Violência doméstica no confinamento
Eliane Dias, Gabriela Manssur e Luiza Brunet discutem os caminhos para mudar o alarmante cenário da violência doméstica no Brasil
Se a violência doméstica já era um problema gravíssimo no Brasil, este cenário se agravou na pandemia, quando o isolamento fez com que muitas mulheres passassem mais tempo com seus agressores. Na (em)Casa Tpm, a empresária e advogada Eliane Dias trouxe dados importantes sobre o assunto: "Os atendimentos às vítimas de violência doméstica cresceram 70% em São Paulo durante o mês de maio, em relação ao mesmo período do ano passado."
A promotora pública Gabriela Manssur explicou que não se pode afirmar que houve um aumento da violência doméstica no Brasil durante a pandemia, mas sim um maior número de denúncias. Para ela, o período deu às mulheres a força necessária para denunciar a violência que já vinham sofrendo. "A pandemia mostrou que a saúde tem que ser prioridade entre todos nós e a violência contra a mulher adoece fisicamente, psiquicamente e socialmente quem sofre com ela."
Outro fator que pode ter levado ao aumento das denúncias foi a necessidade de reinventar o enfrentamento e a prevenção do problema, durante o período de isolamento. "Foram criados vários canais de denúncia online que fizeram com que as vítimas tivessem maior acesso ao sistema de justiça. Isso trouxe uma revolução na forma de enxergar e ouvir as mulheres que clamam", diz Gabriela. Ela espera que, com as ferramentas criadas nos últimos meses, exista uma maior conscientização da sociedade brasileira e do poder público sobre o problema.
A atriz Luiza Brunet conta que tanto sua mãe quanto sua avó sofreram violência doméstica em algum momento de suas vidas. Quando, em 2016, ela foi violentada fisicamente pelo seu parceiro, não pensou duas vezes antes de fazer a denúncia. Apesar de já ter sofrido outros tipos de agressão, verbal e emocional, foi ao deixar uma marca no corpo que ela entendeu que devia tomar uma atitude: "Achei que era o momento de romper o ciclo de violência que vinha há três gerações na história da minha família."
A atriz não se arrependeu em nenhum momento da decisão. "Colocar a minha história em pauta na imprensa foi importante para que várias outras mulheres fizessem o mesmo", diz. Luiza afirma que é comum a vítima de violência doméstica sentir medo e vergonha de seguir em frente, e por isso é importante que exista uma rede de apoio para ajudá-la. A advogada Eliane Dias ressalta a coragem de Luiza: "A posição social que você tinha podia fazer com que você voltasse atrás, e mesmo assim você chutou o balde e abriu as portas para que muitas mulheres chutassem também."
Apesar da Lei Maria Da Penha, considerada uma das melhores legislações do mundo em relação à proteção das vítimas, o Brasil é o quinto país no ranking mundial de violência contra a mulher. Para Gabriela Manssur, são três os principais fatores que levam a essa situação. O primeiro é a falta de investimento público para que a Lei Maria da Penha seja eficaz e efetiva. "Não adianta apenas criar inúmeras delegacias da mulher. Queremos que de fato elas estejam abertas e com pessoas capacitadas para que as vítimas sejam tratadas com dignidade", diz a promotora. Os outros fatores são a falta de um fluxo rápido para que as mulheres denunciem a violência e a mentalidade estruturalmente machista do brasileiro. "Nós temos medidas desfavoráveis às vítimas e não adianta termos tudo e as pessoas não abraçarem a mulher que sofreu a violência", completa.
Segundo Gabriela, para quebrar o ciclo da violência doméstica é preciso cuidar para que o agressor não repita o mesmo comportamento agressivo. Por esse motivo, um dos projetos da promotora é o "Tempo de Despertar – Ressocialização do Autor de Violência contra a Mulher", que visa diminuir a reincidência dos agressores. "Se esse homem for encaminhado para grupos reflexivos, ele tem mais chance de se conscientizar, refletir e não cometer mais esses atos", afirma. "Nesses casos, o índice de reincidência diminui de 65% para 2%."
Eliane Dias lembra que não são apenas as mulheres que sofrem com a violência doméstica. No período da pandemia, meninas e crianças também podem ficar mais expostas a essa agressões, já que os conselhos tutelares estão em atendimento remoto. "Eu sofri violência doméstica e um abuso sexual quando era criança. Aconteceu no final da década de 70, quando o assunto ainda era considerado um tabu", conta Luiza Brunet. Para a atriz, é necessário que hoje, com o tema em pauta, as pessoas se incomodem e se manifestem contra esse tipo de violência, que causa danos para toda a sociedade.
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Apesar do velho pensamento de que em briga de marido e mulher não se mete a colher, Gabriela alerta que é, sim, obrigação de terceiros denunciarem a violência doméstica. "Nós temos que mostrar para o agressor que não toleramos esse tipo de comportamento abusivo e criminoso." Eliane completa: "Eu meto a colher, meto o pé, meto a porrada, tudo que estiver na minha frente quando houver a violência."
A promotora lembra que hoje, graças a inúmeras iniciativas on-line, denunciar se tornou muito mais fácil. Uma delas, "As Justiceiras", é desenvolvida pelo instituto criado por Gabriela e está em operação desde o dia 24 de março. Por meio de um contato de WhatsApp, mulheres em situação de violência doméstica podem receber apoio e orientação jurídica, psicológica, socioassistencial e médica.
"A gente readquire o nosso respeito por nós mesmas depois da denúncia", diz Luiza Brunet. Ela conta que, além de aprender a não julgar ninguém, e experiência mudou a sua vida: "Eu achei uma bandeira para lutar como voluntária e mulher que fala sobre isso abertamente, sem medo e sem vergonha. Eu me sinto útil na sociedade." Para a atriz, é imprescindível que cada vez mais mulheres se coloquem ao lado da vítima e exerçam a sororidade.
A conversa terminou com um alerta importante: não são apenas em casais heteronormativos que a violência contra a mulher acontece. Em relacionamentos lésbicos, por exemplo, se ficar demonstrada que a agressão ocorreu por questões de gênero e que uma das mulheres do casal está em posição de submissão, ela pode – e deve – denunciar. "Todas as mulheres, independentemente da sua orientação sexual, devem ser amparadas pela Lei Maria da Penha, para se proteger e proteger umas às outras."
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