por Lia Hama
Tpm #150

Após uma pane, a fundadora do Huffington Post deu uma guinada na rotina e abriu espaço em sua agenda para a pausa, o descanso e o silêncio

Na manhã do dia 6 de abril de 2007, Arianna Huffington caiu desmaiada no chão do escritório de sua casa em Los Angeles e ficou deitada numa poça de sangue.Na queda, bateu com a cabeça na quina da escrivaninha, sofrendo um corte na região próxima do olho e fraturando o osso da maçã do rosto. Após o colapso, foi de um consultório médico a outro, para fazer exames de ressonância magnética do cérebro, tomografia computadorizada e ecocardiograma e tentar descobrir se havia algum problema fisiológico por trás do piripaque. Não havia. A culpa era do excesso de trabalho, da falta de sono e da rotina estressante à frente do The Huffington Post, um dos mais importantes portais de notícias do mundo, que crescia a um ritmo acelerado.Para expandir os negócios da empresa que fundou em 2005, a presidente e editora-chefe trabalhava sem parar, 18 horas por dia, sete dias por semana. Àquela altura, ela já havia aparecido na capa de diversas publicações e fora eleita pela revista Time “uma das cem pessoas mais influentes do mundo”. Mas o excesso de trabalho a levou, literalmente, à queda, que marcou o início de uma nova jornada. 

 Bem-estar e sabedoria
Aos 64 anos, a ateniense radicada nos EUA continua exercendo o papel de uma executiva cheia de tarefas e responsabilidades, à frente de um negócio que não para de crescer. Presente em dez países, inclusive o Brasil, onde chegou no ano passado (como Brasil Post, em parceria com a editora Abril), o Huffington Post estreia este ano sua versão em árabe e terá um escritório na Austrália.

Referência no jornalismo on-line e interativo, com a colaboração de centenas de blogueiros espalhados por todo o planeta, o portal foi agraciado com o Pulitzer, o principal prêmio do jornalismo americano. Mas, após o colapso, Arianna abriu espaço em sua agenda para a pausa, o descanso e o silêncio.

Divorciada do magnata de petróleo e político republicano Michael Huffington, com quem foi casada por 11 anos, Arianna tem duas filhas: Christina e Isabella. Em seu mais recente livro (já são 15 publicados), A terceira medida do sucesso (editora Sextante), ela descreve como o nosso estilo de vida que prioriza a busca por dinheiro, fama e poder está nos deixando doentes. E defende a chamada Terceira Medida, um indicador de prosperidade que inclui bem-estar e sabedoria e sobre o qual afirma que o Brasil, assim como a sua terra natal, Grécia, tem muito a ensinar. De seu escritório em Nova York, ela respondeu às perguntas da Tpm.

Tpm. Como o acidente que sofreu mudou a sua vida? 
Arianna Huffington. Depois do colapso, me vi indo de um médico a outro, fazendo exames para descobrir se havia algum problema de saúde por trás da minha exaustão. Não havia, mas as salas de espera dos consultórios se transformaram em ótimos lugares para eu me questionar sobre o tipo de vida que estava levando. Foi um alerta clássico. E acabei colocando em prática uma série de mudanças. Ainda fico estressada às vezes, mas o resultado dessas novas práticas é uma vida com mais satisfação, mais espaço para respirar e que coloca as coisas em perspectiva.

Que mudanças você introduziu no seu dia a dia? A coisa mais importante foi me comprometer a ter uma boa noite de sono – o que, para mim, significa de 7 a 8 horas por dia. Quando acordo, não começo a manhã checando o meu smartphone. Em vez disso, gasto 1 minuto respirando profundamente e pensando no que desejo fazer naquele dia. Depois, medito de 20 a 30 minutos. Também pratico ioga várias vezes por semana. E respiro! Um foco consciente na respiração me ajuda a introduzir pausas, me traz para o momento e me ajuda a lidar melhor com os problemas e os imprevistos que aparecem.

Não é um paradoxo ser uma executiva de uma empresa que produz notícias on-line, 24 horas por dia, e, ao mesmo tempo, propor uma vida mais relaxada? Pode ser um paradoxo, mas somente se a gente permitir que seja. No Huffington Post certamente existe a tentação dos editores, repórteres e técnicos em informática de tentar cobrir esse ciclo de notícias 24 horas por dia. Mas fazemos de tudo para evitar que as pessoas entrem em colapso. Primeiro, deixamos claro que ninguém é obrigado a checar os e-mails de trabalho e respondê-los fora do horário de expediente. Todo mundo tem pelo menos três semanas de férias por ano e é fortemente encorajado a tirá-las. E tenho implorado aos HuffPosters – sem muito sucesso, tenho que admitir – para almoçarem fora de suas mesas de trabalho. Também temos duas salas de repouso na redação, que ficam cheias a maior parte do tempo, apesar de terem sido vistas com ceticismo e relutância quando foram criadas, em 2011.

Muitos ficaram com medo de que os colegas achassem que estavam matando trabalho ao tirar uma soneca. O principal para mudar a cultura de trabalho de um lugar é mudar os incentivos. Então deixamos claro que trabalhar exaurido é que deve ser visto como algo ruim e não fazer uma pausa para descansar. Também temos uma academia e fazemos parte de um programa de bem-estar chamado Virgin Pulse, em que os funcionários podem ganhar até US$ 500 por ano ao aderir a práticas saudáveis. Para facilitar isso, temos geladeiras cheias de comidas saudáveis, incluindo iogurte, homus, frutas e cenouras.

"TEMOS DUAS SALAS DE REPOUSO NA REDAÇÃO QUE FICAM CHEIAS A MAIOR PARTE DO TEMPO, APESAR DE TEREM SIDO VISTAS COM CETICISMO NO INÍCIO"

Você é ativa nas redes sociais? Alguém te ajuda a lidar com isso? Sim, no Facebook, Twitter, LinkedIn e Instagram. Como em muitas coisas da minha vida, os melhores conselhos vêm das minhas filhas. A mais nova, Isabella, de 23 anos, não participa das redes sociais, mas a mais velha, Christina, de 26, sim. 

No ano passado, você levou um especialista em meditação para uma palestra da Advertising Week em Nova York. Como os executivos podem se beneficiar da meditação? A meditação é benéfica para praticamente todas as facetas do trabalho de nós, executivos: tomada de decisões, inovação, criatividade, produtividade, empatia e, claro, saúde. E cada vez mais eles estão descobrindo isso. A meditação finalmente deixou de ser vista como algo new age e virou mainstream. Como disse Bill George, professor de Harvard e ex-CEO da Medtronic, uma empresa de aparelhos médicos, o principal benefício da meditação para os negócios é que, se você está totalmente presente no seu trabalho, vai ser um líder mais eficaz, que vai tomar decisões melhores.

Num discurso no TED em 2010, você falou que as mulheres vão liderar uma revolução em direção a uma sociedade menos competitiva e mais focada no bem-estar. Que qualidades as mulheres têm que os homens não têm? Da forma como o mercado de trabalho está estruturado hoje, muitas mulheres não querem chegar ao topo e ficar lá por causa dos custos em termos de saúde, bem-estar e felicidade. Do jeito que as coisas estão estabelecidas, as formas masculinas de ser bem-sucedido – alimentadas por estresse e exaustão – geralmente são mais valorizadas. E, já que as mulheres pagam um preço maior por isso, elas têm um incentivo maior para mudar. Já estamos testemunhando uma mudança global em direção a valores e habilidades tradicionalmente vistas como femininas, como empatia, compaixão e colaboração. Desde que foi lançado, em 2005, o Huffington Post revolucionou o jornalismo on-line, introduzindo o noticiário interativo com a colaboração de centenas de blogueiros.

Quais são os principais desafios da empresa hoje? Quase dez anos após sua fundação, o desafio que enfrentamos é lutar todos os dias para crescer e aproveitar as oportunidades, mas ao mesmo tempo nos manter fiéis ao nosso DNA, baseado em valores de engajamento e ajudando as pessoas a viver a vida que elas querem e não a que os outros querem para elas. Vamos aumentar o investimento em reportagem própria e em uma equipe de jornalismo investigativo. Internacionalmente, vamos lançar o HuffPost em árabe e o HuffPost na Austrália, com mais edições globais a serem anunciadas em breve.

Como você vê o futuro do jornalismo? Estamos na era de ouro do jornalismo para novos consumidores. Não há falta de bom jornalismo sendo feito e não há escassez de pessoas ávidas por isso. Existem muitos modelos de negócios que estão tentando conectar o velho com o novo. Há uma convergência acontecendo e a nunca muito útil divisão entre a “velha mídia” e a “nova mídia” se tornou cada vez mais difusa. A mídia digital e a tradicional têm muito a aprender uma com a outra – e as evidências estão por toda parte. Cada vez mais operações puramente on-line como o Huffington Post estão se engajando em jornalismo investigativo. E operações tradicionais mainstream estão adotando mais e mais instrumentos digitais que podem trazer a comunidade para participar do jornalismo por meio de reportagens de base, com vídeos, feeds de Twitter e toda a nova mídia disponível.

Em seu livro A terceira medida do sucesso, você diz se sentir em casa no Brasil e aponta que o país tem muito a ensinar ao resto do mundo. O que o país tem a contribuir? O Brasil me lembra muito a minha terra natal, a Grécia, especialmente o espírito e a incrível capacidade dos brasileiros de se tornarem íntimos, não apenas dos amigos, mas também de desconhecidos. Da mesma forma que os gregos, os brasileiros estão à frente quando o assunto é levar o bem-estar a sério, com hábitos que nós ao redor do mundo podemos aprender – desde um verdadeiro apreço pelos benefícios de ficar desconectado às muitas formas de se reunir em torno da comida, da música e de um bom papo. E, claro, os dois países são especialistas em viver o aqui e agora.

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