Primeiros passos

por Luiz Alberto Mendes

”Não me permito subir o primeiro degrau de nada que considere censurável”

Durante toda minha vida, fui obrigado a seguir um método rígido de lidar com meus hábitos, impulsos e atitudes impensadas: eles podem me levar a atitudes sem volta. É o que chamo de teoria do primeiro passo. Busco encarar a vida como uma eterna escada. Não me permito subir o primeiro degrau de nada que considere censurável. É uma disciplina difícil de cumprir, mas sei que, se deixar, o segundo e os demais degraus acontecerão logo em seguida. Tem sido necessário para que eu possa conquistar algum controle sobre mim mesmo. Fico sempre no degrau anterior.

É assim com relação às drogas. E olha que não passei do baseado. Decidi parar e nunca mais cedi, pois sei que se der um trago, volta tudo. Também é assim que venço a preguiça em minhas disciplinas de estudo e pesquisa. Termino todos os livros que inicio. Jamais deixo um livro pela metade, por pior ele seja. Idêntico com relação à ansiedade e à impaciência. Ainda piso em cima, qual seja víbora de veneno mortal. Os exercícios físicos então, aos 64 anos de idade, ainda faço corrida de rua e frequento academia. Valores morais e éticos levo a ferro e fogo. Busco, mesmo contra minha natureza bruta e estúpida, a educação, o respeito e a elegância de comportamento. Esforço-me muito para não deixar de cumprir o que me determinar. Sempre soube que era fraco e vicioso, que se der o primeiro passo, não terei forças para segurar o segundo e o terceiro. Preciso ainda me segurar, como se segura um touro a unha. Vacilei não poucas vezes. Mas persisti na certeza que da próxima vez acertaria.

Hoje, depois de décadas de combate, tenho um pouco mais liberdade comigo mesmo. Posso me deixar andar um pouco sem susto. Sei um monte de coisas que aprendi na prática da vida. Estou ciente que, por exemplo, sofrer faz parte das melhores vidas. Mas que tudo é aprendizado. Sei que por vezes ganhei porque dei resposta aos desafios que a vida me propôs. Mesmo quando as respostas foram inteiramente equivocadas. Foram os inúmeros fracassos que me deram base para conseguir alguns sucessos.

Hoje ainda acredito que preciso de toda essa disciplina ferrada para poder erguer a cabeça. Creio que há uma linha divisória que até posso ultrapassar, às vezes. Mas, se ultrapassar muitas vezes, acabo esquecendo que ela existe. Pode desaparecer a noção do outro e o “é tudo nosso”, pode me seduzir. Acaba a ética, a moral, o respeito pelo outros, a dignidade e, por consequência, eu, o homem que me orgulho de haver construído com minhas próprias mãos.

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