O gosto amargo do açúcar

O açúcar mal entra no corpo e já ativa uma sensação de prazer no cérebro. Depois de um tempo, vem a vontade de uma outra dose. E cada dose causa estragos no resto do corpo

O açúcar é uma substância bastante divertida: mal entra no corpo e já ativa uma sensação de prazer no cérebro. Depois de um tempo, porém, vem a vontade de uma outra dose. E cada dose causa estragos no resto do corpo. Ou pelo menos é essa a visão do atual movimento antiaçúcar, que considera a substância tão perigosa quanto o álcool e o tabaco.

Estamos em meio a um revival de uma discussão inciada há mais de 40 anos. Em 1972 o médico britânico John Yudkin publicou o livro Puro, branco e mortal, em que apontava o açúcar – e não a gordura – como a substância responsável pelo aumento dos casos de doenças cardiovasculares, além de ligá-lo à obesidade e ao diabetes. Três anos depois, no best-seller Sugar blues: o gosto amargo do açúcar, do americano William Dufty, o açúcar foi comparado à cocaína por sua propriedade viciante.

Essas ideias andavam meio esquecidas em 2009 quando a Universidade da Califórnia publicou em seu canal no YouTube uma palestra do pediatra americano Robert Lustig, professor do departamento de endocrinologia do campus de São Francisco. No vídeo Sugar: the bitter truth (Açúcar: a verdade amarga), Lustig apresenta os argumentos que apareceriam depois no seu livro Fat chance (2013) e no documentário Fed Up (2014), disponível na Netflix, que apontam para o fato de que o açúcar, adicionado em produtos alimentícios ultraprocessados, é o grande causador do aumento de casos de obesidade, síndrome metabólica e diabetes tipo 2 no mundo todo.

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Nas décadas que separam as duas ondas antiaçúcar, o consumo explodiu, especialmente na forma de produtos industrializados. Enquanto nos anos 60 o consumo no Brasil era de 32 quilos anuais por habitante, hoje chega a 55 quilos, ou cerca de 150 gramas por dia — seis vezes mais do que a recomendação da Organização Mundial da Saúde.

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Açúcar é um termo genérico para a coleção de carboidratos doces e solúveis, compostos por cadeias de carbono, oxigênio e hidrogênio. Nesse balaio estão arranjos mais simples, como glicoce, frutose, lactose e sacarose, e outros mais complexos. Todos os carboidratos são nutrientes que servem como fonte de energia  para o corpo. E, portanto, seu consumo moderado faz parte de qualquer dieta razoável que aposte em um mix de alimentos.

Lustig e seus companheiros da cruzada antiaçúcar discriminam um culpado específico para a pandemia de diabetes e obesidade: a frutose presente em alimentos ultraprocessados, seja na forma de açúcar comum, seja nas formas mais complexas, especialmente o onipresente xarope de milho.

A natureza oferece a frutose quase sempre combinada com fibras que aumentam o tempo de digestão dos alimentos, fazendo o metabolismo trabalhar em seu ritmo próprio. Sem fibras, a frutose chega ao fígado, onde é processada, muito rapidamente criando um aumento drástico na quantidade de açúcar no sangue. Com o fígado sobrecarregado, o pâncreas passa então a produzir mais insulina, que serve para transformar o açúcar em gordura.

Em um ciclo vicioso, os níveis elevados de insulina impedem o funcionamento do mecanismo no cérebro que indica saciedade e vão criando cada vez mais resistência no organismo, o que pode levar ao diabetes.Toda vez que o açúcar passar da boca para dentro “livre” da companhia de fibras –  ou em dose exageradamente maior do que elas –, a resposta do corpo é esse burn out. Metabolicamente falando, vale a mesma regra para um copo de refrigerante ou para um suco de frutas natural. (O suco, claro, tem vitaminas que a cola não tem, mas essa é outra história.)

Essa relação levou o endocrinologista David Ludwig, professor de nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard, a afirmar que “comer uma tigela de flocos de milho industrializados sem adição de açúcar ou uma tigela de açúcar sem adição de milho é a mesma coisa”. Metabolicamente, o milho, destituído de fibras por conta de processos industriais, equivale a açúcar da boca pra dentro.

Outro problema do açúcar, segundo os críticos da substância, é que ele é viciante, como uma droga. Um estudo de 2013 realizado no Connecticut College aponta que, pelo menos para ratos, o efeito da cocaína, da morfina ou de uma bolacha Oreo no cérebro é o mesmo. Outro estudo, do mesmo ano, feito com humanos na Oregon Health Sciences University mostra que, enquanto a gordura estimula uma parte do cérebro que controla as sensações na boca, o açúcar estimula o “centro de recompensa”, amplamente relacionado à dependência química. Em uma série de estudos na década de 2000, o psicólogo Bart Hoebel, do Instituto de Neurociência de Princeton, demonstra comportamentos como desejo intenso e síndrome de abstinência por açúcar em ratos, comportamentos-padrões de vício.

Há quem acredite que o terrorismo contra o açúcar anda exagerado. A nutricionista franco-brasileira Sophie Deram, pesquisadora de obesidade infantil e transtornos alimentares com doutorado na USP e autora do livro O peso das dietas, vê com preocupação, por exemplo, o caminho de famílias brasileiras que proíbem a entrada do açúcar em casa. “Vejo pais que não fazem mais bolo porque tem açúcar na receita. Isso é totalmente errado, porque o bolo é uma coisa deliciosa que faz parte de uma vida normal”, explica. “Essas crianças estão sendo criadas com um medo potencial do açúcar – vão acabar comendo escondido ou exagerando fora de casa.” Segundo a nutricionista, o caminho ideal é a moderação.  

O problema é ser moderado em meio à falta de informação e ao bombardeio de um marketing irresponsável dentro de supermercados, como mostra as reportagens que você vai ler na Trip #252.

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