por Luiz Alberto Mendes

”Somos convocados a viver sonhos que não são nossos, criando angústias que também não são nossas”

Existe crime maior? O pior dos crimes, na minha modesta concepção, é julgar-se maior que o outro. Somos, sem dúvida, todos iguais. Uns piores ou melhores que os outros, mas iguais. Cada qual com sua identidade, sua maneira pessoal de ser, seus valores, suas inteligências e capacidades, mas iguais. O pior é idêntico ao melhor de nós. A dor que machuca em mim, doerá em qualquer outro também. Sofremos a morte de um ente querido da mesma maneira. Ficamos feridos do mesmo jeito que qualquer outro. A alegria não existe sozinha: sempre esta acompanhada do outro. A felicidade nunca é só, esta sempre acompanhada e não seria completa se assim não fosse. O amor é sempre uma emoção a ser partilhada e vivida em conjunto.

Mas quem é esse outro? Cada um desses seres humanos como nós que perambulam pelas ruas. Até aquele que não nos enxerga como iguais e nos espera a cada esquina para nos assaltar, ferir ou matar.  Com certeza este sente que não é visto como igual. Percebe-se descriminado, desejando sem poder ter, pertencendo sem pertencer e sendo sem poder ser igual a todos. Não é mais um autor de sua história. Antes é um dos atores do jogo social, junto com o marketing, com aqueles que tiram lucro com a miséria alheia, a corrupção, a falta de projetos sociais, a indiferença geral, e outros fatores criminógenos. Alguém que nunca teve ou perdeu-se da noção de que somos todos iguais.

Vivemos todos o anseio de realizar nossos desejos. E nos frustramos, na maioria das vezes. Mesmo porque construímos uma imagem de nós acima do que somos capazes de ser. Somos convocados, instigados a viver sonhos que não são nossos, criando angústias que também não são nossas. Crescer, trabalhar, amar, casar, fazer filhos, constituir um lar, envelhecer, aposentar e morrer. Caso venhamos a nos perder em algum ponto desse percurso desenhado para nós, já não seremos tão iguais. Algo estará faltando. Mas então é preciso ressignificar. Passamos a fazer parte do mundo dos solteiros, ou dos que não foram amados, pais frustrados, dos velhos e até dos vagabundos.

Não ser maior ou melhor que ninguém é a maior das disciplinas que já vivi em minha vida. Sofro diariamente nesse exercício. Dói perceber que estou muito longe de chegar ao meu ideal. Talvez até morra antes de atingir. Mas se eu aceitasse as coisas como elas são, com certeza ainda estaria preso, morto ou teria enlouquecido. Ultrapassei quase tudo o que me pareceu inaceitável. Tenho vencido pela insistência e por não aceitar que eu seja como fui desenhado para ser. Demorei décadas para entender que toda alegria e realização existencial esta no outro. A maior alegria de minha vida foi quando pude fazer alguma coisa por alguém que realmente necessitava de mim. O sorriso de agradecimento ou o alívio que vi na face das pessoas foram os momentos mais felizes de minha vida. Ainda hoje vejo isso nos projetos que tenho conseguido levar aos ex-companheiros nas prisões. Eles se despedem de mim, ao fim de cada encontro, com um aperto de mão, um abraço (aviso que estou operado, senão me esmagam no peito) e um sorriso no rosto que nada me é tão precioso. Ao voltar, depois da cirurgia, escondido do médico que exigia repouso, dava para ver a satisfação em me ver nos olhos deles.

Cansei de fingir e protagonizar o ser o que se pensa que eu seja. Vejo que as pessoas não acreditam mais que possam ser felizes sem dinheiro. A novidade e o consumo tornaram-se fontes de satisfação existencial. O mercado hoje é o meio por onde passa a mensagem, a arte, a vida e a sobrevivência. Mas são alegrias que passam muito rapidamente, sem deixar lembranças, fica um vazio sempre pedindo mais e mais. Criamos meios, mas não sentidos de viver.

Na verdade é no outro, na igualdade absoluta entre nós e eles que esta a mensagem, a alegria de se feliz, a satisfação de viver e sobretudo a existência.

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