Crianças à beira de um ’detox’ digital
A constatação não é minha, e sim do meu marido, e ele nem estava falando do nosso filho. O tema surgiu em uma reunião de pauta no telejornal onde trabalha. Achei a comparação genial e comecei a reparar. Embora o Samuca nunca tenha gostado muito de chupeta, com o iPad a paixão foi fulminante. Um dia meu marido me ligou quando eu já estava chegando ao trabalho e eu ouvia o choro compulsivo do Samuca. Meu filho queria saber se eu tinha levado o iPad para o trabalho: “Claro que sim, eu sempre levo”, respondi, e o marido completou dizendo que ele estava inconsolável sem seus joguinhos eletrônicos, Galinha Pintadinha e aplicativos de pintar e desenhar.
Ele nem sabia falar, mas já sabia como uma tela sensível ao toque funcionava. E naqueles desesperos de redação em busca de personagem, liberei meu filho para participar de uma matéria: Samuca fez sua estreia em rede nacional mostrando que sabia clicar nos aplicativos, mudar páginas, fechar pop-ups.
Uma amiga, mãe de um amiguinho dele na escola, sofreu com o mesmo problema. Mas a coisa ficou bem mais séria. O Lucas não falava enquanto os amigos de escola já ensaiavam as primeiras frases. Depois de algumas sessões de fonoaudiologia, o diagnóstico: a culpa era do iPad. Lucas tinha que deixar o tablet de lado para começar a interagir mais e se arriscar a falar. E quando finalmente as primeiras palavras começaram a sair, pasmem, foi em inglês. Ele começou pelo o que ouvia nos aplicativos.
A minha preocupação chegou ao auge nesses dias que ficamos sem luz. iPhone e iPad estavam quase sem bateria quando cheguei em casa e não tínhamos como carregar. Ele chorou muito. Propus lermos juntos o livro que tinha comprado um dia antes: Charlie Malarkey e a Máquina de Umbigos e ele, que adora livros, não quis nem saber. Precisei insistir muito, explicar que estávamos sem luz e que não havia o que fazer. No final ele topou e nos divertimos muito. A luz não voltou até a hora de dormir e foi bem divertido. Dia seguinte a luz voltou e a paixão também.
Ontem estava assistindo a um filme na minha cama e ele ao meu lado no iPad. De repente, gritou: “Estou fazendo xixi na cueca, mamãeeeeee!”. Ele fez xixi na calça, acordado, porque ficou com preguiça de largar o iPad e ir ao banheiro. Edredom na lavanderia, banho dado e conversa séria entre a gente. A chupeta acalma as crianças, o iPad idem. Com eles distraídos conseguimos tomar um banho mais demorado, passar até um creme no cabelo, assistir à novela das 9. Quer almoçar em paz no restaurante? Leve o iPad na bolsa. Viajar para longe? Encha o tablet de desenhos.
A chupeta precisa sair de cena em uma certa idade. O iPad, não necessariamente. Mas a partir de hoje, vamos dar um tempo. Samuca vai passar por um “detox”. Alguma dúvida que ultrapassamos todos os limites?
(*) Rita Lisauskas é jornalista, mãe do Samuel, madrasta do Lucca e do Raphael e mulher do Sérgio. Não necessariamente nessa ordem. Desde 2013 mantém o blog Ser mãe é padecer na internet, que vai estar quinzenalmente no site da Tpm http://vilamamifera.com/padecernainternet // Fanpage: www.facebook.com/padecernainternet Leia nosso papo com Rita sobre a parceria aqui.