcionou como uma terapia? Não e também não quero olhar para ele desse modo porque não me senti melhor ou menos falta da minha irmã quando o disco ficou pronto. Foi ótimo me concentrar no que queria dizer, me autorizar a ter esse foco de uma forma artística.
“Perguntei se ele [Paul McCartney] tinha uma canção pra mim. Achei que ele não teria tempo, mas recebi a letra e a demo na minha caixa postal”
Como foi trocar Paris por Nova York? Foi um recomeço para você? Estou encarando um ano por vez. A cidade não parece os Estados Unidos e isso é algo que gosto. Não sei onde estarei daqui a cinco anos, acho que vou voltar para a França, me sinto em casa lá. Também não me vejo envelhecendo aqui. Mas Nova York é maravilhoso, sinto que estou de férias, é tudo renovador.
Como foi trabalhar com Paul McCartney? Ficou nervosa? Foi muito incrível. Perguntei se ele trabalharia comigo. Ele disse sim e que poderíamos almoçar. Foi uma surpresa. Fui para Londres encontrá-lo. Estava bem tímida, não ousei perguntar as coisas das quais tenho curiosidade e tentei ser o quão normal quanto poderia, não falei muito. Acho que conversamos sobre bebês porque estava bem grávida na época e isso era um tema óbvio. No fim, perguntei se ele tinha uma canção que poderia me dar. Achei que ele não fosse ter tempo para isso, mas recebi a letra e a demo na minha caixa postal. Não sabia se era uma música nova ou antiga. Quando nos encontramos de novo, há um ano e meio, era muito tarde para fazer essas perguntas. Da próxima vez, vou tirar todas as dúvidas que preciso.
Você dirigiu alguns clipes de Rest. No último Globo de Ouro, todos os indicados ao prêmio de melhor diretor eram homens. Acha que as mulheres ainda enfrentam resistência neste campo? Hoje, com tudo o que está acontecendo, acho que não é difícil para uma mulher dirigir um filme. Há 20 anos, era muito mais complicado as pessoas te levarem a sério. E acho que esta é a razão para o número de diretoras hoje ainda não ser grande.
O que achou sobre o manifesto que Catherine Deneuve e outras cem francesas publicaram no Le Monde criticando o movimento #Metoo? Por ser francesa, entendo o ponto de vista delas. Acabei de passar as férias de fim de ano na França, estava imersa nessa cultura de novo. Quando voltei para cá, assisti ao Globo de Ouro. O discurso de Oprah foi ótimo, mas as reações foram tão exageradas. Não sei... Achei desconectado desse espírito americano. Não quero uma sociedade de mulheres contra homens. É claro que elas devem falar quando forem traumatizadas ou violadas. Mas se as pessoas que estão sendo acusadas não são culpadas, há uma injustiça. Acho que a internet está fora do controle das pessoas. Sinto que é algo bom, mas, ao mesmo tempo, isso pode se tornar um extremismo. Estou um pouco dividida. Agora, não sabemos como ser uns com os outros. É como se tivéssemos que assinar um contrato para flertar.
“Estou um pouco dividida. Agora, não sabemos como ser uns com os outros. É como se tivéssemos que assinar um contrato para flertar”
Você tem 46 anos. Acha que os papéis que te são oferecidos mudaram nos últimos anos? Acho que estou um pouco assustada em envelhecer. Claro que isso significa ter menos papéis, especialmente nos Estados Unidos, onde eles são atraídos por mulheres mais jovens. Mas é óbvio que ao envelhecer ainda conseguimos ter boas oportunidades. Acho que as séries de TV oferecem papéis interessantes.
Você assinou uma linha de maquiagem para a Nars, posou para a Balenciaga, Louis Vuitton e Saint Laurent, mas parece ser muita tranquila em relação ao que veste. Como é sua relação com a moda? Me sinto muito privilegiada por ter trabalhado por muito tempo com Nicolas Guesquerière [na Balenciaga] e na Vuitton, quando ele assumiu a grife, e também com a Saint Laurent. É um luxo ser guiada pela amizade com pessoas que gosto. Mas não ligo para a moda só pela moda, não me interessa o suficiente. Tem que ser algo pessoal, que ressoa. Gosto de conhecer a pessoa por trás da roupa.
Créditos
Imagem principal: Amy Troost/Divulgação