Invasor no prato

por Diogo Rodriguez

Ex-vendedor de seguros, americano caça e cozinha animais e plantas de espécies invasoras

Durante oito meses do ano, Jackson Landers não vai ao supermercado comprar carne. Tentando ser ecológico, prefere caçar o que come. É o que se chama de "locavore hunting". Tudo dentro da lei, claro, sem causar danos para as espécies de onde mora (estado da Virgínia, nos EUA). Mas se deu conta de que podia caçar algumas espécies irrestritamente e depender menos da carne industrializada.

Espécies que são estranhas ao um determinado habitat podem causar sérios desequilíbrios ecológicos e extinguir animais e plantas nativos, causando problemas nas cadeias alimentares. O único jeito de evitar que um animal estranho domine um ambiente é matando-o. Neste ponto se combinam a fome de Jackson por carne fresca e sua vontade de caçar. Ele solucionou o problema se dedicando a caçar espécies invasoras.

Landers não querer parecer um tipo fanático e deixa bem claro que sua preferência por espécies invasoras não é uma religião ou filosofia de vida, só uma preferência. Mantém um blog para falar sobre o assunto e compartilhar dicas. Por e-mail, o ex-vendedor de seguros falou do livro e programa de televisão que pretende lançar em breve e listou seu jantar ideal, que inclui uma espécie de pombo.

O que são "espécies invasoras"?
Uma espécie invasora é uma que foi levada a uma área geográfica onde antes não estava e onde conseguiu se reproduzir com sucesso até o ponto em que se tornou populosa naquele lugar.

Você só come esse tipo de animal?
Não. Como outras coisas. Minha família não compra carne no mercado desde que no freezer haja algo que caçamos. Normalmente, ficamos de sete a dez meses por ano sem precisar de carne industrializada. Se estou num restaurante, normalmente como a carne deles. Não trato isso como religião, só como algo bom que tento fazer.

Plantas também?

Como plantas invasoras às vezes. Já comi kudzu e várias outras. Muitas delas são deliciosas. Mas não as estou incluindo no meu novo livro, Eating Aliens, já que outros escritores já fizeram ótimos livros sobre isso. É a caça de animais invasors (peixes e crustáceos incluídos) que precisa de mais atenção.

Por que é melhor comer espécies invasoras?
Elas frequentemente representam uma séria ameça à vida selvagem típica de um lugar. Por exemplo, há um crescente problema com o porco selvagem no Brasil. Porcos comem qualquer coisa. Os ovos e os filhotes de pássaros que fazem ninhos no chão correm risco. Eles escavam grandes áreas para encontrar vermes e as raízes de certas plantas. Um pedaço da floresta que os porcos exploraram fica parecendo um campo minado. Qualquer espécie que já estivesse ameaçada pode ser levada á extinção.

As pessoas precisam comer. Se nos comprometermos a comer animais invasores, acho que em muitos casos podemos removê-los ou reduzir seu número dramaticamente. Uma vez que os humanos decidem que algo pode ser comido ou morto e vendido para alguém, conseguimos diminuir o número de indivíduos rapidamente. Geralmente isso é ruim, mas quero guiar esse comportamento numa direção ecológica. Coma os porcos que já estão por aí ao invés de um pedaço de tofú e você ajuda a proteger a vida selvagem nativa do Brasil.

"Uma vez que os humanos decidem que algo pode ser comido ou morto e vendido para alguém, conseguimos diminuir o número de indivíduos rapidamente. Geralmente isso é ruim, mas quero guiar esse comportamento numa direção ecológica"

No seu blog você disse que parece ser o único levando a caça "locavore" a sério. Por quê?
Não vamos confundir duas coisas diferentes (que se sobrepõem às vezes). A caça locavore é a prática deliberada da caça e consumo de carne selvagem das imediações da sua casa. Não sou a única pessoa que faz isso, apesar de dever ser a que mais fala sobre isso. Existe um movimento de caça locavore pelos EUA.

O que eu disse no meu blog foi que parece que eu sou a única pessoa (por enquanto) que fala muito sério sobre caçar e comer espécies invasoras de uma maneira sistemática. Algumas pessoas propuseram comer coisas como carpa asiática e ratão-do-banhado [uma espécie de roedor parecida com o castor] nos EUA e fizeram bons esforços para isso. O que estou tentando estabelecer é o uso de animais invasors como comida como uma resposta-padrão à sua presença. Estou tentando também estabelecer mercados formais para algumas dessas espécies. No momento, é o peixe-dragão-leão. Tenho certeza de que outras pessoas tiveram esse ideia, mas acontece que eu já tenho uma plataforma da qual falar sobre caça ecologicamente responsável.

Outras pessoas fazem ou já fizeram o que você faz antes?
Claro. Há chefs em Nova Orleans que colocam ratão-do-banhado no menu há anos. Isso tem sido feito como algo isolado. Só não acho que ninguém teve uma abordagem sistemática olhando para o potencial de distintas espécies invasoras em lugares diferentes.

Você tinha um emprego que deixou para se dedicar a seu livro e programa de TV. No que você trabalhava? Alguma rede de TV vai transmitir o programa?
Passei 11 anos trabalhando como corretor de seguros. Durante 10 desses anos, tive passagens pela política, trabalhando em campanhas no tempo livre. O projeto de TV está em espera agora porque estou terminando um livro sobre caça de cervos e viajo muito para fazer o novo livro. Estou sem tempo agora. Há redes interessadas e considerando passar o programa, mas deixo isso para o meu produtor, David Beilinson, da Rumur Inc.

Quais métodos de caça você prefere?
Eu meço meus métodos de acordo com a presa e a lei do local. Fico mais confortável caçando com um rifle, mas já cacei com espingardas, pistolas, rifles de ar, bestas, varas de pescar, lanças, facas, armadilhas e até já corri atrás da presa quando foi preciso.

É fácil aprender a caçar?
Qualquer um que seja mentalmente competente e emocionalmente saudável é confiável com uma arma e, provavelmente, pode aprender a caçar. Já ensinei várias pessoas e a idade não importa. Tive alunos de mais de 70 anos que se saíram muito bem.

Como você cozinha o que caça?
Muitos animais e peixes são diferentes e não existe uma só maneira de cozinhá-los. Geralmente, eu procuro saber como é a culinária do local onde o animal vive originalmente (no caso das espécies invasoras). Por exemplo, pescadores americanos acham que a carpa (invasora nos EUA) tem um gosto horrível. Mas ela é comida há milhares de anos na Ásia, então busquei receitas chinesas, porque eles sabem como fazer.

"Nunca encontrei nada que não valesse a pena comer. Às vezes é uma questão de experimentar receitas diferentes até achar uma que funcione"

Que tipos de carne você já provou?
Me acostumei a experimentar muitas coisas. Em resumo, é assim: a maioria dos répteis tem gosto de frango, a maioria dos mamíferos tem gosto de carne ou porco e os pássaros tem gosto de um desses dois, dependendo do quanto eles voam. A textura varia mais do que o gosto.

Tem algum animal que você preferia não ter de comer de novo?

Nunca encontrei nada que não valesse a pena comer. Às vezes é uma questão de experimentar receitas diferentes até achar uma que funcione, mas eu gostei de todas as espécies que comi até hoje.

Qual seria seu jantar perfeito com uma espécie invasora no menu?
Agora estou gostando muito de peixe-leão-dragão depois de caçar e comê-lo nas Bahamas no mês passado. De entrada, começaria com rola-turca [uma espécie de pombo europeu], cortado ao meio e cozido na frigideira com azeite e vinho tinto, servido com uma taça de merlot. Depois, charutinhos de kudzu [uma planta asiática] antes do prato principal: filés de peixe-leão-dragão fritos com molho hollandaise. Acho que Pinot Grigio seria um bom par, mas não sou especialista em vinho.

Vai lá: rule-303.blogspot.com

fechar