A Alemanha e o trabalho. Vender colchão. Por que não?

por Nina Lemos

Ter um trabalho normal não significa que você está na pior. Mas não, aprendemos que existem trabalhos para nós, que estudamos. E trabalhos para os outros, os que não puderam. E eu ainda tento aprender isso. E me sinto ridícula

"A sua fisioterapeuta trabalha em outro lugar?" Fiz essa pergunta para o namorado alemão esperando uma resposta do tipo: "sim, em outro consultório, ou, sim, ela trabalha em um hospital." Naturalmente ele respondeu: "sim, ela trabalha em uma loja de colchões". "Mas por quê?" "Ah, ela não ganha o suficiente trabalhando 30 horas como fisioterapeuta, então, prefere trabalhar nessa loja e gosta muito."

Mais uma vez tentei explicar o meu espanto. Claro que uma pessoa com formação universitária trabalhar em uma loja de colchões não é errado. Claro que qualquer trabalho honesto é digno. Claro que a fisioterapeuta está certa, apesar de eu achar que, se ela é boa fisioterapeuta, deveria ganhar mais. Mas ela não está fazendo nada demais, apenas vivendo sua vida honestamente, certo? Mas então porque para mim isso é estranho?

"No Brasil é meio assim, se você fez faculdade e é classe media, você não trabalha em um emprego como esse. Esse emprego é para quem é pobre e não fez faculdade. As coisas são divididas assim."

E eu explico, novamente, que isso é por causa da desigualdade social, de uma sociedade de castas etc.

Quando falei para a minha mãe que o mesmo namorado, PHD em filosofia, trabalhava em um escritório de venda de tecnologia, ela perguntou. "Mas ele é o top lá, né?". "Não, não é", eu tentei explicar. Assim como tentei explicar que a minha amiga ser tradutora, baterista e DJ e trabalhar em um cinema vendendo ingresso e pipoca é uma saída de vida maravilhosa. Ela tem um trabalho fixo. No resto do tempo, faz o que gosta e complementa o dinheiro com freelas.

Neguinho que eu falo aqui é nóis. Eu me pego muitas vezes pensando: "Mas será que eu arrumo um emprego como esses? Será? Eu?"

Eu, que sou tão especial, eu, que sou tão mimada, eu que nesse ponto às vezes sou uma imbecil.

Na Alemanha, com trabalho, é assim. Você ganha por hora. A hora de trabalho é 8.50 euros (não é muito, acho pouco, bem pouco para um país muito rico). Existem os empregos de 40 horas. Mas você pode tentar conseguir um de 20 ou 30 horas, o que significa que você vai ganhar uma graninha baixa, mas vai ter o resto do tempo para se dedicar a outras coisas que você gosta de fazer.

Não estou falando que o Brasil é um lixo. Não estou falando que a Alemanha é o melhor país do mundo. Estou falando e contando que é diferente. Ponto.

"É o status", diz a minha amiga pelo skype do Brasil. E ela continua. "Imagina, se alguém aqui tipo uma jornalista começa a fazer coxinha para fora e vender o cento? Vão falar, olha, está na pior". "Para a pessoa fazer isso e não ser julgada, ela precisa vender um sorvete vegano, de design, com uma embalagem linda. Ai sim pode." Concordo com a minha amiga 100%. O trabalho tem que ser chique.

Mesmo que esse trabalho seja ficar 12 horas por dia em uma agência de publicidade que você ODEIA.

Trabalhar vendendo colchão? Não, isso não é para você porque você é elite, você é superior. Você não! Você é um artista, o que significa que talvez você venda sua alma fazendo propaganda de cigarro por uma boa grana. Mas vender colchão, não. Detalhe, vender colchão não é um trabalho ruim, pensa! Você vai ficar ali em pé, conversar com as pessoas. Isso não vai te matar e não vai afetar a sua dignidade.

Lembro também de uma alemã em um festa descolada, com almoço no jardim, som bom e crianças ao redor reclamando que o uniforme que usava no trabalho era meio ridículo e rindo disso. Ela trabalhava em uma lanchonete vendendo café. Ninguém olhou com espanto. Só eu. E, sim, me achei meio ridícula.

Lembro de um post de uma amiga brasileira que mora há 20 anos na Alemanha. Ela fez umas compras no supermercado e o entregador que apareceu era um hipster com barbinha e tudo. Minha amiga escreveu algo: "O Brasil só vai ser melhor no dia em que um hipster for entregador de supermercado".

E isso, para mim, faz absolutamente todo sentido.

Trabalho é só trabalho. Não tem nada a ver com status, com quem você é, não diz tanto sobre você. Tento repetir isso para mim milhões de vezes até tentar me convencer.

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